terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Como nossos pais

É um fato quase predestinado. Despertamos dos sonhos da adolescência, embalados pela rebeldia característica, e entramos na fase adulta nos aproximando cada vez mais dos valores e hábitos herdados dos pais.

As mudanças sociais ocorrem lentamente e ficam mais evidentes quando observadas sob a luz da história. Assim como a protagonista Rosa (Maria Ribeiro), quando temos o protagonismo dos fatos, dificilmente notamos a repetição de comportamentos que criticamos.

Dessa forma, aos poucos a diretora Laís Bodanzky nos guia pelas contradições entre a ideologia e o pragmatismo dos personagens, que vislumbram um futuro melhor, mas na prática ainda são os mesmos, a reproduzirem padrões sociais injustos, desde que se beneficiem disso.

Entre todas as nuances de comportamento reproduzido, o que mais se destaca é o machismo, presente inclusive entre as mulheres da história. A relação de Rosa com a mãe, Clarice (Clarisse Abujamra), tem fatores bem agravantes que influenciam na tensão entre as duas, mas o machismo de Clarice fica evidente não somente quando ela privilegia o filho, que poderia ser encarado como uma predileção materna por um dos filhos, mas quando dá mais atenção ao genro que a Rosa.

A filha é preterida em relação a Dado, interpretado por Paulo Vilhena. O ator, cuja carreira é marcada por atitudes boçais que vão desde confusões com elenco até cuspir em um jornalista, parece dar a própria vida ao personagem, já que Dado também cultiva uma boa imagem para ocultar atitudes reprováveis. Ambos, ator e personagem, contam com a proteção de um status que não se sustenta com um olhar mais atento.

Um personagem que a princípio parece estar acima dos comportamentos reprováveis é o pai de Rosa. Homero (Jorge Mautner) tem um lado divertido, remetendo a um hippie descompromissado que passou a vida negando valores enraizados na sociedade em que vive. Entretanto, por trás de suas filosofias de boteco, a forma encontrada para se manter em uma sociedade capitalista sem vender sua força de trabalho, é se fazer de vítima para conseguir viver às custas das mulheres que caírem em sua lábia.

Rosa parece ser o ponto de apoio para os comportamentos abusivos e injustos dos demais personagens. Não é por acaso que ela lida com uma culpa imensa, da qual tenta se libertar de várias formas ao longo do filme e só consegue por um curto período, quando está distante de todos, sozinha em um quarto de hotel.

A culpa é ferramenta essencial da exploração. As relações de dominação do filme não ocorrem por meio da força ou superioridade hierárquica, elas se afirmam com sutileza, envolvendo a personagem e criando uma aparente dependência. Para quem assiste é mais fácil de perceber, mas para Rosa as situações vividas parecem inevitáveis e ela não enxerga uma saída.

O marido ganha destaque nas culpas incutidas na personagem. Em casa ele fica com a parte mais fácil da criação das duas filhas, enquanto deixa a aplicação de deveres por conta da mãe. É ela quem acaba abrindo mão da carreira para cuidar das filhas, da casa, do próprio marido, podendo reivindicar livremente seus direitos, pois as reivindicações sequer serão consideradas.

É evidente que um casal nessas condições entrará em crise. Rosa não tolera as injustiças que vive, mas acaba suprimindo as reações, absorvendo as culpas que Dado joga em seu colo e se transformando em uma panela de pressão prestes a explodir.

Em determinado momento a protagonista afirma ser “pura fachada”, sem se dar conta de que os demais personagens merecem esse rótulo de forma muito mais contundente. Eles têm consciência de qual seria o comportamento ideal, mas se recusam a abrir mão de facilidades trazidas pela exploração.

Dessa forma, mesmo que alguns comportamentos não combinem com aquilo que os personagens defendem através da ideologia, eles não demonstram disposição para a mudança de atitudes. Não há uma reação radical diante de situações de tensão, existem reações suaves, quase imperceptíveis, de quem quer mudança sem alterar a estrutura do problema.

As pequenas explorações cotidianas, que vão crescendo e acumulando ao longo do tempo, conforme o filme nos mostra, podem ser solucionadas com o equilíbrio. Rosa oferece facilidades para as pessoas próximas, mas não recebe nada em troca. É um desequilíbrio claramente injusto, que pode ser corrigido com algumas mudanças de comportamento.


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