terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

As quatro voltas (Le quattro volte)


O filme de Michelangelo Frammartino nos proporciona uma viagem no tempo. Em meio ao cinema hollywoodiano, cada vez mais preso aos efeitos especiais megalomaníacos, que parecem ter a obrigação de criar uma hiper-realidade dinâmica e frenética, acompanhamos aqui a vida mais que pacata em uma aldeia com origens medievais, que parece ter parado naquela época.

O velho pastor de cabras, já no fim da vida, aparenta ter exercido as poucas atividades retratadas no filme durante toda a vida, tendo provavelmente aprendido seu ofício com os antepassados. Não fossem os poucos elementos urbanos, como um caminhão e uma motosserra, o filme poderia ser um retrato épocas remotas, sem nenhum prejuízo ao seu enredo.

Sem diálogos ou atuações marcantes, o filme torna-se bastante original em um universo cinematográfico geralmente padronizado. Evidentemente contamos com particularidades e exceções, sobretudo considerando características de cada país, mas “As quatro voltas” é o tipo de filme que dificilmente ganha espaço nas salas de exibições. Sem dúvida a maior parte do público frequentador das grandes salas classificaria este longa como, na melhor das hipóteses, parado.

De fato, principalmente para uma geração acostumada ao dinamismo de redes sociais e linguagem iconográfica, que deve dizer muito de forma concisa, sem dúvida o filme será arrastado, mas cabe o questionamento da massificação da obra cinematográfica. Os filmes devem de fato apenas entreter e criar falsas realidades, com efeitos especiais dando vida a super-heróis, ou podem também oferecer algo mais?

Nunca fui à Itália. Poucas vezes fui a uma cidade tão pequena quanto uma aldeia da Calábria. Porém o cinema é extremamente eficiente na reprodução de um pequeno recorte da realidade. Apesar de um enredo simples, tal qual o estilo de vida dos moradores locais, o filme apresenta rico material histórico, que suscita muitas reflexões sobre o comportamento em sociedade e a relação do homem com o ambiente em que vive. Seria absurdo pensar em um retorno em massa para aquele estilo de vida, mas diante do comportamento tão predatório dos recursos naturais, um pouco do que vemos é extremamente válido.

Repleto de simbologia, o filme não se esgota em um texto de análise, principalmente pelo fato de que cada metáfora pode ser compreendida de uma forma diferente. Apesar disso podemos ver o corte direto indicando o ciclo da vida, da morte ao nascimento. Porém esse corte vai da morte de um homem ao nascimento de uma cabra, é direta a indicação de horizontalidade entre ambos. Não há domínio, mas sim continuidade entre homem e natureza, um complemento mútuo entre as espécies.

Além desta aproximação por parte dos humanos vemos também o inverso, o filhote recém-nascido se perde do rebanho e grita como uma criança que se perde dos pais em meio à multidão, vagando sozinho pela imensidão da mata nativa. O elo se fecha com o corte para uma grande árvore, também solitária como o pastor ou o filhote de cabra.

Esta solidão, presente entre os humanos, entre os animais e até entre as árvores, sentimento tão angustiante na sociedade moderna, é quebrada na aldeia com a intervenção da pequena sociedade local. A encenação de uma peregrinação do período romano – indispensável para a transmissão da cultura local, assim como o cinema tem a capacidade de ser – nos remete à união dos habitantes, assim como o ritual que se dá em torno da derrubada de uma árvore, utilizada em uma festa – a Pita.

Apesar de retratar uma aldeia encravada entre as montanas, que aparentemente não tem nenhuma relação com as grandes cidades, notamos a presença de elementos comuns fundamentais, apenas expressos de forma mais rústica, ou seja, qualquer sociedade tem suas datas comemorativas e festividades locais, marcando uma identidade e fortalecendo as relações entre os moradores. Esta característica pode ser notada desde a aldeia italiana, com bases medievais, até uma festa junina de um bairro de qualquer metrópole.

O extrativismo local pode ter certo tom predatório para os padrões que estamos acostumados, contudo a carvoaria da aldeia – que diferente do que estamos acostumados a ver em nossos noticiários, não conta com trabalho infantil – é uma atividade alternativa à dos pastores.

Existe a possibilidade de uma substituição da fonte de renda, já que o velho pastor não aparece ensinando seu ofício, o que indicaria uma corrupção dos hábitos locais, mas ainda assim é uma hipótese remota, pois a carvoaria permaneceria distante da diversidade de elementos fornecidos pela criação de cabras.

A beleza deste longa nos oferece uma alternativa sedutora ao cinema de massa, que repete a mesma fórmula à exaustão. Não temos super-heróis, nem efeitos especiais, explosões ou atitudes megalomaníacas, mas temos a vida, como vem sendo vivida há tanto tempo.


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