O filme dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival inova ao colocar como protagonistas as profissionais que costumam atuar no máximo como coadjuvante. Aqui as domésticas ganham voz para, com bom humor, narrar histórias do cotidiano, que envolvem desde casos amorosos até problemas gerados pelo abuso de poder dos patrões, que muitas vezes insistem em olhar para empregadas domésticas como verdadeiras remanescentes da escravidão constitucionalizada.
Sem uma grande trama central, o roteiro difuso do longa aglomera pequenas histórias de algumas empregadas, que apesar de enfrentar dificuldades semelhantes em seus serviços, mantêm a individualidade com sonhos particulares, que tentam por em prática a despeito dos empecilhos encontrados no caminho.
É possível encontrar em meio às cômicas trapalhadas várias críticas a problemas sociais, que de tão enraizados muitas vezes sequer são percebidos ou classificados como tais. Conforme já mencionado, a existência de uma empregada para fazer os serviços domésticos é uma herança social da época da escravidão, quando algumas negras eram criadas nas casas dos patrões para aprenderem, desde cedo, a fazer os serviços necessários na ‘casa grande’, porém tendo sempre em mente a diferença social gigantesca que afastavam as pessoas que conviviam na mesma casa. Não é por acaso que ainda hoje a maioria das empregadas domésticas são negras; muitas exercem a mesma profissão das antepassadas, assim como durante a escravidão; e muito frequentemente as leis trabalhistas, que finalmente começam, de forma bastante tímida, a chegar a estas profissionais, são burladas descaradamente, sem que algo seja feito a respeito.
Os sonhos das personagens geralmente envolvem mudar de vida e de emprego, almejam um serviço melhor, quem sabe onde sejam tratadas com mais respeito e recebam salário digno, e condições para ter uma vida que fuja do cotidiano, cansativo pelo trabalho duro e pela repetição. Porém o ciclo de vida é fortemente fechado pela falta de estudo de quem teve que abandonar a escola para trabalhar. Mesmo o filme não mostrando diretamente a formação das personagens, é possível tirar conclusões a partir de uma série de códigos de conduta de todas elas.
Apesar do humor do filme divertir e ajudar a quebrar a acidez pesada que muitas vezes cerca o trabalho das domésticas de muitas dificuldades, talvez o roteiro pudesse ser um pouco mais direto e crítico em suas denúncias, pois mesmo não tendo a intenção de explicitar certos problemas sociais, esta possibilidade poderia ter sido mais bem explorada sem comprometer o gênero de humor, presente a todo momento. É importante que a desconstrução de alguns estereótipos, como o de que certas pessoas supostamente não querem estudar, consequentemente só conseguem trabalhos pesados e mal remunerados, seja bastante clara, pois a desigualdade de condições é histórica e atrapalha a todos, atingindo vários níveis sociais em diferentes proporções. Não estudar nem sempre é uma opção, sendo que manter a população sem estudo é uma forma de continuar tendo mão-de-obra para serviços como os de doméstica e ainda manter a população passiva, aceitando a exploração do trabalho com normalidade.
Um sintoma de que existe a consciência por parte das empregadas domésticas da importância da qualificação profissional é que, com a economia brasileira aquecida, houve um aumento na procura por empregadas por parte da classe média, com isso o valor cobrado pelos serviços domésticos aumentou e já existem pesquisas indicando que a renda extra das empregadas vem sendo investida na educação dos filhos. É claro que há uma série de barreiras sociais que dificultam a ascensão das classes mais baixas e ter mais tempo de estudo não é garantia de emprego, porém é uma etapa fundamental, tanto para o desenvolvimento profissional quanto para a consciência em relação a certos abusos promovidos por conflitos de classes.
Outra característica que notamos após um período de aquecimento econômico é a escassez de profissionais dispostos a vender a força de trabalho bastante pesado dos serviços domésticos. Com a falta de empregadas, que se dá tanto por algumas delas terem mudado de profissão quanto pelo aumento de famílias que agora estão dispostas a contratar alguém para cuidar da casa, aumentou também a indignação das classes mais altas, que sempre, desde a escravidão, foram acostumadas a pagarem pouco e explorar muito as trabalhadoras que agora começam a reivindicar nada mais que direitos minimamente básicos.
Ainda que o filme seja tímido nas críticas, é uma boa comédia que faz com que finalmente as domésticas ganhem papel de destaque no cinema, como indivíduos protagonistas das próprias vidas, ao invés de coadjuvantes em casas de classe média.
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