segunda-feira, 29 de março de 2010

Babel

A Babel bíblica é o palco da famosa torre cujo objetivo da construção era chegar ao céu e unir a população. Porém a ideia foi frustrada por Deus que deu línguas diferentes aos povos, fazendo com que a comunicação durante a construção da torre fosse impossibilitada. Já a Babel de Alejandro Gonzáles Iñarritu mostra os problemas da falta de comunicação, que não envolve apenas empecilhos promovidos por diferentes línguas, mas também por choque culturais, intolerância em diversos níveis e o individualismo levado ao extremo, uma característica cada vez mais evidente no mundo moderno.

Um caçador japonês viaja ao Marrocos e presenteia o guia local com um rifle, pelo bom serviço prestado. Sua filha Chieko (Rinko Kikuchi) é surda e muda; uma adolescente que tem as grandes dificuldades da adolescência agravadas pelo problema de comunicação. Sentindo-se rejeitada a garota decide buscar a iniciação sexual, ainda que com algum desconhecido, procura o conforto das drogas para vencer a inibição, mas sempre esbarra em dificuldades que frustram seus planos de inserção social.

No Marrocos os irmãos Ahmed e Yussef (Said Tarchani e Boubker Ait El Caid) saem para brincar com o rifle que o pai comprou para defender a propriedade de chacais. Em meio às inconsequências da infância, disputando para ver quem atira melhor, Yussef dispara contra um ônibus de turistas estrangeiros. Ao ver que a brincadeira havia tomado um rumo inesperado as crianças tentam esconder o rifle e fingir que nada havia acontecido.

Um casal de norte americanos, Richard e Susan (Brad Pitt e Cate Blanchett) deixam os filhos com uma babá mexicana, Amélia (Adriana Barraza), e viaja ao Marrocos contra a vontade de Susan. Eles sentem na pele o que um mal entendido pode acarretar, sofrem com o descaso e o individualismo dos demais turistas de seu grupo e superam os desentendimentos internos do casal após muitos problemas ao longo do filme.

Nos EUA uma imigrante ilegal quer participar do casamento do filho no México. Sem outra opção resolve levar as crianças que estavam sob sua tutela juntamente com seu sobrinho Santiago (Gael García Bernal). Aparentemente não haveria com o que se preocupar, mas eles precisavam voltar para os EUA de forma ilegal.

O filme é bastante complexo, o suficiente para que esta breve abordagem seja bem superficial, mas é com o entrelaçamento dessas histórias que Iñarritu nos mostra peculiaridades interessantes, como diferenças e semelhanças de sociedades distintas e a maneira com que personagens reagem diante de tantas adversidades. Todo o trabalho é mostrado com estereótipos bem marcados que, se por um lado irritam um pouco pela generalização, por outro deixam claro o ponto a ser evidenciado.

Na Babel filmada a linguagem comum a todos os cenários é a violência, não necessariamente a coerção física, mas muitas vezes velada como um modo de dominação. Para a filósofa Hannah Arendt, quando não há diálogo a violência é inevitável para a resolução de conflitos, e no longa a falta da comunicação é demonstrada de várias formas. Notamos a presença de seis idiomas diferentes, a linguagem de sinais de Chieko, abismos culturais que parecem intransponíveis e diante de tantas divergências, um caminho que conflui para o uso da força.

O que haveria de comum entre a sociedade marroquina e a norte americana? A força desmesurada de seus policiais contra a população, tal qual um policial brasileiro tomando uma favela. Apenas os policiais japoneses mostram-se mais preparados, porém não enfrentaram nenhuma situação de tensão para uma comparação mais precisa. Atualmente, após um período de grande tolerância da população diante da violência civil, causada por governos autoritários, que indiretamente incitavam até pensadores como Jean Paul Sartre a apoiar reações severas do povo, esta forma de violência é cada vez mais rechaçada. Em contrapartida há em alguns países, majoritariamente fora da Europa, tolerância e apoio da população às ações enérgicas da polícia, por coibirem um tipo de atitude condenável. Depois de assistir ao filme torna-se ainda mais pertinente um olhar crítico para o modo de agir da polícia, questionando o velho chavão de agir primeiro e perguntar depois.

