terça-feira, 28 de julho de 2015

Jauja

A história deste longa é bastante simples, mas tem a capacidade de instigar muitas reflexões. Basicamente um pai (Viggo Mortensen) parte da Dinamarca com sua filha (Viilbjørk Malling Agger) em busca de Jauja, um paraíso mítico, cercado de mistérios.

Contrariando a expectativa de uma vida perfeita almejada pelo pai, a menina foge com um soldado que conheceu e por quem se apaixonou no caminho. A partir de então a meta do pai passa a ser encontrar a moça, para isso ele parte em uma jornada solitária e longa, na qual o papel do ator ganha destaque, já que na ausência de diálogos a atuação deve transmitir emoções e ações de forma mais clara.

Os elementos da trama não são novos, mas rearranjados com competência pelo diretor Lisandro Alonso. A busca por uma terra livre de problemas é constante na história; no ocidente cristão ela existe desde que Deus expulsou os homens do Éden, condenando a humanidade a viver fora do paraíso.

A dúvida que fica neste ponto do filme é quanto ao que seria feito pelos homens em uma terra supostamente paradisíaca. No plano individual todos se julgam aptos para viver na terra prometida, deixando para trás aspectos de nosso cotidiano dos quais não sentiríamos nenhuma saudade.

Porém o que vemos no filme são soldados treinados e impiedosos nas batalhas buscando uma terra que seja pacífica. Não é necessário ser um grande historiador para saber que não existem terras com ou sem problemas, eles se desenvolvem de acordo com as relações pessoais de seus habitantes. Um desenrolar quase previsível de um novo local subitamente habitado pelos soldados do filme seria a reivindicação de um exército para proteger a sociedade de possíveis invasores, a partir daí é gerado uma classe poderosa e dominadora, que desestabiliza todo o equilíbrio harmônico que se espera de moradores de um lugar tão idealizado.

Pela quantidade de lendas sobre terras prometidas e lugares míticos, cujo simples acesso garantiria uma vida perfeita, é notável que coletivamente esquecemos o potencial que temos desperdiçado ao longo da história ao encontrarmos terras com grandes chances para uma sociedade senão perfeita, ao menos aceitável.

Já contamos com uma bagagem cultural que deveria ser suficiente para percebermos nossa responsabilidade – as vezes individual, as vezes coletiva – nos problemas do local em que vivemos, portanto mais eficiente que migrar para uma terra perfeita, seria investirmos na melhoria da sociedade de forma igualitária, para que possamos nos aproximar de uma vida tranquila e com menos problemas.

No filme a prova de que o ideal de terra perfeita é muito particular, portanto inviável para uma sociedade, vem do próprio núcleo familiar do protagonista, ainda que ele viaje somente com a filha.

É de se esperar que uma adolescente tenha um ideal de felicidade muito distinto daquele que seu pai planeja, desta forma a menina foge com um dos soldados fazendo com que o pai desista da procura por Jauja e passe a ter como única meta reencontrar a filha.

O que fica claro depois da jornada do pai é que uma terra paradisíaca, independente do nome que seja dado, seria a materialização de um sonho pessoal. Cada um teria sua própria terra dos sonhos, de forma que em essência seria muito tênue a diferença entre a Jauja do filme e a Terra no Nunca, que materializa a perfeição idealizada por uma criança.

A viagem do protagonista é longa e intensa. Acompanhamos de perto as angústias e apreensões do pai, o que faz com que o filme seja longo. Talvez pudesse ser um pouco mais curto, porém essa é uma característica necessária ao drama. Seu tempo é diferente de uma comédia, que pede cenas curtas e dinâmicas. É acompanhando os detalhes da personagem do filme que sentimos mais diretamente as emoções que precisamos absorver da obra.

Como dito no início, a história do filme é simples e com poucos elementos, somado a isso temos um filme longo, que nos proporciona pensar bem em cada detalhe apresentado na história. Vale a pena considerarmos a viabilidade da ideia de buscar uma terra distante, que deixe para trás os problemas e nos ofereça uma vida livre de preocupações. Vemos que os problemas existem em qualquer lugar e talvez seja mais eficiente pensar em nossa atuação no próprio local em que vivemos do que sonhar com terras oníricas.


terça-feira, 14 de julho de 2015

5x Favela - Agora por Nós Mesmos

Este longa recicla uma ideia da década de 60. Na época foi extremamente original e condizente com a proposta do Cinema Novo juntar cinco jovens cineastas para realizarem um longa-metragem composto por histórias encenadas em uma favela. Hoje, com o desenvolvimento de equipamentos mais versáteis e com a redução dos custos de produção, ficou mais fácil formar novos profissionais e diversificar a produção cinematográfica.

