quarta-feira, 2 de julho de 2008

A Vila



Este filme de M. Night Shyamalan (Sexto Sentido, Corpo Fechado, Sinais) decepcionou muita gente. Baseadas em traillers e sinopses que vendiam uma imagem comercial do filme, não faltaram críticas taxando o trabalho de chato e previsível. De fato A Vila não é um filme fácil de compreender que, sem dúvida, decepciona quem espera por sustos que colam a platéia nas cadeiras e mais ainda quem espera por banhos de sangue.

Shyamalan opta por inúmeras metáforas que dão margem à diversas interpretações ao invés de entregar ao público as idéias prontas e concluídas. Isso resultou em um filme um tanto linear, sem o famoso "grand finale" que muitos esperavam. As entrelinhas são fascinantes aos que conseguem interpretá-las e estimulam a ver o filme diversas vezes em busca de detalhes despercebidos à primeira vista.

O enredo gira em torno de uma pequena vila no meio da floresta que supostamente é habitada por criaturas malignas. Segundo os habitantes mais velhos, há um pacto que determina que as criaturas não atacarão os moradores, desde que os limites da floresta não sejam ultrapassados por eles. Ao longo do filme vemos que a vila foi criada por algumas pessoas que, após sofrerem vários infortúnios, gostariam de fugir dos males da cidade e viver em um lugar tranqüilo e protegido. Agora os fundadores governam a vila; ensinam as crianças; e perpetuam a idéia de que a cidade é ruim e de que a floresta é habitada por criaturas, chamadas apenas de "aqueles de quem não falamos". Até aqui, um cenário típico dos filmes de terror, não obstante o terror da Vila é mais psicológico.

Neste contexto encontramos Lucius (Joaquin Phoenix), o jovem tímido que prima pela razão e questiona se não seria viável cruzar a floresta até a cidade em busca de remédios e produtos que trariam benefícios para os habitantes, pois, para ele, diante de uma causa nobre as criaturas não atacariam; Noah Percy (Adrien Brody), que tem problemas mentais e esse é um dos argumentos utilizado por Lucius para buscar remédios; e Ivy Walker (Bryce Dallas Howard) que interpreta com maestria a jovem cega que enxerga o mundo de uma maneira muito peculiar, chegando a lembrar Mary Philbin em O Homem que Ri e a frase "Deus fechou meus olhos para que só pudesse ver o verdadeiro Gwynplaine". Ivy enxerga o mundo de forma sensível e diz ver a cor que Lucius emite.

Com esses três personagens centrais e suas características, Shyamalan coloca o amor (Ivy Walker, cega e sensível) entre a razão (Lucius, que não consegue esconder sua atração por Ivy, como uma espécie de limite da razão diante da emoção) e a loucura (Noah Percy, a sua maneira tem grande atração por Ivy). A loucura tenta eliminar a razão em prol do amor; quando a loucura toma uma atitude direta a razão torna-se impotente e cabe ao amor sanar o conflito. O desfecho fica por conta do filme - mesmo sem o "grand finale", sempre há algumas surpresas.

Além do conflito entre relacionamentos, é notável a presença da coerção psicológica através do medo das criaturas que habitam a floresta, incutido nos moradores desde a infância. Na obra “Vigiar e Punir” Michel Foucault desenvolve a noção de panoptismo que, resumindo ao extremo, explora a idéia de repressão através da hipótese da observação por autoridades – como na Vila, onde o comportamento de todos é regido constantemente pelo medo de serem observados pelas criaturas e suas conseqüentes retaliações. Outro ponto que chama a atenção no regimento da Vila é o caráter vertical do poder, concentrado nas mãos dos poucos fundadores do local que, subjugados as criaturas, tomam todas as decisões de forma a zelar pelo bem-estar de todos, porém não um bem-estar natural, mas definido e imposto pelos fundadores.

Para finalizar o artigo – não as interpretações possíveis – o filme foi lançado em 2004, pouco mais de um ano após as tropas norte americanas invadirem o Iraque, quando o governo dos E.U.A. lançava constantemente um indicador que mostrava qual era o risco de um ataque terrorista. O governo nunca explicou como era feito o indicador, que revelava a ameaça de perigos externos cercando o país como criaturas malignas. No filme, Edward Walker (Willian Hurt) é um dos fundadores da vila e manda a filha Ivy para solucionar um grande problema indiretamente gerado por sua administração do local. Criar um governante que envia uma jovem cega para a batalha pouco depois do início de uma guerra real que já matou cerca de quatro mil soldados (sem contar os milhares de civis) é uma metáfora no mínimo interessante.



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