Outro ponto presente nas entrelinhas, mas que pode gerar grandes questionamentos é o papel da mídia. Evidentemente que a imprensa livre é fundamental e inquestionável em qualquer estado que almeje o bem estar de sua população, entretanto como cobrar o compromisso da mídia com a verdade? Pois é notável o poder dos meios de comunicação de transformar, intencionalmente ou não, um fato isolado em grave incidente diplomático. É uma questão relevante diante da divulgação de materiais preconcebidos sobre temas como armas nucleares, confrontos políticos, atitudes governamentais e tantos outros que circulam por campos extremamente minados.


Não encontrei o trailer legendado, mas acabei gostando, pois entra no clima de Babel =)

terça-feira, 16 de março de 2010

Feliz Natal

Não confundir com o homônimo francês de Christian Carion. Este é o primeiro longa dirigido pelo consagrado ator Selton Mello, que também escreveu o roteiro com Marcelo Vindicatto. A história mergulha na família do protagonista Caio (Leonardo Medeiros), proprietário de um ferro-velho – fato curioso após a revelação de um fato de seu passado –, ovelha negra da família de classe média sustentada pelo seu irmão, o bancário Theo (Paulo Guarnieri). Evidentemente a direção pode ser criticada em alguns aspectos, mas não há nenhuma grande falha, ou seja, tudo dentro do esperado para uma experiência inicial.

A metáfora do Natal ilustra a trama de “essência x aparência” explorada ao longo do filme. Assim como a data tem seu significado ofuscado pelo consumo e os apelos para aquecimento da economia, a família – cujo sobrenome não é revelado – tem duas faces distintas. Caio chega à bela casa de Theo na véspera do Natal e encontra uma bela decoração, a festa reúne amigos e parentes empolgados com a troca de presentes e as maçantes músicas natalinas, por outro lado as relações familiares são tensas. Sua cunhada Fabiana (Graziella Moretto) o trata com frieza; Theo pede para que o irmão não apronte nada; o pai, Miguel, (Lúcio Mauro) demonstra raiva ao ver o filho e ignora as tentativas de contato; sendo que sua mãe, Mércia (Darlene Glória), é a única a receber bem o filho e demonstrar efusivamente a saudade que sentia. Não por acaso a matriarca da família tenta fazer alusão à verdadeira comemoração natalina, mas é ofuscada pela nora e termina falando sozinha.

Além das frias relações pessoais, cada personagem da casa demonstra pontos moralmente questionáveis. Os patriarcas, separados, vivem brigando e sustentados por Theo – Miguel para comprar Viagra e corresponder a namorada bem mais nova; Mércia para sustentar o vício em bebida e barbitúricos. O próprio Miguel apenas traz dinheiro para casa e acata ordens de todos. Fabiana tenta administrar a casa, os conflitos e os problemas, entretanto, assim como seu marido, não é capaz de dar atenção aos dois filhos pequenos, que recorrem à internet quando querem aprender o significado de alguma palavra.

Fugindo deste ambiente Caio reencontra velhos amigos. Em um estereótipo de casa habitada só por homens (bagunçada, suja, com comida estragando e muita cerveja) Caio encontra a verdadeira amizade e demonstrações calorosas de afeto, ausentes na família. Seus amigos Neto e Thales (Thelmo Fernandes e Cláudio Mendes) representam um laço com seu passado. Caio é um personagem obscuro, misterioso e intimista – bem mais que o próprio filme – e aos poucos, de forma bastante satisfatória, o longa oferece dicas indiretas sobre seu passado, como peças de um quebra-cabeça que devemos montar ao assistir. A história do protagonista vai ficando mais clara com o desenrolar do filme, e desvendamos inclusive a cena tensa em que ele revela quem está sepultada no túmulo que procura no cemitério da cidade.

