Selton Mello estreou como diretor com o longa “Feliz Natal”, mesmo com o bom trabalho a popularidade do ator não se refletiu no roteiro tenso e introspectivo, que ganhou status de filme cult e acabou pouco conhecido. Em seu segundo trabalho a direção de Selton está mais madura e o roteiro (mais uma vez em parceria com Marcelo Vindicatto) explora muito bem o universo lúdico e descontraído do circo para suavizar a melancolia proveniente tanto da dificuldade econômica que o circo encontra, quanto dos problemas pessoais de Benjamin, o palhaço Pangaré (Selton Mello), que acredita ter perdido a graça e não consegue mais encontrar nos risos do público a motivação para seu trabalho.
O filme serve muito bem como comédia descontraída, com ótima fotografia e que diverte não somente nos espetáculos dos palhaços Pangaré e Puro Sangue (Paulo José), mas no dia-a-dia sempre inusitado de toda a trupe. Porém o roteiro não abandona completamente a reflexão sobre problemas individuais, explorados mais explicitamente no primeiro filme do diretor. O palhaço triste, que acredita não ser engraçado e questiona sobre quem vai lhe fazer rir, da margem para muitas questões.
Benjamin demonstra tristeza, mas não sabemos qual o motivo. Na verdade nem ele sabe, já que esse sentimento não necessita de uma motivação clara e explícita, podendo surgir até mesmo pela presença de novos desejos, obscuros até mesmo para quem sente, que dirá para quem assiste. A identificação deste possível novo desejo é importante, e a partir disso o palhaço passa a buscar um sentido para sua vida e talvez este, sim, seja o grande problema a ser resolvido ao longo da trama, afinal não temos um desejo ou uma meta na vida. Somos multifacetados e uma realização, felizmente, não nos satisfaz – assim como uma frustração, felizmente, não nos destrói.
Perdendo o interesse pela profissão, Benjamin parece não tolerar mais os espetáculos de humor que oferece ao público, sendo que as apresentações no picadeiro soam para ele como uma grande farsa. Assim, o palhaço faz um elo entre o riso fácil e defensivo, que nos oferece uma fuga das dificuldades cotidianas – um dos lados já destacados do filme –, e o triste amor que o personagem busca, tentando concretizar a paixão platônica que sente por uma bela moça, logo a primeira vista. O tipo de amor que vai machucar, mas ensina a lidar com perdas inevitáveis, que não ocorrem apenas no plano amoroso, de forma inigualável.
Não por acaso o circo se chama Esperança, sentimento que permeia o palhaço triste em busca de um sentido maior para a vida; também o próprio circo, que lida diariamente com a falta de recursos; e por que não os espectadores, torcendo pelo simpático palhaço e pelo divertido circo, para que encontrarem seus caminhos. A esperança é um sentimento simbolizado pela jovem Guilhermina (Larissa Manoela), que encanta pela beleza, graça e inocência, mas que inevitavelmente passará por duras provas antes de se concretizar. É uma grande sorte que essas provas estejam permeadas pelo riso do universo circense, cabendo aqui ressaltar a importância do circo para pessoas que tem poucas experiências lúdicas ao longo da vida, dado que o pequeno circo apresenta seus espetáculos em cidadezinhas do interior, distantes dos pólos culturais.
Por fim, sem revelar como a trama termina, como solucionar o conflito do palhaço que busca o sentido para a própria vida? A indicação deste como sendo, talvez, o grande problema se dá devido à ofuscação do cotidiano criada pelas grandes buscas. Quando a trivialidade do dia a dia deixa de fazer sentido, ou seja, para um palhaço nada mais direto que a satisfação de seu respeitável público, a busca de algo maior, que justifique todas as ações mas que raramente existe, acaba por frustrar ainda mais, já que essa busca tem a tendência de roubar uma base do indivíduo (sua vida cotidiana) sem lhe oferecer algo em troca.
Tentar curar a tristeza, como se fosse uma patologia, buscando algo maior pelo qual a vida passa a valer a pena pode até funcionar, mas o mais provável é que isso afaste o indivíduo dos prazeres atingíveis. É importante ressaltar que a ideia não é acreditar que Benjamin, ou qualquer um que cedo ou tarde vai se deparar com os mesmos questionamentos, deva se contentar com pouco ou abrir mão de sonhos que podem surgir ao longo da vida, mas que manter um circo em situações precárias e ser competente o suficiente para entreter o público, apesar das dificuldades pessoais e profissionais, já constitui um sentido nada desprezível e afastar algumas dificuldades, valorizando a própria experiência de viver, é o ponto de partida para voos mais altos. É a partir desta valorização que o personagem terá bases para lutar pelo que deseja – estes sim, desejos sem limites. Talvez tudo o que o personagem precise é ligar seu ventilador para refrescar e deixar as ideias fluírem – como um possível sentido de metáfora para o ventilador tão desejado por Benjamin.
Com a carreira de ator mais que consolidada Selton Mello já mostra ser capaz de reunir um elenco de peso para um roteiro que condensa grande conteúdo, expresso de forma leve e simples. Um trabalho para poucos, que deixa grande expectativa em relação ao que vem por aí.