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terça-feira, 23 de janeiro de 2018

A jaula de ouro (La jaula de oro)

Periferia da Guatemala. O trabalho é pesado, a remuneração é baixa e os casebres mal construídos são permeados pela violência do tráfico – de drogas e de pessoas. Nessa realidade, replicada por toda a América Latina, não é difícil sonhar com um Éden em que a vida seja, se não fácil, ao menos justa.

É esse sonho que motiva os jovens guatemaltecos do filme a atravessar o país, cruzar o México e chegar aos Estados Unidos. As caronas clandestinas nos trens repletos de conterrâneos dispostos a realizar o mesmo sonho são a parte mais fácil dessa odisseia latina.

Os jovens têm consciência dos perigos que enfrentarão. O pouco dinheiro vai costurado em bolsos secretos. Sara (Karen Martínez) sabe que no mundo machista nenhuma situação é tão difícil que não possa ser ainda pior para as mulheres. É necessário cortar o cabelo e amarrar os seios para se passar por homem.

O diretor Diego Quemada-Diez dá ênfase nas ações e opta por poucas falas. Os amigos conversam pouco. Não há o que falar, para quem falar ou para quê falar. Seguem todos calados em uma mistura de ansiedade, insegurança e medo. Uma série de sentimentos que fazem com que a viagem só seja viável graças à realidade deplorável que fica para trás.

No caminho os amigos encontram o personagem mais emblemático do filme. Chauk (Rodolfo Domínguez) é um índio que não fala espanhol e se junta ao grupo rumo a uma vida melhor, independente do que isso signifique. É o elemento que não se compreende pelas palavras.

Entre os amigos a fala é desnecessária. Todos têm os mesmos sentimentos e objetivos, qualquer palavra seria uma redundância. Em relação a Chauk, não é preciso a compreensão do idioma para que Sara expresse solidariedade e companheirismo. Também não precisam palavras para que Juan (Brandon López) deixe claro sua antipatia pelo índio.

Com o comportamento agravado pelo ciúme de Sara, Juan reproduz em outra escala a visão de xenofobia de muitos norte-americanos em relação aos latinos. Para um supremacista branco, pouco importa se o imigrante vem da periferia da Guatemala falando espanhol ou de uma tribo indígena falando uma língua igualmente incompreensível. A xenofobia que ambos enfrentarão é a mesma.

Já para um guarda de fronteira, a conhecida ‘la migra’, também pouco importam as nuances que diferenciam os indivíduos que abarrotam os trens rumo ao norte. O dever é barrar os imigrantes. Contrariados ou condescendentes, os guardas também formam uma massa homogênea, da mesma etnia da maioria dos imigrantes, e não poupam esforços para impedir a viagem. Do lixão de onde alguns imigrantes tiravam o sustento, disputando restos com os urubus, a diferença mais marcante é que os urubus ao menos podem sobrevoar a fiscalização e têm livre acesso aos territórios.

Aos humanos que conseguirem cruzar o México, resta entregar a vida aos coiotes, aos quais pouco importa qualquer individualidade por trás da massa de seres humanos que visam cruzar a fronteira. Imersos em um sistema cruel de baixa remuneração e poucas vagas de emprego, os coiotes encontram a forma ilegal e extremamente rentável de trabalho, cobrando por uma travessia sem qualquer garantia de sucesso.

O filme ilustra bem a presença de um funil entre a América Central e os Estados Unidos. Uma grande quantidade de imigrantes latinos seguem por um caminho repleto de filtros e provações rumo ao norte. Com barreiras - físicas e emocionais - cada vez mais complexas, uma quantidade ínfima comparada ao todo consegue ingressar no éden idealizado.

Toda a provação se converte em carne barata no mercado norte americano. O sistema excludente do capital garante que o bem estar social dos Estados Unidos, alcançado e sustentado pela exploração do trabalho estrangeiro, seja restrito aos habitantes do país.

Enquanto milhares de imigrantes visam uma ou outra exceção de latino bem sucedido no norte do continente, o roteiro mais comum segue sendo o da massa de pessoas indistintas, filtrada por guardas, por traficantes, por coiotes, todos como parte de um complexo sistema que perpetua a exploração em diversos níveis.

