Com este longa o diretor Patricio Guzmán apresenta um enredo bastante abstrato. Não se trata de um tema único desenvolvido sob diversos pontos de vista, mas vários temas que podem convergir para conclusões diferentes, dependendo do enfoque.
Sendo um filme chileno, é a partir de seu território que o diretor abre o horizonte para o mundo. É curioso como em pouco tempo notamos que a história dos países latino-americanos são semelhantes, mas desconhecidas entre si. Temos uma educação que nos ensina detalhes da formação dos estados europeus, suas etnias, desenvolvimento, etc., enquanto nossos vizinhos são reduzidos à América espanhola, fragmentada ao longo dos séculos.
Enquanto tribos europeias são diferenciadas para nos explicar dominações e alianças que originaram os países que conhecemos, na América a generalização de índios coloca todas as etnias no mesmo bojo, como uma espécie exótica dizimada em maior ou menor quantidade, conforme a região.
Entre esses índios estão os Kawésqar, que habitavam a Patagônia chilena, possuíam intensa relação com o ambiente em que viviam e hoje estão restritos aos poucos descendentes que com dificuldades mantém alguns costumes antigos.
Olhar para a dominação europeia em nosso continente – que ao contrário do que os livros de história nos forçam a concluir, não está restrita ao passado, mas continua em andamento sob vários aspectos – não se limita ao absurdo dos assassinatos em massa ou da supressão cultural.
Mesmo com toda a diversidade existente entre as tribos que descobriram o continente americano bem antes dos europeus, um fator era comum entre todas: a vida em harmonia com o meio ambiente. Tudo na natureza é cíclico, pois esta é a única forma de manter a constante reciclagem dos recursos do planeta. Respeitando este ciclo os Kawésqar conseguiam viver em um ambiente hostil sem causar nenhum desequilíbrio e sem a necessidade de migrar para um local mais acolhedor.
Junto com os europeus veio uma forma linear de consumo, que já ultrapassou os limites de reposição do planeta. Isso significa consumir recursos de forma irresponsável, extraindo matéria-prima da natureza em uma velocidade muito maior do que a necessária para reposição, gerando poluição e lixo em quantidades alarmantes. Alguns cientistas já afirmam que não há mais forma de revertermos os danos ao planeta.
O filme dá muita atenção à água, afinal ela é fundamental para a vida, e com o filme tendo sido lançado em 2015, uma conclusão elementar nos deixa no mínimo constrangidos. Enquanto os Kawésqar viveram por séculos em um ambiente quase inóspito de forma harmônica com a natureza, São Paulo é uma cidade que está cercada por nascentes e rios, mas ainda assim conseguiu a proeza de chegar à beira de um colapso no abastecimento de água.
Quando pensamos em consumo linear esse também é o exemplo perfeito. A água depois de utilizada deve voltar para a natureza para que complete seu ciclo, que é o mais estudado em biologia desde os primeiros anos na escola. Nosso consumo linear faz com que a água seja extraída da natureza, consumida e descartada. Estamos habituados a acreditar que nossa participação está encerrada a partir do momento em que a água utilizada escorre pelo esgoto, porém os rios de São Paulo, quando não canalizados, correm a céu aberto, deixando claro que sofremos com a falta d´água, mesmo que ela nos cerque.
O título do filme de Guzmán faz referência a um índio, que em troca de um botão de pérola entrou em um barco europeu e foi para o velho continente. Quase uma experiência da época, que visava “civilizar” um exemplar dos ditos selvagens. O índio retornou tempos depois. Nunca chegou a ser visto como um europeu e nunca voltou a ser como era. Provavelmente foi uma experiência bastante traumática para o índio, que recebeu tão pouco em troca. Somente um botão de pérola.
Uma simbologia muito curiosa que deveria chamar nossa atenção para o quão barato nos vendemos diante de questões ambientais. Vale o exercício de pensar o que seria nosso botão de pérola contemporâneo, que parece extremamente valioso, mas não passa de uma quinquilharia que um dia perceberemos ter custado algo imensurável.
Ao longo da narrativa do filme vemos várias imagens que mostram a imensidão do universo, diante do qual é provável que tenhamos um peso bem menor que um ínfimo grão de areia. Nossas ações podem ter efeito sobre o planeta, mas isso não altera o cosmo; em longo prazo o planeta pode se reconstruir tranquilamente. Não chega a ser tão difícil percebermos que temos aceitado botões de pérolas diários, mas pérolas não nos mantém vivos.
2 comentários:
pq nos sites de pesquisa me dão o filme "Botão de perola" como o Bosque de Karadima??
Não faço ideia, mas recomendo os dois! Tem crítica ao Bosque de Karadima aqui no blog tb!
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