Assim, ao invés de levar cineastas formados em universidades para gravar em uma favela, os próprios moradores locais passaram por um treinamento, do qual os melhores foram selecionados para produzir um longa no mesmo formato de seu antecessor, com cinco histórias distintas, que desta vez ficaram a cargo dos moradores.

Existe uma diferença clara de intenções nos dois filmes. Enquanto o primeiro vem com um tom de denúncia e parece tentar evidenciar uma realidade não tão conhecida da luta de classes, o segundo tem um viés de desconstrução de preconceitos, mostrando os problemas de uma favela – alguns deles bem graves – mas com exceção de uma das histórias, vemos os moradores como pessoas que acima de tudo lutam pelo próprio bem-estar.

Cabe ressaltar que as escolas de samba, que possuem papel de destaque em histórias do primeiro filme, sequer aparecem no segundo. Parece que hoje funcionam de forma mais profissional, distante das raízes orgânicas dentro da favela, com capacidade de unir moradores em torno de uma paixão em comum.

No filme mais novo o tema que pegou o lugar das escolas de samba foi o tráfico. Se há pouco mais de quarenta anos as favelas eram bem menores, com população restrita e consequentemente mais fácil de ser assistida pelo governo, a crescente concentração de renda na sociedade e o descaso dos governantes transformaram pequenas favelas em verdadeiras cidades, com funcionamento quase independente do restante da cidade.

É claro que o morador de uma favela é um cidadão como outro qualquer. Deve, portanto, obedecer às mesmas leis e ser protegido por elas, assim como os moradores de qualquer outro bairro. O que o filme acaba nos mostrando é que essa relação nem sempre é válida e muitas vezes os deveres dos moradores não vêm acompanhados de direitos básicos.

As leis são um conjunto de regras que se encaixam em determinado espaço e tempo, por isso cada país tem as suas e algumas mudanças são necessárias de acordo com alterações naturais da sociedade. Uma das vantagens de uma sociedade mais homogênea, sem uma discrepância econômica tão gritante que interfira na qualidade de vida de seus cidadãos, é que as leis acabam sendo mais justas para todos.

No Brasil a legislação, estabelecida pela elite, sofre dois problemas gravíssimos. Um, não abordado diretamente nas histórias do filme, é a existência de uma classe tão rica e poderosa que pode influenciar decisões judiciais. Outro, esse sim muito mais evidente, é que as leis aplicadas de forma igualitária não garantem justiça em uma sociedade tão multifacetada.

É evidente que a solução para problemas vividos pelos personagens do filme não está na flexibilização da legislação para adequá-la à realidade social, nem em tolerar delitos de acordo com a situação econômica de quem os comete. Entretanto, é muito claro que algumas barreiras são praticamente intransponíveis para aqueles que lutam por uma subsistência bastante precária.

Um dos personagens do filme consegue passar no vestibular, mas depois não tem dinheiro para pagar a passagem e ir para as aulas; outro sai de manhã e volta a noite todos os dias, enfrentando uma longa jornada de trabalho para conseguir comprar somente arroz e feijão; o tráfico é presença constante que influencia na vida dos moradores desde a infância. Esses e outros problemas comprometem a vida de qualquer um, mas estão ausentes nas camadas sociais mais elevadas.

O que os moradores que produziram o filme nos mostram é uma visão interna que não se baseia na vitimização. Os problemas não chegam a ser usados como escudo para uma vida de resignação, mas sim como dificuldades a serem superadas de uma forma ou de outra.

Muitas atitudes do filme podem ser questionadas, algumas são, pelo rigor da lei, passíveis de punição, mas a ideia do filme é exatamente mostrar o cotidiano da vida na favela pela visão dos próprios moradores, ao invés de uma visão externa e estereotipada. Vendo de perto os problemas ganham outra dimensão, que geralmente está distante das áreas mais nobres da cidade.


terça-feira, 7 de julho de 2015

Hector e a procura da felicidade (Hector and the Search for Happiness)

A medicina não é uma ciência exata. Enquanto alguns casos precisam de apenas um comprimido outros devem ser analisados com muito cuidado para a obtenção de um diagnóstico eficaz. Entre esses casos a psiquiatria tem um papel bastante particular.

