Este filme do diretor Marcelo Galvão foi lançado em 2005 e continua extremamente atual e relevante, principalmente com as recentes manifestações pela descriminação da maconha apoiada por muitos intelectuais e artistas. O filme não é panfletário, muito menos visa fazer uma análise séria sobre o tema, mas sim lançar um olhar bem humorado através de estereótipos muito bem articulados.
Um argumento muito utilizado pelos que defendem a descriminação é o livre arbítrio e a autonomia do indivíduo para decidir se quer ou não consumir drogas, mas quando um tijolo de maconha é encontrado em uma sala da quarta série, a solução não pode ser deixada na mão dos supostos usuários mirins, portanto uma reunião com os pais em pleno domingo chuvoso foi marcada, para que todos encontrassem em conjunto alguma solução satisfatória.
Em pouco tempo de reunião fica claro que a questão das drogas ainda é tratada com muito preconceito, hipocrisia e até mesmo ignorância em relação ao tema, de forma que se em uma pequena sala de aula um grupo de menos de vinte pessoas esbarra na criação desnecessária de impasses, uma solução nacional para as drogas é incomparavelmente mais complexa e deve ser acompanhada de muito debate e esclarecimento, ao invés da implícita lei do silêncio que a sociedade tenta impor desde o início do séc. XX.
Ao serem informados do motivo da reunião a primeira reação de todos, como era de se esperar, foi a negação do envolvimento do próprio filho. Essa reação é natural por vários motivos, alguns poucos podem realmente ter essa certeza baseada em motivos reais, porém a maioria afirmaria o mesmo graças à devoção dos pais aos filhos, cujo excesso pode facilmente atrapalhar a relação familiar, fechando os olhos dos responsáveis para as reais demandas dos filhos, não apenas em relação às drogas, mas a quaisquer outras demandas que as crianças possam ter. Além disso, não é difícil imaginar que em uma situação como a do filme, qualquer um que assumisse a participação do filho no incidente seria crucificado ou incinerado em praça pública, como toda sociedade que mantém fortes raízes moralistas insiste em agir.
Em uma sequência infelizmente realista, após a negação geral de quem seria o dono na maconha encontrada, era necessário encontrar um culpado, já que a culpa é outra característica antiga e extremamente enraizada na sociedade. Como é inadmissível um problema que não tenha culpados, sendo ainda muito mais confortável culpar quem estiver por perto, conseguindo a isenção da responsabilidade, são usados os argumentos mais preconceituosos por parte dos pais na tentativa de encerrar o problema, como se a existência de um bode-expiatório permitisse que todos voltassem para suas obrigações e deixassem a educação dos filhos a cargo da escola, sem que isso tome grande parte do tempo dos pais.
Apesar da trama do filme girar em torno da maconha encontrada na classe, cabe notarmos como a educação dos filhos pode ser precária quando deixada nas mãos de pais que não são capazes de entrar em um acordo, preferindo ratificar preconceitos, como se estes fossem suficientes para que a criança desenvolvesse um bom caráter. Parece que o imediatismo da sociedade moderna, que exige resultados instantâneos e faz com que cada dia seja pautado pelo atraso, reflete na forma com que os problemas são encarados. Desta forma a educação dos filhos também tende a ser encarada como aspectos pontuais, ao invés do esclarecimento geral que terá como consequência o discernimento da criança sobre como agir em determinadas situações imprevistas, ou seja, se as drogas chegam à sala de aula, o mais fácil seria encontrar um único culpado e puni-lo exemplarmente, ao invés de conversar com as crianças sobre o tema, de forma clara e elucidativa, ao invés de carregada de preconceito e equívoco.
Como desfazer eventuais equívocos sobre o tema? A proposta do filme é uma das mais inusitadas, que rende cenas muito engraçadas: fumar a maconha na reunião para ver quais os reais efeitos do consumo. Claro que nem todos concordam imediatamente com a proposta, mas o principal é que os efeitos da droga fazem com que os pais revelem as próprias fraquezas e inseguranças. Depois das risadas que o filme proporciona, não é difícil perceber o porquê de tanto autoritarismo e certezas (ainda que para ratificar atitudes patéticas). A postura apenas reflete a insegurança que cada um carrega dentro de si, e se esforça para esconder, até que se sinta relaxado a ponto de expor as próprias fraquezas. Alguns podem até achar que o resultado é ruim, afinal conflitos particulares não devem vir a público, mas ao menos diante de atitudes absurdas, tais conflitos podem ser esclarecedores.
De forma descompromissada, Marcelo Galvão apresenta vários desfechos para a trama. Mostra a diversidade de possibilidades para o desfecho de um tema tão controverso, o que pode ser visto como alternativas para um problema que muitos ainda insistem em olhar como encerrado, desde que reduzido à repressão e proibição. Independente de qual a opinião individual sobre as drogas, a repressão pura e simples não tem surtido efeito. Talvez o esclarecimento seja mais útil, melhorando não apenas a relação das pessoas com as drogas, mas também com outros preconceitos.
2 comentários:
Olá! Não entendi os "finais". Poderia me ajudar? Obrigada.
Pelo que entendi lendo o artigo acima, são os possíveis finais para a trama que não tem como objetivo dar uma solução a um assunto complexo e sim debater a respeito e expor diferentes pontos de vista
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