terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

O mercado de notícias

De acordo com o dicionário, “Mercado: sm (lat mercatu) Lugar público onde se compram mercadorias postas à venda.” “Notícia: sf (lat notitia) Conhecimento, informação.” Pela dinâmica de funcionamento de um mercado que coloca mercadorias a venda, negociando preços de acordo com a demanda e qualidade, poderíamos pensar que notícias não deveriam ser vendidas em um mercado. Não se negocia conhecimento como se fosse uma mercadoria qualquer.

Neste documentário o diretor Jorge Furtado mostra que na prática o conhecimento proporcionado pelas notícias é, sim, negociado como em um mercado. Uma prática tão cotidiana da imprensa que muitas vezes sequer nos damos conta.

Este mercado não é recente, tão pouco uma exclusividade brasileira. O filme é baseado em uma peça de comédia homônima, escrita pelo britânico Ben Jonson no século XVII. Fazendo um retrospecto da imprensa desde então, o longa mostra como a mídia vai muito além de informar, trabalhando para formar opinião de acordo com seus interesses, por vezes de forma escancarada.

Ainda que exista um padrão mundial de atuação jornalística, com muitos profissionais trabalhando longe da ética, é muito pertinente desenvolvermos esse tema com base no jornalismo nacional e suas nuances.

É premissa que a imprensa deve ser livre e isenta de qualquer tipo de censura. Lutamos ao longo de duas décadas por isso e muitos morreram na tentativa de exercer o simples direito de expressão. Demos um passo gigante ao conseguirmos o fim da censura institucional dos meios de comunicação, porém isso não implica no fim de todos os problemas.

Se antes o impasse era um governo ditatorial que vetava publicações, hoje a grande mídia, oligárquica ao extremo, utiliza a égide da censura para tentar moldar a opinião pública em benefício próprio. Ou seja, é evidente que a censura é muito sedutora em um país onde os governantes têm tanto a esconder, o que não dá aos veículos de comunicação o direito de manipular os fatos para criar verdades.

Poderíamos pensar nessa prática como desnecessária. Vivemos em um país que os escândalos de corrupção brotam de qualquer obra pública ou prática política, qual a necessidade de guiar a opinião pública? As variáveis são muitas, mas algumas peças se encaixam muito facilmente.

Conforme já citado, a mídia brasileira é comandada por poucas famílias, que há várias gerações detém o controle do que é veiculado. As organizações Globo, maior de todas, possuem canal de TV, rádio, jornal, portal de internet, editora e concentra uma fatia gigante deste mercado de notícias, tendo obtido sua concessão, assim como quase todos os outros canais midiáticos, através de amizades bastante controversas com presidentes.

A concessão ilegal é a semente de uma série de relações comprometedoras, que influenciam diretamente na divulgação de notícias. Se na teoria o governo tem autoridade para rever as concessões, na prática qualquer tentativa de legaliza-las pode ser facilmente noticiada como uma tentativa de censura. Com razão tememos a censura, pois sofremos muito com ela, porém a regulamentação da mídia – e não de seu conteúdo – é prática comum e necessária.

Como um mercado, que de acordo com a demanda dos consumidores abastece suas prateleiras com produtos que terão mais vendas, os jornais têm como pauta assuntos que rendem repercussão. Não existe na prática a chamada imprensa imparcial. Em um mundo globalizado, no qual as informações circulam por todos os países em tempo real, condensar conteúdo em uma única edição, independente de qual seja o formato, significa escolher o que vai ou não ser publicado, e por melhor que sejam as intenções isso já implica em parcialidade.

Pode parecer simples, afinal basta um bom jornalista investigar uma denúncia, apurar os fatos e redigir uma matéria. O problema é que por trás desse roteiro há interesses influentes de pessoas poderosas. Em meio aos escândalos de corrupção o jornalista pode acabar seguindo ramificações que esbarram no próprio veículo para o qual trabalha ou em nomes que por diversos motivos não devem ser citados.

Além dos comprometimentos suspeitos há ainda a dificuldade técnica de elaborar o trabalho jornalístico, fato que o filme aborda com muito bom humor. Em meio à falta de tempo e pressão para entregar o trabalho finalizado antes do fechamento da edição, não é raro que jornalistas abandonem o rigor da investigação em seu nível mais básico e acabem publicando verdadeiros absurdos.

Sem dúvida é absurdo, conforme vemos no filme, um jornal destacar um quadro de Picasso, que na verdade é um pôster do original. Porém muito mais grave é uma publicação tendenciosamente falsa, com objetivos bastante claros, e que não pode sofrer nenhum tipo de sanção, sob a égide do combate à censura. 


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