quarta-feira, 6 de julho de 2016

Olmo e a Gaivota (Olmo and The Seagull)

Apesar de falado em francês, o ‘Olmo e a Gaivota’ é dirigido pela brasileira Petra Costa. Com codireção da dinamarquesa Lea Glob essa diversidade por trás das câmeras acaba sintetizada em um drama bem intimista, que poderia se repetir de forma semelhante em qualquer lugar do mundo.

A protagonista Olívia (Olivia Corsini) é uma mulher madura, que demonstra segurança e experiência de vida, tanto em seu casamento com Serge (Serge Nicolaï) quanto no trabalho – ambos estão ensaiando a peça "A Gaivota", de Anton Tchekov. A gravidez de Olívia parece coroar uma ótima fase de sua vida.

É de se esperar que em um ambiente teatral exista uma convivência mais harmônica entre os profissionais, com pessoas mais abertas ao outro e dispostas a adaptar o cotidiano às necessidades individuais. Claro que uma grávida terá alguns cuidados especiais e talvez algumas alterações em sua rotina, porém, quebrando o estereótipo de tolerância do ambiente teatral, o diretor da peça não considera a hipótese de Olívia atuar aos sete meses de gravidez na apresentação do grupo na badalada Nova York.

Não se trata de uma preocupação com o bem estar ou com a saúde da protagonista e seu futuro bebê, mas uma implicância puramente estética com o tamanho da barriga da atriz e como isso influenciaria na peça. Por mais que possamos pensar nos detalhes de um espetáculo artístico, seria no mínimo insensível colocar a gravidez como fator determinante para substituir a atriz.

Infelizmente não é somente com as dificuldades sociais que Olívia tem que lidar. Devido a uma gravidez de risco a orientação médica é que ela não faça nenhum tipo de esforço, o que na prática significa não sair de casa, não enfrentando assim os vários lances de escada para seu apartamento.

A solidão é a melhor companhia quando precisamos pensar sobre nossa própria vida e tomar decisões difíceis, porém quando é associada a um problema que de alguma forma nos limita, restringindo até mesmo a liberdade de sair de casa, a reflexão não é plena, mas contaminada pela situação atual, como se esta fosse perdurar eternamente.

No caso de Olívia sua estadia forçada dentro do próprio apartamento abre espaço para questionamentos profundos sobre a gravidez, desconstruindo a ideia de que a maternidade é um paraíso. Toda a euforia de uma mulher que engravida e fica radiante com a nova fase que inicia em sua vida logo terá percalços, mas que sem dúvida podem ser superados de forma mais eficiente que o veto da atriz, que acabou sendo necessário por conta do risco da gravidez.

Sozinha em casa, com o passar dos dias, das semanas, Olívia começa a sentir o peso de não poder sair e ter que mudar completamente sua rotina de uma hora para a outra. A personagem começa a pensar no filho que cresce dentro dela e que ela já tem que sustentar. Não é nenhuma surpresa que ela, em meio à situação delicada que está passando, supervalorize os aspectos negativos.

O papel de Serge acaba sendo mais uma crítica à relação do homem com a maternidade. Por um lado ele tem suas obrigações com a peça de teatro e também tem que lidar com as novas responsabilidades da paternidade, inclusive com os novos gastos que virão. Por outro lado ele acaba dando toda sua atenção ao trabalho, mesmo quando está em casa, a despeito de Olívia que segue sozinha mesmo na presença do marido.

É muito bom que um filme com esse viés tenha a direção dividida por duas mulheres, que em algumas cenas incluem pequenos diálogos com a atriz sobre o enfoque que esperam do que está sendo filmado. A gravidez um universo muito feminino que tende a ser visto como uma grande felicidade, porém não existe felicidade plena. Os medos, as angústias, as inseguranças e até mesmo as oscilações hormonais da gravidez formam um quadro que só pode ser retratado por um trabalho feminino.

Ao homem cabe aceitar um papel que o histórico machista da sociedade sempre coibiu: o de coadjuvante. Não cabe ser o protagonista da história, não há espaço para dar as regras ou mostrar como é que se faz. A necessidade quase infantil de ser a estrela do espetáculo em todas as situações vem sendo desconstruída com o fortalecimento do movimento feminista, mas a gravidez talvez seja a maior expressão do elemento feminino, tentar ofuscar esse brilho é patético.


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