terça-feira, 28 de agosto de 2012

A vida de outra mulher (La vie d'une autre)

Nem todos os filmes precisam de um roteiro complexo e repleto de surpresas para conquistar quem assiste. Neste longa a diretora Sylvie Testud apresenta uma história simples, talvez até pouco original, dado à quantidade de obras que exploram a perda de memória, mas a complexidade da protagonista e a divergência da própria personagem em dois períodos distintos, cativa e instiga os espectadores.

A história basicamente apresenta Marie (Juliette Binoche, que influenciou no roteiro exigindo, com razão, uma personagem complexa), que após conhecer Paul Speranski (Mathieu Kassovitz) acorda quinze anos mais tarde, sem se lembrar de nada do que aconteceu neste intervalo. Uma metáfora que trabalha com uma condição clinicamente pouco provável e com uma reação ainda mais incomum, pois a personagem prefere tentar esconder o fato e se readaptar à vida, ao invés de pedir ajuda e correr o risco de ser taxada de louca.

A moça que acabou de se apaixonar ao completar vinte e cinco anos acorda com quarenta. Descobre ser mãe do pequeno Adam (Yvi Dachary-Le Béon), morar em um ótimo apartamento, estar casada com Paul e ser uma executiva bem-sucedida. Não era mais Marie, agora era a Sra. Speranski.

Apesar de ter tido ascensão econômica, sucesso profissional e um filho ao qual logo se afeiçoou, seu casamento estava prestes a terminar e se tornou uma executiva profissionalmente respeitada, porém temida pelos subordinados e muitas vezes obedecida por medo dos funcionários – o que não a agradou nem um pouco. Apesar de o filme induzir a conclusão de que Marie abriu mão do casamento em prol da profissão, o que chamou a atenção foi seu estranhamento em relação à pessoa que se tornou, tão diferente em apenas quinze anos. Fato que abre espaço para algumas indagações.

Ao tentarmos lembrar, o mais detalhadamente possível, do que éramos há quinze anos, dos sonhos que tínhamos e das pretensões que nos cercavam, o resultado seria muito diferente da perplexidade de Marie, ou por nos acostumarmos paulatinamente às mudanças, não nos damos conta de que nos transformamos em outra pessoa?

A ambição tipicamente adolescente de querer abraçar o mundo esbarra inevitavelmente na realidade, que nos faz abrir mão de cada vez mais detalhes e por vezes nos obriga a moldar aquilo que não podemos desistir até se tornar uma meta bem distinta da que possuíamos a princípio. Diante de algumas conquistas, ou mesmo algumas frustrações, tentamos nos convencer de que chegamos onde queríamos, jogando para baixo do tapete da memória aquela frustração de alguns sonhos que ficaram pelo caminho.

Claro que nem tudo se tornou um terror. Marie, surpreendentemente, cria rápida identificação com o filho e, fora do ambiente hostil do trabalho, ouve do menino que ela é a melhor mãe do mundo (frase batida, mas que cabe para ilustrar esse outro lado de seu futuro). Tornar-se uma executiva de sucesso também estava nos planos da moça, que, além disso, conseguiu se casar com o homem pelo qual se apaixonou e agora tenta uma reaproximação, já que não sabe os motivos da separação.

Um agravante na vida de Marie, pouco comum para a maioria das pessoas, é a mudança social brusca proporcionada pelo casamento. Nas poucas cenas da personagem antes de perder a memória, é possível notar uma vida mais simples, muito contraditória em relação às atitudes da agora Sra. Speranski, cuja herança do sobrenome do marido é constantemente enfatizada ao longo do filme.

Grandes ascensões sociais, quando ocorrem, são vagarosas, de forma que a pessoa assimila pouco a pouco as novidades. Traçamos nossos caminhos dentro de um campo restrito de possibilidades, que não é estático, mas é sempre limitado às possibilidades do período em que estamos. Acordar imerso em uma vida com quinze anos de fatos esquecidos é assustador; quando se está em outro nível social, cultural e econômico, mais ainda.

Para que o casamento não passe em branco por aqui, já que na nova vida de Marie a reaproximação é a principal meta, é claro que ao tornar-se pouco a pouco uma pessoa completamente diferente do que era ao se apaixonar, isso irá influenciar no casamento. Não temos muita informação sobre Paul, mas é certo que ele se manteve em seu padrão social e consolidou a carreira de cartunista – talvez mais próximo de Marie, mas bem distante da Sra. Speranski.

Seria possível uma reaproximação depois de, segundo Paul, cinco anos de brigas? Perfeitamente, sobretudo depois que Marie esqueceu os motivos que acumularam durante anos para culminar no divórcio, e existe a possibilidade de voltarem ao comportamento que os aproximou. Seria possível que a reaproximação, diferente da primeira tentativa, durasse para sempre? Isso já não é tão previsível, mas se o sentimento voltou a existir, por que não tentar?


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