Olhando para toda a violência que envolve a migração notamos que além do estilo de vida americano, que serve de norte àqueles que se aventuram pelo continente, o papel de opressor seduz os que buscam uma vida melhor. Ainda que nivelados por baixo, qualquer mínima diferenciação por meio da violência costuma ser aceita em um universo voraz e agressivo.


terça-feira, 6 de setembro de 2016

O Vulcão Ixcanul (Ixcanul)

Esse é um daqueles filmes que ultrapassam completamente o limite o entretenimento. Não é divertido, talvez nem prazeroso, mas leva às telas uma realidade comum em locais remotos da América Latina. O cotidiano da protagonista Maria (María Mercedes Croy), assim como dos moradores vizinhos, é a síntese de dificuldades e preconceitos que não se restringem à Guatemala, tudo muito bem apresentado pelo diretor Jayro Bustamante.

Se por um lado os valores do mundo globalizado chegaram ao local, com tudo o que vem de fora visto como exemplo a ser seguido e referência de boa qualidade, por outro toda a base de vida dos moradores está nas tradições locais. Isso gera um choque de costumes que acaba oferecendo a parte ruim de cada lado.

A economia local é baseada no cultivo do café e milho, que mobiliza toda a força de trabalho para o plantio e colheita de um produto que será totalmente exportado, em contrapartida o que vem de fora para os moradores são produtos de má qualidade, visto como melhores simplesmente por virem dos Estados Unidos.

Com a má remuneração e vida difícil todos buscam formas de uma ascensão social, ou ao menos algo que traga algum tipo de conforto. Uma das formas é a antiga, e machista, tradição do casamento arranjado. É assim que a família de Maria pensa em conseguir uma vida melhor. O desconforto da moça tímida e insegura diante de uma situação inevitável, contra a qual nada pode fazer, é constrangedor.

Subjugado ao poder econômico, o machismo não garante aos homens locais a prosperidade, apenas oferece possibilidades que são negadas às mulheres. Essa também é uma característica de todas as formas de exploração, ou seja, na ausência de uma educação emancipatória os indivíduos explorados não lutam pela ascensão em comum, mas na prosperidade individual, que supostamente faria com que passassem à categoria de exploradores.

É assim que Pepe (Marvin Coroy) planeja emigrar aos Estados Unidos, sonhando em desfrutar das casas grandes, carros, fartura e todas as facilidades que o capitalismo proporciona para uma fatia pequena da população. Na construção onírica que os moradores fazem dos Estados Unidos não existe o preconceito contra imigrantes latinos, sendo que o vilarejo tem o agravante (para quem visa a migração) de falar somente o dialeto Kaqchikel.

Tendo muito mais identificação com Pepe do que com o marido que os pais escolheram, Maria faz de tudo para que ele a leve para os Estados Unidos, sem se dar conta de que as maravilhas norte-americanas são vedadas a eles, tão pouco que o machismo faz com que Pepe tenha muito mais liberdade de ao menos arriscar uma vida nova e partir em uma aventura – ainda que as restrições norte-americanas sejam as mesmas – do que Maria, que tem sua função social muito mais restrita e submissa.

Aos que ficam resta a exploração contínua em vários níveis; as mulheres pelos homens, estes pelos seus superiores, que serão explorados pelo dono da fazenda. Com um cotidiano tão duro é bastante natural que os moradores idealizem um local melhor e sonhem em viver nessa suposta perfeição. Na verdade, a parte do preconceito já mencionado, não haveria condições de um único país abrigar todo mundo e para um país atingir níveis de dominação global tão elevados, é indispensável que boa parte da população siga como o povoado retratado.

A única forma de produzir tanta riqueza é através da relação comercial que fica implícita ao longo do filme, ou seja, produtos primários são cultivados por quem recebe uma miséria pelo trabalho pesado que realiza e o valor agregado ao longo das transações comerciais serve para manter as relações econômicas.

O misticismo religioso, que acaba sendo uma das poucas opções que os moradores veem para se apegar, também prejudica o desenvolvimento na medida em que casa muito bem com o conformismo da situação de vida, atribuindo as dificuldades às forças sobrenaturais, como a do próprio vulcão que dá nome ao filme.

Um intermédio entre a cultura local e as comodidades que poderiam vir do exterior deveria ser pensado no sentido de oferecer aos moradores o que há de melhor em cada um dos lados, trazendo conforto com produtos externos e aproveitando a riqueza cultural da população, ao invés da velha tática de oferecer quinquilharias em troca do trabalho pesado que enriquece as grandes potências.


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