Direito não é uma ciência exata. Por mais que, em tese, a lei seja igual para todos, a figura do juiz é indispensável na hora de analisar os fatos e aplicar a sanção cabível à situação, supostamente de forma imparcial e isenta de preconceitos. Assim, quanto mais uniforme a sociedade, mais fácil a ação penal, já que os juízes têm menos margem de interpretação.
Este longa da diretora Caru Alves de Souza mostra bem como uma sociedade heterogênea ao extremo como a nossa acaba proporcionando situações em que as leis ficam bem distantes da imparcialidade que deveriam ter.
A jovem advogada Helena (Rita Batata) defende menores infratores, se esforçando para que a lei seja cumprida. O papel do advogado não deveria ser esse. Em um sistema judiciário confiável, não seria necessário alguém atuando de forma enfática para que direitos constitucionais básicos sejam cumpridos, mas, trabalhando na ponta do iceberg, Helena acaba intervindo em uma área muito maior do que deveria, na tentativa de buscar um pouco de justiça no meio de aplicações tendenciosas da lei.
Um contraponto da situação social dos menores que ela defende é seu próprio irmão, Caio (Giovanni Gallo). Órfãos, ambos vivem uma cumplicidade muito grande, característica de quem, além dos laços familiares, vê no irmão um adolescente como os que são defendidos por ela.
Quando a forte ligação dos dois irmãos é abalada pela suspeita de um crime cometido por Caio, as atuações profissionais serão postas em xeque. Para o juiz Carlos (Caco Ciocler) não deve haver diferença entre Caio e os demais menores julgados, assim como para Paulo (Rui Ricardo Diaz), promotor que costuma analisar os casos de forma muito mais rigorosa que Helena.
Evidenciar as discrepâncias entre os menores infratores pobres, sem amparo familiar, estereotipados como criminosos e o jovem branco, que possui parentesco com a advogada é indispensável, sobretudo diante das constantes tentativas de redução da maioridade penal, que paira sobre nossa sociedade.
É um caso que extrapola os limites da maioridade penal, abrangendo uma discussão extremamente complexa sobre a imparcialidade da justiça e a influência socioeconômica sobre as sentenças, mas como o próprio título do filme indica, a intenção aqui é abrir a discussão em torno do tratamento dispensado aos menores infratores.
Pensando em um cenário ideal, quase onírico, não seria sequer necessária uma idade separando maiores e menores. Assim como não seria necessário um estatuto do idoso, a lei Maria da Penha, a criminalização do racismo ou a inexistente, porém necessária, criminalização da homofobia. Já que todos os crimes devem ser julgados de forma imparcial por um magistrado, este analisará todos os fatores que influenciaram no crime em questão e aplicará a melhor sentença.
Na prática a isonomia navega em um mar de preconceitos e interesses pessoais. Não bastasse o histórico de vida ser desconsiderado no julgamento de pobres que fugiram de casa antes mesmo de começar a frequentar uma escola e cresceram em um meio que naturaliza o crime, quando o infrator vem de classes mais altas ainda há complacência por parte de advogados como Paulo.
Camuflados com nomes que tentam atenuar a verdadeira função, os presídios para menores de idade não têm capacidade para recuperar ninguém, e disso poucos discordam – talvez somente políticos, quando precisam de votos. Uma pena que esta estrutura totalmente falida de ressocialização só seja questionada quando o infrator em questão vem da classe média.
Seja um jovem estudante do melhor colégio particular do país – sim, por vezes esses jovens também cometem crimes – seja um jovem morador do bairro mais pobre, a “internação na Fundação Casa”, ou seja, prisão, não recupera e ainda compromete o futuro de qualquer um. Seria hipocrisia dizer que um jovem rico tem um futuro mais promissor, portanto não deve ter a vida comprometida por um erro, já que o termo ‘crime’ só é utilizado quando aquele que o executa é pobre. Se por um lado seu futuro é supostamente mais promissor, por outro seu passado lhe garante mais estrutura para evitar práticas ilegais.
De fato é tarefa do juiz analisar possíveis desdobramentos dos fatos e pensar nas implicações de suas sentenças, ou seja, a privação da liberdade de alguém que tenha a tendência de cometer um assassinato não tem apenas o caráter punitivo, mas protege a sociedade de um possível crime. Não é no julgamento, a ponta de um longo processo, que as questões sociais serão solucionadas, nem é o juiz que resolverá a desigualdade latente de nosso país, mas a aplicação justa das leis de forma igualitária, doa a quem doer, ao menos forçaria condições mais justas da reclusão, para que os tais centros de reabilitação de fato sirvam para o que seus nomes indicam.