Uma mulher que não se contenta com a solidão. Este é o ponto de partida do diretor Sebastián Lelio. A protagonista Gloria (Paulina García) faz de tudo para viver a vida de forma intensa, mesmo que sozinha sai para dançar, canta, frequenta bares e busca um romance. Não seria uma história muito atrativa se ela não estivesse beirando os 60 anos.
A possibilidade de uma mulher dessa idade viver a vida livremente e preferir lidar com os percalços cotidianos a render-se ao papel estigmatizado para idosos é recente. Os avanços sociais em termos de igualdade de gênero e até mesmo de idade são lentos e historicamente não favorecem as mulheres.
Mesmo com os hábitos em processo de mudança, os homens, de uma sociedade machista, sempre gozaram de mais liberdade e menos censura, chegando à terceira idade com possibilidades de encontrar um novo amor, sair com mulheres mais jovens ou qualquer atividade que os faça felizes.
Às mulheres, depois de passar a vida em função do marido e filhos, restava uma velhice tranquila e insuportavelmente monótona. A prova de que essa herança cultural ainda nos persegue é que Gloria, mesmo com toda sua disposição, demonstra não ter fortes laços de amizades que poderiam ter sido cultivados ao longo da vida.
De seu passado sabemos apenas que foi casada, graças a um encontro com o ex-marido, atualmente casado, e a presença dos filhos, cuja relação com a mãe também evidencia um período de transição social. Gloria é uma mulher forte, mas ao mesmo tempo carente, demonstrando não ter superado o fato dos filhos terem crescido e não precisarem mais de seus cuidados.
A protagonista sofre os efeitos de apostar em uma relação próxima aos filhos, mas não ser correspondida. Talvez o que demandasse um pouco mais da atenção que ela tanto gostaria de proporcionar seria um neto, mas sua filha engravidou de um suíço e irá deixar o país.
É sozinha, carente e jamais entregue que Gloria encontra um novo amor, Rodolfo (Sergio Hernandez), também separado – ao menos é o que ele diz –, mas ao contrário dela, ele é extremamente conectado com as filhas, com as quais está sempre no telefone.
Apesar de cada vez mais comuns, os casais formados na terceira idade ainda não têm muitas referências históricas. Pensando nos tradicionais casais formados na adolescência, com a interferência dos pais, falta de dinheiro, inexperiência, etc., podemos esperar que os mais velhos levem vantagem e enfrentem menos problemas. Ilusão.
Gloria é a protagonista, portanto é ao redor dela que gira a história e, ainda que possamos criticar algumas nuances de seu comportamento, Rodolfo se mostra bastante despreparado, para não dizer infantil mesmo já tendo passado dos sessenta, em relação ao namoro. Tanto a insegurança ao conhecer o ex-marido de Gloria quanto à dificuldade de lidar com a dependência das filhas já adultas nos remete a um casal adolescente, que não consegue construir ou manter um relacionamento prazeroso.
Os problemas dos dois nos mostram o quanto somos complexos e como um relacionamento é difícil. Não se trata apenas de experiência e maturidade. Se hoje os casamentos têm durado menos tempo e as relações conjugais estão mais frágeis, não é por falta de empenho. A diferença é que até pouco tempo o divórcio era proibido, os casamentos arranjados e a mulher criada desde pequena para servir ao marido.
Não havia separações, mas havia satisfação? Sem dúvida Gloria tem que lidar com frustrações que não existiriam se ela aceitasse uma velhice tranquila dentro de casa, mas como iria lidar com sua carência e a sensação de vazio deixada pela independência dos filhos?
Gloria representa muito bem um novo comportamento social, adotado por pessoas que perceberam que o aumento da longevidade pode e deve ser acompanhado de qualidade de vida. Em uma sociedade que busca a juventude a qualquer preço não é nada fácil conciliar a pressão social para ser escrava da juventude e, ao mesmo tempo, trabalhar a quebra de paradigmas que permite aos mais velhos uma vida para além dos lamentos e saudosismos.
Um ponto chave que Gloria ensina para lidar com essa fase da vida é algo que deve ser bem cultivado desde cedo: as amizades. Podemos envelhecer ao lado de algumas pessoas que nos acompanharam ao longo da vida, um dando suporte ao outro, mas é claro que nunca é tarde para conhecer pessoas que, diferente de amores românticos, tem muito mais chance de corresponder às expectativas.