terça-feira, 25 de agosto de 2015

A festa de despedida (Mita Tova)

Existem várias formas de abordar um tema polêmico em filmes. A adotada pelos diretores Sharon Maymon e Tal Granit utiliza o humor para aliviar o peso de algumas cenas mais tensas, que são inevitáveis ao falar sobre abreviar a vida de doentes terminais.

Toda a trama é vivida por um grupo de idosos que moram em uma casa de repouso em Jerusalém. Diante do sofrimento de um deles, que no leito do hospital pedia insistentemente para que encerrassem com sua dor através da eutanásia, o grupo passa a discutir a viabilidade de, contra a lei, tomar alguma atitude que resultasse na morte, e consequente alívio, do amigo.

Até esse ponto já temos uma polêmica gigantesca, debatida por vários setores da sociedade há séculos. O médico do grupo lembra o juramento de Hipócrates para alegar que não pode fazer nada neste sentido, os demais se questionam quanto à legalidade do ato, além do constrangimento de ajudar um amigo a acabar com a própria vida.

Com um tema tão controverso, dificilmente um consenso é encontrado. No filme não é diferente. Ainda assim Yehezkel (Ze'ev Revach) cria uma máquina que, acionada pelo próprio paciente, libera anestésico e depois uma substância letal. O sofrimento do paciente pode terminar, mas sem dúvida aqueles que seguem a vida vão precisar de tempo para se recompor.

Tudo parecia resolvido, não fosse pelo fato de um desconhecido ficar sabendo da máquina e ter a esposa em uma cama de hospital, pedindo pela eutanásia. Nessas horas parece que nosso senso de justiça por direitos iguais é aflorado e nada convence o personagem a desistir de ajudar a esposa.

Sempre com humor os diretores mostram como pode ser grande a demanda pela eutanásia. A grande maioria das pessoas sonha com uma morte súbita, indolor, com total repulsa à ideia de ficar entubado em um quarto de hospital. Ainda que a prática fosse legalizada, a decisão final seria difícil para todos os envolvidos. Desde o médico que cuida do paciente e considera a possibilidade de cura, até a família que além dessa mesma hipótese encara a dificuldade de perder uma pessoa importante.

Um de tantos problemas que pairam sobre o tema é a diferença de percepção de quando olhamos para um caso distante e quando vivenciamos o problema de perto. Uma coisa é imaginarmos o que faríamos diante de uma situação semelhante a do filme, onde um idoso sofre sem esperança – talvez até sem vontade – de melhora. Outra coisa bem diferente é olharmos para uma pessoa com quem temos forte laço afetivo, em uma situação extremamente delicada em um hospital.

Ouvir o desejo enfático de morrer e até considerar, racionalmente, que esta seja a melhor opção não nos garante a frieza de auxiliar de alguma forma a eutanásia. É uma dessas situações cuja reação que nos suscitará é imprevisível, só quem vive é que pode dizer qual é a própria reação.

Com a disseminação da procura pela máquina inventada por Yehezkel outro problema vem à tona. Qual o momento de recorrer à máquina? Na ânsia por abreviar o sofrimento é inevitável o risco de impedir uma possível cura, ou ainda, na ausência de um laudo médico, nada garante que o paciente não esteja dramatizando uma situação que justifique seu real desejo de encerrar sua vida. Com a depressão na terceira idade se manifestando de forma bastante comum e com difícil diagnóstico, um idoso do filme pode simplesmente querer a eutanásia para se livrar de uma vida solitária e infeliz, ao invés de passar por um tratamento psiquiátrico.

Podemos pensar também nas doenças degenerativas. O limite da tolerância é inexistente. Cada paciente tem sua própria avaliação, que pode ir em sentido contrário ao dos médicos e das pessoas próximas sobre o próprio estado de saúde. É uma análise pessoal, porém sempre tendenciosa, pelo fato da pessoa sempre considerar a relevância de se evitar futuros sofrimentos e constrangimentos causados pelos sintomas de sua doença.

Além de abordar os temas polêmicos e tensos de uma forma bastante sensível, estimulando nossa reflexão acerca do que é exibido, os diretores também têm o grande mérito de conseguir inserir humor na medida certa, aliviando a tensão e divertindo à medida em que também instrui. É um equilíbrio difícil de ser acertado, mas como bem podemos ver neste caso, o resultado pode ser muito agradável.


terça-feira, 18 de agosto de 2015

Tiranossauro (Tyrannosaur)

Lidar com a angústia tem se tornado uma luta cada vez mais comum. Em maior ou menor quantidade quase todo mundo já se deparou com situações aflitivas e a forma com que cada um reage a essas situações varia muito. Esse sentimento parece ser a base deste longa do diretor Paddy Considine.

