A princípio este parece ser mais um filme sobre o aparentemente interminável conflito entre policiais e traficantes, desta vez sob a ótica de Katia Lund e João Moreira Salles. A diferença não está apenas no fato de ser um documentário, isento de fabulações, mas ainda que todo documentário esteja subordinado à visão do diretor, aqui a dupla trabalhou com as principais partes envolvidas, ou seja, ao longo do trabalho vemos entrevistas de moradores, policiais e traficantes, intercaladas. A comparação nos permite identificar conclusões em comum dos três setores, além de percebermos que diferente das brincadeiras infantis de polícia e ladrão, na vida real mocinhos e bandidos não são tão facilmente distintos.
O maniqueísmo que o senso comum tenta impor é quebrado pelos próprios policiais quando o então chefe da polícia civil, Hélio Luz, dá declarações polêmicas, assumindo a corrupção entre policiais – fato que seria inegável – e dizendo claramente que a polícia garante a segurança dos ricos, pois na favela é necessário manter a ordem e a ferramenta para isso é a repressão. Poderíamos pensar na legitimidade do uso da força pelo estado para estabelecimento da ordem, não fosse pelas declarações de moradores afirmando que antes do domínio do tráfico os policiais entravam na favela com muito mais agressividade, pois não havia reação dos moradores, e os papeis se misturam a partir do momento que moradores tinham eletrodomésticos e objetos de maior valor levado pelos policiais, que alegavam ser produto de roubo, ainda que sem provas.
Evidentemente que com isso não podemos concluir que há uma simples inversão de valores, pois se por um lado o tráfico supre certas necessidades dos moradores, que seriam dever do estado, é latente a crueldade com que dívidas são cobradas e que crimes são cometidos. Ainda que, segundo traficantes entrevistados, o surgimento do crime organizado tenha sido para melhorar a vida de presos e dos próprios moradores da favela, com o intuito de “regulamentar” a violência entre traficantes rivais e oferecer resistência frente à polícia, é indispensável lembrar que os envolvidos com o tráfico de drogas entram para o crime ainda muito jovens e têm toda sua formação marcada pela banalização da violência.
Ainda que uma porcentagem baixa da sociedade entre para a criminalidade – como bem lembrado por Hélio Luz, se essa fosse uma opção generalizada o crime não seria um estado paralelo, mas tomaria o poder de fato – já é um número significativo para abalar a sociedade como um todo, e isso desconstroi a opinião do policial que considera uma guerra particular os conflitos na favela. Pela fala dos três setores entrevistados não é difícil perceber o que leva os jovens à marginalidade. É muito clara a diferença entre os que não entram para o crime e optam por trabalhar nos empregos legalizados, sentindo as consequências de um estado omisso em relação à qualificação profissional. Geralmente com pouco estudo, o salário baixo do subemprego é quase fatídico e o alto lucro do tráfico torna-se extremamente sedutor por proporcionar condições de manter um padrão de consumo mais elevado. Muitos preferem uma vida curta a uma longa exploração legal.
Talvez o maior consenso do filme seja a indicação da miséria como fonte dos conflitos. Essa percepção com base no cotidiano é comprovada por pesquisas que não colocam os municípios mais pobres como mais violentos, este posto é ocupado pelos mais desiguais. A discrepância entre o padrão de vida de um trabalhador e um traficante; a diferença de tratamento pelos policiais entre um morador de favela e um bairro nobre; a omissão do estado para uns e a corrupção para outros. Todos esses fatores que podem parecer repetitivos e cansativos, mas que persistem há séculos, com pequenas mudanças de forma, mas com o eterno conteúdo de exploração culmina em um documentário como este.
O filme pode (e deve) ser assistido integralmente no Youtube.
O maniqueísmo que o senso comum tenta impor é quebrado pelos próprios policiais quando o então chefe da polícia civil, Hélio Luz, dá declarações polêmicas, assumindo a corrupção entre policiais – fato que seria inegável – e dizendo claramente que a polícia garante a segurança dos ricos, pois na favela é necessário manter a ordem e a ferramenta para isso é a repressão. Poderíamos pensar na legitimidade do uso da força pelo estado para estabelecimento da ordem, não fosse pelas declarações de moradores afirmando que antes do domínio do tráfico os policiais entravam na favela com muito mais agressividade, pois não havia reação dos moradores, e os papeis se misturam a partir do momento que moradores tinham eletrodomésticos e objetos de maior valor levado pelos policiais, que alegavam ser produto de roubo, ainda que sem provas.
Evidentemente que com isso não podemos concluir que há uma simples inversão de valores, pois se por um lado o tráfico supre certas necessidades dos moradores, que seriam dever do estado, é latente a crueldade com que dívidas são cobradas e que crimes são cometidos. Ainda que, segundo traficantes entrevistados, o surgimento do crime organizado tenha sido para melhorar a vida de presos e dos próprios moradores da favela, com o intuito de “regulamentar” a violência entre traficantes rivais e oferecer resistência frente à polícia, é indispensável lembrar que os envolvidos com o tráfico de drogas entram para o crime ainda muito jovens e têm toda sua formação marcada pela banalização da violência.
Ainda que uma porcentagem baixa da sociedade entre para a criminalidade – como bem lembrado por Hélio Luz, se essa fosse uma opção generalizada o crime não seria um estado paralelo, mas tomaria o poder de fato – já é um número significativo para abalar a sociedade como um todo, e isso desconstroi a opinião do policial que considera uma guerra particular os conflitos na favela. Pela fala dos três setores entrevistados não é difícil perceber o que leva os jovens à marginalidade. É muito clara a diferença entre os que não entram para o crime e optam por trabalhar nos empregos legalizados, sentindo as consequências de um estado omisso em relação à qualificação profissional. Geralmente com pouco estudo, o salário baixo do subemprego é quase fatídico e o alto lucro do tráfico torna-se extremamente sedutor por proporcionar condições de manter um padrão de consumo mais elevado. Muitos preferem uma vida curta a uma longa exploração legal.
Talvez o maior consenso do filme seja a indicação da miséria como fonte dos conflitos. Essa percepção com base no cotidiano é comprovada por pesquisas que não colocam os municípios mais pobres como mais violentos, este posto é ocupado pelos mais desiguais. A discrepância entre o padrão de vida de um trabalhador e um traficante; a diferença de tratamento pelos policiais entre um morador de favela e um bairro nobre; a omissão do estado para uns e a corrupção para outros. Todos esses fatores que podem parecer repetitivos e cansativos, mas que persistem há séculos, com pequenas mudanças de forma, mas com o eterno conteúdo de exploração culmina em um documentário como este.
O filme pode (e deve) ser assistido integralmente no Youtube.