terça-feira, 16 de junho de 2015

A incrível história de Adaline (The Age of Adaline)

Uma mulher que com pouco menos de trinta anos para de envelhecer e mantém a mesma aparência mesmo tendo vivido mais de cem anos. Essa ficção bastante metafórica é o pano de fundo para o filme do diretor Lee Toland Krieger.

A princípio parece ser o sonho de qualquer um. Balzac, autor do livro “A mulher de trinta anos”, define esta idade como sendo basicamente o ponto médio entre o ápice do intelecto e o ápice do físico da mulher. Imagine manter o ápice do físico e seguir aprimorando o intelecto por décadas.

Pensando na sociedade contemporânea, onde a manutenção da jovialidade ganha um status quase obrigatório, a vida da protagonista Adaline Bowman (Blake Lively) poderia se tornar ainda mais perfeita, mas evidentemente que aos poucos Adaline começou a lidar com os problemas da juventude eterna.

O desenrolar da história é um tanto óbvio. Com o passar dos anos as pessoas começam a estranhar o fato da moça não envelhecer nem um pouco, ainda mais em meados do século XX, sem botox ou uma indústria de cosméticos tão desenvolvida. Insegura sobre como lidar com a situação e com medo de como seria tratada caso a verdade fosse descoberta, o jeito era desaparecer de tempos em tempos e iniciar uma nova vida em algum local desconhecido.

Pode parecer sedutor. De vez em quando virar uma página da vida e começar tudo outra vez, mais experiente, moldando a vida de acordo com um ideal. O problema vem em longo prazo. Adaline não podia manter laços afetivos duradouros nem fixar raízes nos lugares que gostava. A exceção era a filha, que na história contemporânea já era apresentada como avó.

Deixando um pouco o passado da personagem e o ambiente onírico, conseguimos imaginar algumas críticas pertinentes do filme a um modo de vida bastante comum, não apenas em relação à aversão ao envelhecimento.

Em um mundo no qual todos devem transformar a vida em um livro escancarado e cada nuance da vida deve ser exposta, Adaline não podia sequer tirar uma foto, mesmo na época pautada pelas selfies, em que inúmeras ferramentas são oferecidas para que possamos expor tudo o que vivemos, do fato mais interessante ao que deveria ser muito bem guardado dentro de cada indivíduo.

Claro que mesmo em tempos de redes sociais, todos nós temos a opção de não aderir ao estilo extremamente exposto e nos mantermos mais reservados, distantes do mundo digital. Por mais que a tecnologia avence, ainda é possível manter ao menos no plano individual certa reserva.

O problema é que essa forma de exposição tem extrapolado os limites virtuais e se estendido para uma forma de vida muito mais ampla. Relacionando com o período do filme, ao longo do século passado era condizente um estilo de vida mais reservado, até pela forma de organização social. A maioria das pessoas trabalhava em linhas de produção nas quais a conversa entre funcionários sequer era bem-vinda. Era mantido um contato com poucas pessoas mais próximas e com os familiares.

Hoje essa realidade é muito diferente. O mercado de trabalho é muito mais dinâmico e as pessoas mais valorizadas são aquelas que se expressam, que chamam a atenção e se tornam marcantes por onde passam. Com algumas exceções, esse é o perfil selecionado nas dinâmicas de grupo, o estereótipo valorizado como exemplo e referência.

O comportamento dos ambientes corporativos acaba sendo estendido para as relações pessoais e familiares, formando então uma realidade bem diferente daquela vivida há algumas décadas. O fator econômico também influencia em relação à maior possibilidade de mobilidade social.

Se Adaline dissesse, na década de 60, que tem um emprego em determinada indústria e pretende seguir dessa forma até a aposentadoria, o mais provável é que todos aceitassem isso como normal – até que a moça desaparecesse por seus motivos pessoais. Hoje uma carreira deve ser construída desde cedo. É impensável permanecer muito tempo em um mesmo emprego e isso implica em falar sobre experiências passadas, planos, metas, vivências e expor a própria vida de uma forma que Adaline não poderia se adequar.

O filme não entra explicitamente no conflito de comportamento gerado pelas diferenças de gerações. O foco principal está mesmo na angústia de viver diversas vidas, sem criar raízes, mas é pertinente pensarmos o quanto a valorização do passado do indivíduo ganha destaque.

Alguém que não se mostre extremamente transparente quanto ao que já viveu ou ao que ainda pensa em viver não é bem visto. Não importa se o comportamento reservado seja devido a algo que não quer compartilhar ou simplesmente uma opção de vida. Somado às mudanças sociais citadas, o imediatismo que marca nosso atual estilo de vida torna cada vez mais difícil um olhar que busque mistérios e suas soluções, ainda que em pequenos fatos cotidianos.


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