quarta-feira, 17 de abril de 2013

Depois de Lúcia (Después de Lucía)


Este longa mexicano, do diretor Michel Franco, aborda um assunto antigo que vem ganhando notoriedade recentemente, o bullying, agravado pelo uso de novas tecnologias, que podem causar uma série de transtornos, conforme vemos no cinema e fora dele.

A protagonista Alejandra (Tessa Ia), uma jovem de 15 anos, muda-se de uma cidade do interior para a Cidade do México, juntamente com Roberto (Gonzalo Vega Jr.), seu pai, pois ambos esperam que a mudança ajude a superar a morte de Lucía, mãe de Alejandra.

Uma mudança em condições normais já demanda adaptação, que nem sempre é fácil. Pai e filha têm que lidar ainda com a mudança inerente na estrutura da família e Alejandra, em meio à fase conturbada da adolescência, se esforça para superar a timidez e o luto através da aproximação de novos amigos. Como se a vida já não estivesse difícil o suficiente para a menina, ela vai para a cama com o namorado, que filma tudo e o vídeo, de alguma forma, é divulgado entre os amigos.

Na via de mão dupla entre a vida e a arte, chama atenção a semelhança da história retratada por Franco com o triste caso real de Amanda Todd, uma canadense da mesma idade de Alejandra, que antes de se enforcar postou um vídeo angustiante no Youtube, explicando sua história. Apesar de o tema central ser o bullying, as conclusões que podemos tirar extrapolam esses limites.

1) Tecnologias recentes permitem grande interação entre as pessoas e o registro fácil de momentos marcantes. O imprevisível são os desdobramentos de como essa tecnologia será usada e suas consequências. Esperar que jovens adolescentes, que já tem um comportamento relativamente inconsequente e costumam buscar e desafiar os limites do que os cerca, tenham maturidade para discernir o que não se deve fazer e o que não se deve divulgar na internet é muito pretencioso, principalmente quando notamos que muitas vezes nem mesmo os adultos têm esse discernimento. Monitorar o comportamento dos filhos nas redes sociais é pertinente, desde que seja com o intuito de ajudar, ao invés de censurar.

2) A partir do momento que conteúdos particulares são divulgados, não há como voltar atrás. É evidente que ninguém quer sua privacidade exposta, mas é interessante, no filme e na vida, como a dinâmica de marketing viral atua nessas situações. Muito conteúdo comprometedor acaba compartilhado na internet, porém vez o outra cria-se uma histeria coletiva, através da qual as pessoas abrem mão do senso crítico e ignoram as contradições do discurso que reproduzem. Julgam e condenam comportamentos cotidianos, como o de Alejandra, ainda que muitas vezes exerçam o mesmo comportamento, com a diferença de não ter o conteúdo divulgado.

3) O bullying deve ser fortemente combatido, seja ele virtual ou físico. Com a recente notoriedade do tema – cuja existência é antiga – já surgem algumas ironias e distorções em torno do próprio conceito, porém os danos causados pela prática de bullying costumam ser intensos e muitas vezes irreversíveis. Assim como podemos conferir no filme, o alvo das agressões passa a ser foco de uma ação social sem fundamentos. Muitas vezes não há motivos racionais para as agressões, para a rejeição e mesmo ao ódio demonstrado pelas amigas da protagonista. No caso específico Alejandra passa a ser odiada por ter ido para a cama com um garoto da escola. Por acaso foi a única?

4) Ambos os sexos sofrem com a violência do bullying, porém dentro dessa temática ainda é possível destacar o machismo que agrava a situação das mulheres vitimadas. Há uma infinidade de exemplos de materiais comprometedores divulgados na internet, a grande maioria de mulheres, que passam a ser fortemente condenadas pela culpa de outra pessoa – dado que o problema é a divulgação do conteúdo. Homens flagrados geram uma pequena repercussão, por vezes até glamorosa, e quando isso acontece com casais, como no caso do filme, a histeria que se forma parece esquecer que há um homem, muitas vezes até responsável, pelo ato imprudentemente censurado.

5) Sem adiantar o final do filme, que vale muito a pena ser conferido, é possível dizer sem estragar nenhuma surpresa que os adeptos da justiça com as próprias mãos ficarão um pouco perturbados. Quem sabe finalmente pensarão sobre a possibilidade de um julgamento ser complexo e estar, de forma muito prudente, subordinado a existência de provas e imparcialidade.

Depois de Lucia é um filme bem didático, sobre um tema que em tese chega a ser bastante simples, mas na prática ainda vai atormentar a sociedade por muito tempo. Um exemplo claro de como o conservadorismo é irracional e maléfico para todos, inclusive para os conservadores.


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