Não é apenas internamente que devemos trabalhar nossas angústias. A maneira com a qual exteriorizamos o sentimento é bastante particular e à medida que temos uma vida social, o comportamento gerado pela angústia interfere bastante em nossa vida e nas relações pessoais que estabelecemos.

Um dos extremos do filme é Joseph (Peter Mullan). Sentindo o peso da idade, seu passado parece atormentá-lo ainda mais que o presente. Fechado e com uma personalidade marcante, geralmente agressiva, parece que colhe a solidão que cultivou ao longo da vida.

É fugindo de uma das tantas confusões nas quais se envolve que o personagem entra no brechó de Hannah (Olivia Colman). Entre todas as reações que um sujeito cambaleando e desorientado pode suscitar ao entrar em uma loja vazia, Hannah exprime a que lhe dá conforto; oferece apoio ao desconhecido com base na sua própria fé, que a princípio serve de amparo para qualquer dificuldade que cruze seu caminho.

Independente de qual seja, a fé costuma ser um grande conforto em situações de extrema angústia. A ideia de um ser superior nos olhando e, sobretudo, cuidando de nossos problemas é agradável por intervir diretamente em uma das necessidades imediatas que o sentimento proporciona, ou seja, oferece cuidado e promete justiça.

O problema da fé é que ela é sempre muito abstrata. Não dá para controlar os fatores que levam uma pessoa a crer ou não em determinada religião, de forma que nada fará com que Joseph passe a ser religioso. Às vezes a conversão ocorre e não são poucos os casos de pessoas que dizem ter ‘encontrado o caminho’ ao entrar para uma igreja. É bom que essas pessoas não cruzem com um personagem como Joseph, que não mede esforços para deixar claro que todo o conforto religioso não passa de um engodo, vazio de conteúdo.

Invertendo o ponto de vista, Hannah tem uma personalidade muito mais contida que a de Joseph. Fica evidente ao longo do filme que ela acumula suas emoções ao máximo, o que não significa que não é atingida pelos efeitos negativos de alguns sentimentos. O que vemos fora das telas é que a propensão a um acesso de fúria por parte de pessoas assim é possível, mas muito menos frequente, sendo necessário estímulos muito mais intensos do que ao explosivo Joseph.

É curioso que por mais que sejamos complacentes com as dificuldades de Joseph, não é o tipo de personagem que chegamos a sentir pena ou mesmo defender com muito empenho. Ainda que ele sinta o peso da solidão, seja responsável em determinadas situações e justo em relação àqueles que precisam de ajuda, trata-se de um personagem bastante amargo e o remorso que demonstra por algumas atitudes do passado é logo coberto por algum momento mais egoísta.

Por outro lado, Hannah tem uma postura tão passiva diante das injustiças que sofre que não há como não a olhar como vítima. Com um marido que usa o discurso da moral cristã como escudo para poder agredi-la, física e psicologicamente, sua reação mais transgressora é beber escondida, rezando, como sempre, para que as coisas melhorem.

É claro que nas entrelinhas dessa trama principal há uma série de temas polêmicos, que isoladamente já renderiam um filme cada. O machismo no casamento de Hannah, o peso da idade do – também machista – Joseph, a trama de apoio formada pelos vizinhos de Joseph – que envolve uma criança em uma família desestruturada –, etc., tudo muito bem amarrado, dando um ritmo muito bom ao filme.

Quanto à angústia dos protagonistas, parece ficar cada vez mais clara ao longo da história a ideia de que é no mínimo imprudente julgar as maneiras que as pessoas encontram para lidar com o sentimento. É claro que nem tudo é aceitável, mas o fato de Joseph criticar a postura religiosa de Hannah não significa que ele sabe como se tranquilizar de forma satisfatória.

