terça-feira, 2 de julho de 2013

O dia que durou 21 anos

"Nós devemos amar a Deus e se não amarmos a Deus devemos temer a Deus. De modo que aqueles que não amam a revolução ou a situação que foi imposta, pelo menos devem temê-la, porque nós saberemos, se necessário, impô-la"
(General Carlos Guedes, 1964)

Com a recente efervescência política na sociedade brasileira e a onda de nacionalismo que aproveitou as revoltas populares para ganhar força, o espectro de um golpe militar voltou a rondar o país, mesmo depois de quase três décadas de latência.

Como a história tem muito a ensinar sobre o presente, esse documentário dirigido por Camilo Tavares mostra uma semelhança que chega a ser assustadora entre os meses predecessores ao golpe militar de 1964 e o período que estamos vivendo atualmente.

O longa dividido em três partes começa com “A Conspiração”, mostrando como o presidente João Goulart vinha conquistando o apoio popular através de promessas que sempre desagradaram às classes dominantes. Falando claramente em realizar uma reforma agrária, que solucionaria os confrontos no campo, e começando a indicar as ilegalidades nas concessões para empresas estrangeiras, o presidente obteve em pouco tempo o repúdio da elite.

Começa a entrar em cena o embaixador dos EUA, Lincoln Gordon, que de acordo com o material apresentado pelo filme, teve papel decisivo para o apoio dos norte americanos ao golpe. Muitos estudiosos negam esse apoio, ou mesmo qualquer influência dos EUA, mediante provas contundentes, entretanto história não é uma ciência exata e as gravações apresentadas no documentário são bastante convincentes.

Com o capitalismo em franca expansão e no ápice da guerra fria, tendo o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática), uma organização anticomunista financiada por vários empresários brasileiros e norte americanos, voltado a bombardear políticos como Goulart, Brizola e as ideias de reforma agrária ou a desapropriação de concessionárias que não cumprissem seu dever, não foi muito difícil conseguir o apoio da população, sobretudo a classe média.

Cabe salientar aqui que os problemas que o presidente visava combater se estendem claramente até hoje, com o país tendo vários latifúndios improdutivos, fazendas que empregam trabalho escravo, desmatamento predatório de mata nativa, mas intocáveis enquanto muitos pequenos agricultores lutam no MST por um pedaço de terra para cultivar. Concessionárias privadas que lucram muito e oferecem pouco tomariam todo o espaço deste texto. As teles, as empresas de ônibus, concessionárias de rodovias cobrando pedágios absurdos, etc. Todas intocáveis, geralmente até mesmo pelos protestos populares, cujas lideranças se escondem.

Com o engodo do comunismo, que aterroriza a classe média mesmo que esta não saiba do que se trata, a oposição ao governo teve terreno livre para implementar a ditadura. O curioso é que o termo “comunismo”, da forma como vem sendo utilizado, em nada se assemelha à teoria que o desenvolveu. Por tratar-se originalmente de uma sociedade extremamente evoluída, na qual o povo governa diretamente, dispensando assim um governo centralizado, com um pouco de rigor torna-se cômico, desde aquela época, falarmos em Cuba, China ou União Soviética comunista.

Este símbolo, que até hoje aterroriza alguns setores da sociedade brasileira, já não funciona nos EUA. Com o capitalismo tão enraizado e o fantasma da União Soviética desfeito, o país encontrou uma nova fonte de pânico com o terrorismo. Assim como aqui tudo parece ser justificado quando é feito contra o comunismo, lá tudo é válido na fictícia luta contra o terror.

A segunda parte do filme aborda “O golpe de estado” e como a tomada de poder pelos militares sequer sofreu a rejeição por eles esperada. Com o discurso de Jango baseado em reforma agrária, reforma tributária, reforma eleitoral e justiça social, houve prontamente a “marcha da família com Deus pela liberdade”, evocada como uma comemoração pelo fim da ameaça comunista. Ainda que na época as igrejas evangélicas não tivessem a força de hoje, o conservadorismo clerical tinha grande poder sobre as massas, convencendo os fiéis de que as reformas de base, prometidas pelo presidente, eram maléficas.

O filme termina com a terceira parte, “O escolhido”, mostrando o desdobramento do golpe e as tentativas patéticas de justificá-lo. O principal argumento dos militares é o de que só tomaram o poder depois de informações seguras de que o presidente não convocaria eleições em 1965, conforme previa a constituição. No mínimo sem sentido o combate a esse medo deixar o país sem eleições diretas até 1989.

A atual situação do Brasil torna-se preocupante, não por uma comparação direta entre a atual Presidenta e João Goulart, mas pelos argumentos conservadores, os ataques aos movimentos sociais e a manipulação da população em torno de um movimento supostamente sem partido (mas que ataca nominalmente apenas o que está na situação), clamando, difusamente, por ideais integralistas e travestindo-se de uma necessidade de um grande salvador da pátria.

Dificilmente tudo isso culminaria em um novo golpe nos moldes de 1964, com a escória de nossa sociedade tomando o poder por tanto tempo, mas pela proximidade física, social, econômica e política, tivemos recentemente no Paraguai e Honduras os presidentes depostos e um governo transitório que chamou eleições, o mesmo foi tentado sem sucesso na Venezuela. Vamos torcer para que não passem de coincidências.


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