O diretor Clint Eastwood está agora com oitenta anos, tem maturidade de sobra e experiências de vida que lhe permitem lançar um olhar bastante maduro sobre os temas abordados neste filme. Comovente na medida certa e sem tomar partido de forma desnecessária em relação a dogmas que permeiam a fronteira entre a vida e a morte, o diretor trabalhou em Além da Vida (Hereafter) não necessariamente o pós-morte, mas a sequência da vida de três protagonistas após eventos marcantes.
Marie LeLay (Cécile de France) é uma renomada jornalista francesa, que passa por uma experiência de quase morte durante um tsunami na Indonésia. A cena chama a atenção pelo realismo e a capacidade de demonstrar a angústia gerada pela onda devastadora. Ao retornar à França, Marie passa por uma súbita mudança em seus valores, passando a questionar o racionalismo extremo com o qual encarava a vida e a se aproximar de possibilidades muito mais sensitivas. O problema é que ninguém na redação de seu jornal estava disposto a encarar tais possibilidades.
Em Londres o pequeno Marcus (George McLaren) vive ainda na infância situações que seriam difíceis para qualquer adulto, como a mãe dependente química, a perda de uma pessoa próxima e a necessidade de subitamente ter que cuidar da própria vida, optando por buscar incansavelmente um contato mediúnico. É curioso como Marcus poderia ser uma presa fácil de falsos videntes, porém a astúcia de quem está acostumado com grandes problemas e a visão despretensiosa da infância faz com que o garoto identifique com facilidade atuações que, por mais patéticas que possam ser, convencem muitos adultos. Também chama a atenção a forma como o egoísmo da infância é retratado, pois o grande apego material está presente até mesmo após a vida notado pelo boné utilizado por Marcus, que não deixa de ser um banho de água fria no apego do jovem ao irmão.
Por fim somos apresentados a George Lonegan (Matt Damon), um vidente – este é o ponto que o filme mais se aproxima da crença, ainda que interpretações racionais sejam possíveis – que prefere encarar sua capacidade de entrar em contato com os mortos como uma maldição. A princípio essa reação soa estranha, mas os problemas que a vidência gera para George tornam sua repulsa compreensível, já que lidar com as emoções de pessoas desconhecidas, que recebem o impacto de um contato com outra vida, fazia com que o personagem carregasse um fardo cada vez mais pesado – e desnecessário. Além disso o suposto dom fez com que o rapaz ficasse cada vez mais solitário, tentando levar uma vida normal para voltar a se aproximar das pessoas.
O que une os personagens, independente de qualquer contato entre eles, mais do que a experiência com algum tipo de vida após a morte, já que os três fatos são bem distintos entre si, é a dificuldade que todos encontram com o ambiente que os cerca. Marie tenta abrir os olhos para uma possibilidade distinta sendo desestimulada pelas pessoas próximas, que encaram sua mudança de comportamento como um problema e tentam moldar sua forma de agir de acordo com os interesses do trabalho. Marcus é retirado de uma vida que já não era fácil e jogado sem muito amparo em outra realidade, com adultos querendo colocá-lo em uma espécie de forma, da qual saísse plenamente adaptado e remodelado. George sofre grande pressão de seu irmão Billy (Jay Mohr) para voltar a fazer os contatos, de forma que ambos possam ganhar dinheiro com isso, e tem ainda tem que lidar com pessoas que, após descobrirem seu dom, exigem um contato, ignorando as advertências para se arrependerem depois.
A impressão que fica, não pelo que os protagonistas fazem, mas pelo que passam, é que “além da vida” não existe a morte, mas existe o outro. Cada um é marcado pelo individualismo dos que os cercam e sofrem consequênicas de suas próprias atitudes, por vezes altruístas, outras apenas diferentes do esperado, lutando por um pouco de autenticidade em meio às imposições de comportamento de massa. Entre um representante da infância e dois da vida adulta, faltou um personagem mais velho, que fica por conta da visão do próprio diretor.
Conforme apresentado, “Além da Vida” pode oferecer uma leitura pouco relacionada com a vida após a morte, independente da visão que cada um tem sobre o tema. Há uma série de fatores a serem encarados além da vida e o pós-morte é apenas um deles. Para uma leitura mais individual sobre a relação pessoal com a morte, o próximo texto será sobre Biutiful.