O diretor Bruno Safadi usa estereótipos bem conhecidos, sobretudo nas periferias das grandes cidades, para estruturar o enredo de seu longa metragem. A protagonista Karine (Leandra Leal) vive um drama conhecido por muitas jovens brasileiras, o de encarar o fim da gravidez sozinha, por conta do assassinato do namorado.
A ausência paterna, por morte, prisão ou simples abandono, compromete o planejamento familiar de várias formas, jogando sobre jovens mulheres, muitas ainda adolescentes, um enorme peso de responsabilidades individuais e familiares.
Em uma sociedade conservadora as igrejas veem nesse cenário um espaço para reduzir o impacto social das famílias desestruturadas ao campo moral, incluindo no fardo carregado pelas mulheres o peso da culpa. No filme esse discurso é realizado pelo pastor Naldo (João Miguel), na sugestiva Igreja Evangélica do Éden, o paraíso bíblico do qual a humanidade foi expulsa por conta de um pecado feminino.
No desenvolvimento social da humanidade a religião sempre teve papel de destaque no campo do conhecimento. São as primeiras tentativas de explicar os questionamentos do homem que deram origem à figura divina. Não por acaso o chamado ‘pecado original’ se dá com o consumo do fruto que tira do criador o monopólio do conhecimento.
Na igreja do Éden o pastor é o líder supremo, que fala em nome de Deus e atua como se fosse seu representante direto – a exemplo de tantos religiosos que parecem crer serem o próprio deus. A igreja oferece a cura para um mal que ela mesma cria, pois transforma condutas individuais em pecado e oferece a remissão dos mesmos.
É como se o criador, ao invés de expulsar em definitivo os pecadores do paraíso oferecesse uma segunda chance, simbolizada pelo batismo que lava as impurezas da carne. Para isso os fiéis devem voltar a viver sob a égide do conhecimento retido pela igreja.
O pastor Naldo impõe aos fiéis, sob o pretexto de se manterem longe do pecado em suas diversas formas, distância dos meios de comunicação, restringindo assim a visão de mundo que os frequentadores da igreja terão. Aquele que desobedecer e simbolicamente comer o fruto do conhecimento é quem historicamente trai a confiança divina.
Desta forma Naldo tenta acolher Karine e dissipar suas angústias em troca de sua fé e de todo o simbolismo que a maternidade proporciona, que também é trabalhado para criar uma imagem positiva da igreja, que será explorada em propagandas voltadas para atrair mais fiéis – e mais dízimo.
Para a Igreja, Eva é a protagonista do pecado original. O rompimento do monopólio do conhecimento proporcionou o castigo divino que agora os representantes da vontade divina, em uma interpretação de parábolas nada objetivas, afirmam ter a capacidade de reparar.
Como vemos no filme, a realidade é mais complexa do que as vontades de um pastor. Uma religião cujos dogmas foram pensados há mais de dois mil anos torna-se ideologicamente anacrônica diante de problemas contemporâneos de uma sociedade moderna.
Por mais que a Igreja nunca tenha deixado de influenciar em questões sociais, o monopólio do discurso é insustentável em meio a tantas fontes de informação e o domínio sobre os fiéis tenta se manter com o controle psicológico por parte de seus líderes.
O filme de Bruno Safadi é bastante sensitivo. Nem tudo é dito explicitamente e a expressividade de Leandra Leal facilita bastante a compreensão de nuances da personagem. Esta é uma forma bastante abstrata de comunicação que, tanto quanto uma metáfora bíblica, é aberta à interpretação de quem assiste.
O que difere a narrativa religiosa, abstrata e de ampla interpretação, da narrativa cinematográfica é que esta não restringe o público a uma versão oficial, cuja contestação implica em pecado passível de punição. As artes, mesmo quando relacionadas diretamente com a fé religiosa, sempre assumiram o protagonismo do questionamento.
Cabe pensarmos se Karine, diante de uma escolha, irá optar por voltar ao simbolismo do Jardim de Éden e aceitar a vida mantida pelas rédeas do Pastor Naldo, ou se a protagonista assumirá as consequências de seus atos, simbolizando uma Eva moderna que não hesita em pagar o preço pela liberdade.
Em tempos de extremismo religioso em evidência, a possibilidade de questionar dogmas e optar pela vida livre de rédeas é sedutora. Necessitamos mesmo de um Éden que nos dá um aparente conforto em troca do conhecimento?
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