Encontrar um psiquiatra nem sempre é fácil. Não basta o profissional ter uma boa formação e competência, pois é necessário estabelecer um vínculo muito específico entre médico e paciente. É comum que um psiquiatra extremamente renomado não consiga estabelecer uma relação satisfatória com determinado paciente.

Porém o que acontece nesse filme do diretor Peter Chelsom é que o protagonista Hector (Simon Pegg) não tem conseguido bons resultados com nenhum de seus pacientes e começa a desenvolver questões mais profundas sobre sua própria existência. Suas dúvidas sobre o que é a felicidade e qual o caminho pelo qual deve guiar seus pacientes começam a ficar incontroláveis.

A própria vida particular de Hector já daria uma ótima análise psiquiátrica. Casado com Clara (Rosamund Pike), o casal seguia uma vida linear e aparentemente isenta de problemas, mesmo com Clara fazendo por vezes um papel mais parecido com o de mãe do que com o de esposa. O que fica explícito desde o início é que a felicidade não se resume à ausência de problemas.

Cansado do cotidiano insólito de seu consultório e em busca de uma resposta mais concreta para o que é a felicidade, o psiquiatra parte sozinho para uma viagem pelo mundo. Clara não se opõe e até, como sempre, ajuda o marido em tudo o que está ao seu alcance. Mas para quem até então tinha uma vida constante ao extremo, uma súbita ruptura causa transtornos inevitáveis.

Com o caderno de anotações que ganhou de Clara, Hector parte para a China e visita um monastério, depois viaja para um povoado muito pobre e violento na África para encontrar um amigo médico e de lá vai para Los Angeles, onde encontra uma antiga amiga, por quem era apaixonado.

É claro que o filme não dá uma resposta sobre o que é a felicidade, até porque a dúvida é antiga e nunca se chegou a um consenso. Apesar disso Hector passa por uma série de situações inusitadas e cômicas, nos mostrando nas entrelinhas alguns detalhes que aparecem em nosso próprio cotidiano, geralmente com formas distintas, para que prestemos atenção em tudo o que nos cerca e tiremos algumas conclusões particulares.

Os destinos do personagem não foram aleatórios, ele poderia, ao invés de ir para cantos distintos do mundo, fazer uma viagem pelos países europeus, tudo muito mais prático, porém mais homogêneo. Entre uma grande cidade chinesa e seu distante monastério, um vilarejo na África e a Los Angeles que é quase uma referência do estilo de vida americano há muito pouco em comum.

Com tantas diferenças não dá para imaginar que a resposta sobre o que é felicidade seja a mesma em todos os cantos. Estamos acostumados com um estilo de vida padronizado, consumimos os mesmos produtos, seguimos os mesmos horários, assistimos aos mesmos programas. Talvez este seja o pior legado do imperialismo. A imposição de um padrão único de vida para todos, no mundo inteiro, suprime individualidades e dissemina um padrão, independente de qualquer fator local.

Hector vai aos poucos preenchendo seu caderno com ideias e frases que tentem resumir sua procura pela felicidade. Algumas frases escritas servem somente para uma pessoa, outras são amplas e de interpretação variável, portanto servem para quem quiser interpretá-las de forma conveniente, às vezes uma ideia que remete à felicidade é incompatível com a vida matrimonial.

Talvez o ponto em comum entre as anotações de Hector seja exatamente a felicidade que se pode extrair daquele momento específico. Quando a conjetura mudar e a situação vivida for outra caberá ao protagonista, ou quem quer que seja, encontrar um sentido e um caminho que leve a um sentimento feliz, sempre disposto a aceitar que momentaneamente esse caminho pode não existir. Ninguém é feliz o tempo todo e saber lidar com os momentos difíceis é uma etapa importante da busca de Hector.

O conceito de felicidade é múltiplo, cada pessoa tem sua própria ideia individual e variável, relacionada diretamente com as experiências pelas quais passa ao longo da vida. Ainda que não seja expressa de uma forma evidente, essa parece ser a lição que Hector aprende e talvez tente levar aos seus pacientes. De fato, um psiquiatra que chegue com conceitos prontos para todos os pacientes não parece mesmo muito bem preparado.


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