quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Os famosos e os duendes da morte

My weariness amazes me, I'm branded on my feet,
I have no one to meet
And the ancient empty street's too dead for dreaming.
(Bob Dylan)


Depois de fazer sucesso na internet com o curta “Tapa na Pantera”, o diretor Esmir Filho lançou seu primeiro longa metragem, baseado no livro homônimo, de Ismael Caneppele, que no filme interpreta o misterioso Julian.

Vemos na tela elementos contemporâneos com os personagens que se comunicam pelo MSN e colocam vídeos no Youtube. O protagonista é um jovem conhecido pelo nickname Mr. Tambourine Man (Henrique Larré), que vive em uma pequena cidade no interior do Rio Grande do Sul e parece não caber dentro dos limites da cidade, ansiando ampliar seus horizontes e ao menos viajar para ver o show de Bob Dylan, famoso autor da música utilizada pelo jovem como nickname.

A internet e as músicas dão um verniz moderno para um tema antigo. Ao menos desde o romantismo vemos jovens lidando com existências aparentemente vazias, não condizendo com a realidade da maioria que os cerca. Características marcantes no período romântico, o suicídio e a morte permeiam o filme do começo ao fim. Para abordar o controverso e refutado tema da morte, tão marcante no romantismo, o diretor optou por uma estética simbolista, com fotografias claras e planos oscilando rapidamente entre sonho e realidade o diretor exibe sequências que dizem muito com poucos diálogos, apenas com imagens que a princípio confundem, mas aos poucos esclarecem tanto a história quanto o emaranhado de sentimentos do protagonista. Há também a metáfora – restrita a o título – utilizando a emblemática figura mitológica dos duendes, que não trabalham para o Papai Noel ou na história da Branca de Neve, mas para a morte, seduzindo e atraindo para ela.

Apesar da melancolia vivida pelo protagonista ser notada há séculos na sociedade, a história do filme traz duas particularidades decorrentes da pequena cidade em que se desenvolve. Primeiro que o suicídio não é um caso pontual e isolado na cidade, mas um problema aparentemente recorrente, já que por motivos diversos alguns moradores decidem saltar de uma ponte rumo ao suposto fim redentor. Além disso, o restante da população é composto por um povo alegre e coeso pelas tradições da colonização alemã, sendo que mesmo os jovens – geralmente contestadores e inovadores – se satisfazem com a rotina quebrada pela tradicional festa junina, mantida mesmo após um suicídio, mostrando o quanto o ato é banalizado no município e o quanto as tradições são mantidas e respeitadas. Ainda que essa alegria seja aparente e oculte angústias e tristezas pessoais, é suficiente para que os indivíduos se sintam incluídos em um grupo social.

A importância de sentir-se incluso em um grupo é claramente exposta por Émile Durkheim, no livro “O suicídio”, onde indica a existência do suicídio egoísta, caracterizado muito bem pelos elementos trabalhados no filme, ou seja, um indivíduo, ou um pequeno grupo deles, não se encaixa no ambiente onde vive, sente deslocado e incompreendido. A partir disso a conclusão que cada um tira da própria existência é variável, podendo perfeitamente caminhar para o sentimento de inutilidade, ou seja, dado à falta de relações que o prendam à sociedade, provocar a própria morte não apenas acabará com o sofrimento pessoal, mas ainda trará pouco impacto entre os demais – raciocínio que de certa forma é até corroborado pela banalidade com que os moradores encaram o fato.

Evidentemente o filme toca a cada um que assiste de forma diferente, ainda que alguns refutem o tema central e tentem reduzi-lo a uma bobagem tétrica, é inevitável a identificação pessoal em ao menos algumas cenas, sendo que muitos devem encontrar grande identificação com o personagem Mr. Tambourine Man. Importante ressaltar que a angústia do jovem, que vive sua vida virtual embalada ao som de Bob Dylan, também tem aspectos positivos, tais quais os poetas românticos que, se por um lado morriam cedo em virtude do spleen que os cercava, por outro deixavam obras admiráveis, extraídas da existência por vezes classificada de vazia, porém cheia o suficiente para gerar bons frutos. A morte prematura é trágica e lamentável, mas a vida morosa, imersa numa predestinação de felicidade sem motivo não é uma opção das mais atraentes.

No filme o protagonista conhece Julian, personagem obscuro e marginalizado, em parte pelo preconceito diante do que é desconhecido, mas talvez haja entre os dois uma cumplicidade de sentimentos suficiente para instigar maior contato, não necessariamente benéfico, porém diante de opções não muito atraentes para a vida, não há escolhas fáceis de serem tomadas, tão pouco caminhos agradáveis de serem seguidos. Provavelmente essa dificuldade é o que torna o filme tão atraente para alguns e entediante para outros – aqueles acostumados a fechar os olhos e aceitar o que for mais fácil.


2 comentários:

Fernando Bonfim disse...

Gostei da sua análise.
Assisti o filme e achei sensível e intimista em vários aspectos beirando a uma obra que você faz para si mesmo...talvez por isso que algumas pessoas achem parado e não atraente.
Quem morou em cidade pequena e no Sul do país sabe exatamente o que é todas aquelas situações e sentimentos. Fiquei bem tocado.
Abraços

Alexandre disse...

Oi Fernando! Recomendo também o livro, pois o autor escreve uma prosa de maneira muito poética e, na minha opinião, inovadora.

Obrigado pelos comentários! O Coraline eu vi há pouco tempo, gostei muito, mas ainda prefiro Mary e Max =)

Abraço!

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