A obra termina como certo maniqueísmo às avessas. A ovelha negra com o bônus de lentamente superar traumas e problemas do passado, estruturando nova vida mesmo sem o apoio da família. E o ônus fica com o orgulho da família, o bancário que vê seu império desmoronando por uma série de problemas.

Apesar das críticas que sofreu, talvez por ser um filme bem diferente dos que Selton Mello costuma atuar, é um ótimo trabalho da nova geração de diretores brasileiros. Vamos aguardar “O Palhaço” que Mello lançará em breve.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Histórias de amor duram apenas 90 minutos

O roteirista Paulo Halm já havia mostrado seu talento em diversos longas como Guerra de Canudos (1997) ou Amores Possíveis (2001). Desta vez, além de escrever o roteiro, Halm assumiu com competência a direção deste filme que traz a história de um complicado triângulo amoroso, permeado por cenas cômicas e fazendo referências à obras literárias.

Zeca (Caio Blat) é o protagonista. Sonhando em ser escritor, o personagem tem um promissor romance na cabeça, mas não consegue escrevê-lo. É sustentado pela mesada do pai e seus hábitos lembram o byronismo, pessimista, angustiado, mas ao mesmo tempo egocêntrico e na eterna busca de um relacionamento amoroso perfeito, que tenta sanar com Júlia (Maria Ribeiro). Não haveria nada de errado se Zeca fosse um adolescente que, como tantos outros, vivesse os ideais do romantismo. O problema é que ele já tem trinta anos e poucos resultados concretos na vida.

Sua esposa aparenta ter muito pouco em comum com ele. Júlia é professora e dedica-se ao sonho de fazer seu mestrado em Sorbonne, sendo que este projeto toma a maior parte de seu tempo e muitas vezes ela recusa a atenção de Zeca para não prejudicar os estudos. Uma de suas alunas é Carol (a argentina Luz Cipriota), que talvez seja a personagem mais carioca do filme, aproveitando os prazeres da Lapa e das praias do Rio.

Quando a amizade entre professora e aluna estende-se para fora da sala de aula Zeca, apesar de seu estilo de vida digno de escritores do romantismo, tem uma atitude de Dom Casmurro, personagem mais conhecido do realismo, suspeitando de que sua mulher esteja lhe traindo com Carol. As semelhanças machadianas param por aqui, pois o desenvolvimento da história acarreta em uma sequência de atitudes imaturas de Zeca – lembrando algumas vezes o personagem Cristiano que Caio Blat interpretou em Cama de Gato, apesar de este ter sido muito mais trágico – e como todo adolescente perdido, é ao pai que o jovem recorre.

A presença de Daniel Dantas é curta, porém muito marcante tanto para o lado cômico (assim como a de Hugo Carvana), quanto para compreendermos o protagonista. O pai acredita muito no potencial do filho e joga para ele a própria esperança, frustrada, de ser escritor. Os constantes mimos ao longo da vida fizeram com que Zeca ficasse acomodado até os trinta anos, sem maturidade para solucionar os problemas ou traçar metas concretas que rompam a barreira dos sonhos.

Carol em determinado momento é o elemento que inspira a vida de Zeca, como a realização de seus desejos que servem para inspirar seu romance inacabado e dão sentido para sua existência, porém o triangulo amoroso é insustentável, e a ideia fixa de que Carol e Júlia têm um caso persiste. A resolução deste impasse cabe ao personagem que finalmente tem uma responsabilidade da qual não pode fugir.

É interessante a presença de Zeca como narrador, pois seria um elemento dispensável, mas sua existência indicando claramente se tratar da narração de um filme sugere que a obra a ser composta pelo personagem, a princípio um romance, acabou sendo um filme; não de ficção sobre a vida de outras pessoas como ele sonhava, mas sobre sua própria vida.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...