
A atuação dos coadjuvantes muitas vezes é ruim ao ponto de incomodar quem assiste, mas esse fato é compensado pelas histórias – engraçadas ou comoventes – e pela possibilidade de matarmos a saudade de Rogério Cardoso, interpretando um ex-árbitro e de Flávio Migliaccio, que dá um banho de interpretação com o fictício ex-craque Naldinho. Mais que as histórias apresentadas no filme, bastante claras e retomando pontos importantes do futebol, cabe aqui aproveitar o espaço que o filme abre para uma análise do futebol e sua força na sociedade, já que a estimativa foi de três bilhões de espectadores durante a última copa – cerca de 50% da população mundial.
Para o sociólogo alemão Norbert Elias, a sociedade canalizou para os esportes a atenção que antes era despendida às guerras. Sem entrar em pormenores da obra de Elias, podemos imaginar, ou pior, lembrar do que significa a metade dos seres humanos vivendo um ambiente de guerra, como em 1942 e 1946, quando a Copa não ocorreu devido à II Guerra. Não dá para dizer que não temos guerras devido ao futebol, tão pouco que os esportes são necessários para que as guerras não aconteçam, já que a prevenção destas na atualidade se dá por maturidade política e responsabilidade com a sociedade, ao invés da economia. Porém nem toda guerra tem o atual caráter de dominação, como mostrou Florestan Fernandes em seu estudo sobre a tribo dos Jês, onde a guerra não tinha a intenção de matar e dominar o próximo, mas fazia parte do cotidiano, quase como uma atividade lúdica. Sendo assim a atividade esportiva é fundamental, sendo o futebol a prática majoritária, que poderia ser substituída por qualquer outra modalidade – seriam mantidas as características positivas e negativas, as polêmicas, os estereótipos etc.
Em um evento como a Copa muitas divergências vêm à tona, e a grande maioria de forma recorrente ao longo de cada edição. Na mesma proporção que o patriotismo, que aflora durante um mês a cada quatro anos, aparece a indignação com a atenção dedicada a um evento supostamente sem utilidade prática. Mais que opiniões certas e erradas, chama a atenção o fato do futebol, apesar de estar no centro da discussão, ser coadjuvante para os argumentos. Que a alienação de grande parte da população existe, é inegável, mas acreditar que a Copa do Mundo, ou mesmo o futebol como um todo, seja protagonista deste fato é no mínimo inocente. No país do carnaval, o que nos diferencia das outras nações que idolatram o futebol é a recorrência de temas únicos que param o país. Emendando sucessivas datas supostamente importantes para que o povo esqueça temporariamente os problemas, agentes detentores do poder conseguem, de forma muito competente, adiar eternamente qualquer manifestação social contra absurdos políticos tão recorrentes, sendo o futebol apenas uma das ferramentas utilizadas, cuja a ausência pode ser substituída até pela notoriedade de crimes bárbaros.
Com tudo isso, o melhor a fazer diante da grandeza que se tornou uma partida de futebol é reconhecer o valor do espetáculo, capaz de entreter, divertir e gerar ótimas histórias de boteco, como podemos ver em Boleiros. Todavia a sociedade não se restringe aos campeonatos e para evitar que problemas tomem o lugar do lazer, inclusive no mundo do futebol, como apresentado em algumas histórias do filme, é indispensável que os horizontes sejam ampliados para além dos gramados, que têm papel importante, mas não central.
Não encontrei o trailer no Youtube (o que para mim é um grande absurdo), então segue um trechinho da primeira história.
Nenhum comentário:
Postar um comentário