terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Feliz Natal (Joyeux Noël)

O filme do diretor Christian Carion traz no título a ironia de boa parte dos votos de ‘Feliz Natal’, ou seja, dificilmente é de fato feliz. Este tem a particularidade de inspirado em fatos reais, mostrar a noite de Natal em uma trincheira da primeira guerra, com alemães, franceses e escoceses duelando até a morte, sem saber muito bem pelo quê.

Marco histórico que dá início ao século XX, a primeira guerra ainda apresenta fortes traços de combates bem menos tecnológicos. Há relatos de soldados indo de bicicleta para o front de batalha e mesmo no filme é possível ver os soldados franceses com as características calças vermelhas, que relutaram tanto em abandonar.

Por outro lado, pensamentos que hoje estão naturalizados em nosso cotidiano, começavam a ganhar força naquela guerra, que contribuiu para definir as grandes potências mundiais e difundir ideais globalizados.

A incapacidade de diálogo para resolver conflitos de forma diplomática se desdobrou em um conflito armado, que passou a ser também lucrativo ao contar com indústrias pesadas para a produção de armamentos. O desenvolvimento tecnológico também passou a contar com saltos repentinos ao receber orçamentos cada vez maiores de governos envolvidos em batalhas.

Alheios a tudo isso, soldados abandonavam suas famílias e às vezes por vontade própria, iludidos por uma propaganda beligerante, marchavam rumo à morte nos campos de batalha, rendendo uma medalha de condecoração póstuma aos familiares.

Neste cenário de crescimento econômico à custa de vidas, chegamos à véspera de Natal, em uma trincheira coberta de neve, com soldados cansados e desiludidos após uma batalha sangrenta cujos mortos sequer haviam sido recolhidos devido ao risco de contra-ataques.

Àqueles que comandam a guerra de salas bem seguras e distantes de qualquer combate, o problema é que os soldados são seres humanos racionais e em meio a tanto terror logo percebem as contradições às quais estão expostos. O Natal é apenas um símbolo que faz explodir o sentimento que todos tinham individualmente.

Até que ponto vale a pena trocar tiros com desconhecidos ao invés de baixar as armas, compartilhar a comida escassa, a pouca bebida e fazer com que toda a disputa se restrinja a uma partida de futebol improvisada na neve? Foi o que os soldados das três nacionalidades em questão fizeram naquele Natal. E depois, haveria como motivar os exércitos para voltar a matar uns aos outros mesmo após a confraternização?

Pode ser que a história termine assim, sobretudo tendo sido inspirada em um acontecimento real, mas o potencial metafórico do filme vai muito além disso. Estamos nos aproximando de mais um Natal e, consequentemente, das contradições que a data implica.

Claro, não estamos em guerra declarada – ao menos no Brasil – e isso pode nos levar ao conforto de pensar que poderia estar pior. De fato poderia, mas esse é o tipo de pensamento que nos afasta do que realmente é melhor, que seria a eliminação permanente de contradições que são abafadas somente no período de festas.

É a época da confraternização, portanto os patrões compram um kit de Natal para os funcionários, desde que encontrem um kit bem baratinho; os funcionários presenteiam as empregadas domésticas com um panetone, desde que encontrem um bem baratinho; os mais dedicados irão ao correio realizar o pedido de alguma carta enviada por uma criança, desde que o pedido não seja nada caro; haverá até amigo secreto na empresa, do qual todos sairão reclamando que deram um presente bom e ganharam alguma porcaria.

Depois passa, o tal espírito natalino morre e voltamos para guerra, digo, ao cotidiano de dar ordens, receber ordens, explorar, ser explorado, ignorar crianças carentes e hostilizar adultos carentes.

Da mesma forma que o filme desconstrói o valor religioso do cessar-fogo natalino, mostrando um soldado que admite estar emocionado com a conciliação mesmo sendo judeu, vale ressaltar que a ideia não é a superação de conflito por conta de obrigações religiosas. Ainda que a moral cristã atue forte sobre boa parte da população, ela é variável, por vezes tendenciosa e questionável.

Ao baixarmos a guarda para a associação inusitada entre uma trincheira da primeira guerra e os dias atuais, vemos que manter a hipocrisia de um cessar-fogo simbólico na última semana do ano para logo depois retomarmos a guerra velada com todos os que estão próximo é baixar a cabeça para quem comanda a guerra à distância, longe dos efeitos do conflito direto.


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