Entre os dois extremos retratados, as pessoas buscam inúmeras alternativas para o próprio desconforto. Drogas – lícitas e ilícitas –, relações sociais, hobbies, esportes... uns são muito mais aceitos que outros, mas em condições limites, como algumas apresentadas no filme, o respeito e consideração em relação aos que estão sofrendo são sempre muito bem-vindos.


terça-feira, 11 de agosto de 2015

A história da eternidade

Para contar sua história da eternidade o diretor Camilo Cavalcante intercala três tramas que se desenvolvem em um pequeno povoado do sertão nordestino. Em meio a diversas obras que narram a saga deste povo sofrido, que segue rendendo material a ser denunciado através da arte, este longa se destaca por colocar três protagonistas mulheres nas histórias, com cada uma tendo que lidar com seus próprios problemas e de alguma forma interagir com os personagens masculinos, que às vezes têm comportamentos vergonhosos.

Infelizmente alguns elementos ainda não podem faltar quando se pretende fazer um retrato realista da sociedade em questão. Logo no início somos apresentados a Querência (Marcélia Cartaxo), que enterra o filho em um pequeno caixão branco, coberto com a terra árida e poeirenta do local. Difícil pensar em quanto deve durar o luto de uma mãe e como devem ser inseridas novas histórias em sua vida, incluindo o afeto em relação a Ederaldo (Leonardo França), o sanfoneiro cego que não se cansa de tentar conquista-la.

Mais jovem, a adolescente Alfonsina (Débora Ingrid) assume o papel da mãe, que talvez tenha morrido, cuidando da casa e cozinhando para os irmãos, o pai e o tio. Ao que tudo indica a menina personaliza um estereótipo fatalista do gênero feminino em uma sociedade não apenas machista, mas restrita em um modo de vida com pouquíssimas alternativas. O talento da jovem atriz associado ao sempre brilhante Irandhir Santos, que faz o papel do tio Joo, dão destaque à história.

A menina é o vértice de dois extremos. Seu pai, Nataniel (Claudio Jaborandy), é a imagem clássica do sertanejo vaqueiro, que mantém uma vida extremamente dura para sustentar a família em terra tão hostil – o que não justifica certas atitudes do personagem. Já seu tio é um artista que estimula os sonhos da menina e o desgosto do irmão, que não vê com bons olhos suas performances artísticas incompatíveis com o estilo de vida do tradicional “cabra macho”.

Por fim a terceira história que se mescla às outras duas traz Das Dores (Zezita Matos), já idosa e solitária, que fica radiante com a notícia de que o neto Geraldo (Maxwell Nascimento) virá de São Paulo passar alguns dias com ela. Como era de se esperar, a visita não é redentora; além do choque cultural das gerações o jovem volta por ter sido jurado de morte na metrópole.

Desta forma o diretor apresenta através das três histórias fases distintas de mulheres que sofrem, mas que também carregam nos ombros responsabilidades imensas, dentro de um ambiente tão machista que não vê em atitudes fortes e corajosas mais que uma simples obrigação. Entre a menina que cuida da casa com toda a responsabilidade, a mulher que chora a morte do filho e a avó que acolhe o neto independente dos motivos de sua fuga, podemos ver uma trajetória de problemas de vidas que seguem por uma estrada muito estreita e com poucas alternativas.

A história parece de fato eternizada pela dificuldade secular de viver em um ambiente hostil não somente pelo clima árido, mas pelo comportamento árido de pessoas presas a uma tradição dura. Invertendo a lógica tradicional de narrativas baseadas no protagonista masculino e chefe de família, vemos dessa vez aquelas que costumam ser coadjuvantes graças à herança machista da sociedade, mas que na prática ocupam papel indispensável na vida das famílias.

Em meio à moral exacerbada e a necessidade de manter distância física, já que a proximidade é sempre mal vista graças ao tal pecado da carne, vemos que é através do contato que os personagens acabam buscando a solução para suas angústias. É no afeto que tentam encontrar um pouco de alívio, o que deveria parecer bastante natural em uma espécie que evoluiu há milhares de anos através da vida em grupo.

Infelizmente o que parece natural pode soar absurdo do ponto de vista social. Sem adiantar detalhes em relação à conclusão das histórias, é possível antever o que fica até evidente ao longo do filme; certas normas de conduta tornam-se inquestionáveis em curto prazo, corroborando a ideia de que mudanças sociais acontecem lentamente. Mesmo as grandes revoluções são explosões de pequenos acúmulos que ocorrem ao longo do tempo, até que ganham força para maiores mudanças.

A impressão que fica é que o filme realmente conta a história da eternidade, que se por um lado é mutável, por outro conserva-se quase intacta quando analisada em um espaço de tempo curto. Ampliando esse conceito para um espaço maior que o do filme fica claro que com atitudes um pouco menos rígidas muitos problemas poderiam ser evitados.


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