quinta-feira, 28 de julho de 2016

O abraço da serpente (El abrazo de la serpiente)

O diretor Ciro Guerra montou seu filme baseado em diários do pesquisador Theodor von Martius, desbravador e defensor dos índios da Amazônia colombiana, porém a exploração da população local sempre segue uma métrica padrão, que nos permite identificar no filme elementos comuns à história das tribos indígenas americanas.

A opção estética pela filmagem em preto e branco traz um resultado interessante. O fotógrafo Sebastião Salgado, notório adepto da técnica, diz que a ausência de cores nivela os elementos da imagem, ressaltando assim o conteúdo retratado. Aqui vemos esse mesmo efeito. A mata densa e exuberante da floresta amazônica fica espetacular em filmagens, mas retirar as cores não reduziu a qualidade da obra, isso somente estimula os olhares habituados às imagens coloridas a verem novos detalhes e diferentes perspectivas.

A personagem central do filme é o índio Karamakate (Nilbio Torres e Antonio Bolivar). Com dois períodos de tempo intercalados ao longo da obra, quando jovem o índio conheceu Theodor (Jan Bijvoet) já gravemente doente e buscando ajuda. O contato foi repleto de desconfiança por parte do indígena. Não era para menos, afinal suas experiências com os brancos haviam sido terríveis.

Quarenta anos depois o pesquisador Evan (Brionne Davis) encontra o mesmo Karamakate e pede ajuda na busca da mística planta yakruna. Karamakate está diferente. Depois de tanto tempo vivendo isolado na mata, o índio carrega o enorme peso de ser o último de sua tribo, tendo esquecido boa parte dos costumes que tanto valoriza.

O contato entre culturas distintas proporciona diversas apropriações, que nem sempre são ruins. A troca de conhecimento entre povos distintos foi fundamental para o desenvolvimento da ciência, trazendo muitos benefícios para a humanidade. O problema é que desde a chegada dos europeus os índios foram vistos como seres menores que, portanto, poderiam ser subjugados e explorados sem nenhum pudor.

No Brasil temos uma visão bastante simplista de que na impossibilidade de escravizar os índios, os portugueses trouxeram os negros para o trabalho escravo. Não está completamente errado, mas isso não significa que os índios não tenham sofrido as mais diversas violências ao longo de nossa história. Foram vários ciclos de exploração esgotando junto com os recursos naturais a vida e a cultura indígena.

Um dos ciclos mais recentes, abordado no filme, é o da borracha. Todo o norte da Amazônia, incluindo a parte colombiana, fornecia borracha para o enriquecimento do mundo às custas de índios seringueiros que, quando não escravizados, recebiam quantias módicas pelo trabalho duro. O filme tem apenas uma cena que mostra diretamente essa exploração, mas é extremamente forte e impactante.

O papel da igreja é, na melhor das hipóteses, insuficiente. Se por um lado tenta proteger crianças indígenas dos exploradores, por outro mantem o papel secular da instituição na América do Sul, inibindo à força toda a cultura indígena e impondo castigos físicos que tornam a atuação daqueles que dizem prezar pelo amor ainda mais hipócrita.

No filme a jornada do índio, tanto com Theo quanto com Evan, constrói uma linha temporal repleta de fatos históricos e conhecimento indígena que aos poucos vai sendo resgatado dos escombros proporcionados pela intervenção dos brancos. Infelizmente os elementos característicos da interação entre os povos são sempre prejudiciais para o mesmo lado.

Uma breve olhada nos noticiários atuais nos mostra que os conflitos e a exploração não se restringem ao passado ou a um filme. O desrespeito com as terras indígenas é contínuo e muitas vezes os índios, verdadeiros donos, são tratados como invasores.

Ao longo de séculos de exploração fomos condicionados a ver as questões indígenas como problemas restritivos, cujas resoluções trariam benefícios ou para os índios ou para os brancos, porém essa é uma falsa dicotomia que omite o fato dos indígenas serem explorados em prol de poucos milionários, que se apoiam no preconceito para afirmarem estar do lado certo.

Pensando no contexto da região amazônica, uma real justiça fica nas entrelinhas do filme logo no início. Quando Evan diz que dedica a vida às plantas Karamakate diz que essa é a coisa mais sensata que já ouviu de um branco. No meio do bioma mais rico do planeta, a preservação da mata e o trabalho em conjunto, que respeite os índios levando em consideração o conhecimento empírico das tribos, contribuiria para a exploração sustentável da floresta, resultando na descoberta de medicamentos e recursos que de fato beneficiem a população.


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