segunda-feira, 30 de novembro de 2009

O Escafandro e a Borboleta (Le Scaphandre et le Papillon)

Baseado no livro homônimo, a obra retrata um pouco da vida de Jean-Dominique Bauby (representado por Mathieu Amalric). Jean-Do para os amigos, editor da revista Elle, tem um AVC que o coloca no que talvez seja a pior das prisões, a rara “síndrome locked in”. Com todo o corpo paralisado, o único movimento que lhe restou era o do olho esquerdo para o limitado campo de visão de um quarto de hospital e para toda comunicação através das piscadas.

O diretor Julian Schnabel tem o mérito de trabalhar bem com o tema, transpondo a história de forma satisfatória para a linguagem cinematográfica, sem tornar o enredo um tipo de auto-ajuda ou cair na banalidade do drama excessivo. Algumas vezes o preciosismo faz com que o trabalho beire um documentário e o ritmo fica mais lento, afinal Jean-Do não se recuperou das sequelas, mas o livro que originou o filme foi escrito por ele.

A princípio isso seria inimaginável, mas o olho esquerdo do protagonista serviu primeiramente para respostas simples, algo como piscar uma vez para dizer sim e duas vezes para dizer não. Com o tempo sua ortofonista reorganizou o alfabeto colocando as letras na ordem que elas mais aparecem na língua francesa, com isso ela repetia as letras até que uma piscadela indicava quando parar. Desta forma criaram palavras, frases e por fim um livro.

O que mais me chama a atenção nesta história tão particular é a necessidade que o protagonista teve de superar diversos sentimentos, dentre eles a ansiedade. Essa característica tão marcante do mundo ocidental, que para o editor de uma grande revista deve ser mais que constante, teve que ser drasticamente dominada. Para a maioria das pessoas cinco minutos na fila do banco irrita, dez minutos de atraso parecem eternos e podemos encontrar infinitos exemplos de como o imediatismo do mundo moderno nos influencia. De repente Jean-Do passou a viver “como um legume” de acordo com suas próprias palavras. Ir ao banheiro precisava de ajuda, a alimentação só era possível quando alguém se dispunha a checar suas vontades, mudar o canal da TV, olhar os filhos e simplesmente falar. Uma conversa cotidiana tinha que passar pelo trabalhoso, porém indispensável, método de piscar o olho na letra correta.

Isso me fez pensar em como somos cada vez mais acostumados com a ideia de desejar algo “para ontem”, de forma que esta ansiedade exacerbada passa despercebida, assim como seus efeitos. Fica a dúvida se não deveríamos buscar algumas referências no ritmo de vida das pequenas cidades, ou mesmo nas milenares sociedades orientais, onde a paciência não é menos importante, mas existe a consciência de que algumas vezes o que nos resta é esperar. Nossa impotência diante de determinados fatos pode ser desesperadora e é inquietante o fato de não haver nada a fazer. Pois então, esperemos.

Jean-Do morreu em 1997, dez dias após o lançamento do livro, em decorrência de uma pneumonia. Não pode ver o filme lançado em 2007. Ambas as obras são indispensáveis, das quais podemos extrair grandes lições sem a banalidade do senso comum.


segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Do começo ao fim


Dia 27 de novembro estreia o polêmico “Do começo ao fim”, escrito e dirigido por Aluizio Abranches. Qualquer filme que aborde o tabu do incesto chama a atenção e desperta curiosidade de alguns para saber qual o desfecho da história, e a indignação de outros por colocar a hipótese da viabilidade a um assunto “proibido”. Da mesma forma a homossexualidade (pasmem) ainda desperta a mesma curiosidade de uns e indignação de outros, como se ainda estivéssemos no tempo da caça às bruxas. Abranches é ousado ao unir as duas polêmicas através de dois meio irmãos, de mesma mãe, que quando adultos acabam sexualizando a intensa relação que sempre cultivaram.

O enredo do filme é bastante linear. Um tema tão controverso é aceito pacificamente pela família de classe alta e acaba perdendo a oportunidade de desconstruir preconceitos ainda presentes na sociedade. Apesar disso inova tanto na temática que faz com que possamos sair do cinema sem a sensação de ter visto mais um filme de amor.

Coincidentemente a estreia acontece pouco tempo após a morte de Claude Lévi-Strauss. O antropólogo que aparentemente não tem nenhuma relação com o longa explorou em muitos estudos o tabu do incesto, assim como tantos outros que abordaram a temática pelo viés cultural. Resumindo ao extremo o tabu do incesto permeia todas as sociedades, sendo que para Lévi-Strauss é a base do que separa os humanos dos outros animais. As regras do incesto são variáveis, uma vez que certas sociedades permitem relações que em outras seriam passiveis até de punições severas. Entretanto sempre há restrições que fazem com que certas mulheres sejam inacessíveis aos homens de sua família, o que obriga os homens a procurarem mulheres fora de seu círculo social, ampliando as relações da tribo.

Outro viés do estudo se dá no plano econômico. Mantêm muitos conceitos expostos anteriormente, mas é possível notar que em determinadas sociedades as leis sociais do incesto agem em benefício da propriedade familiar, impedindo que esta seja dividida ou estimulando que terras sejam agregadas em prol de determinadas famílias – estimulando o casamento entre primos, por exemplo.

O filme de Abranches traz um ponto pouquíssimo explorado, pois apesar dos estudos sobre o incesto estimularem críticas feministas por colocarem o homem como indivíduo que escolhe a mulher, com posicionamento dominante, a mulher tem sempre papel fundamental no tabu do incesto. Trabalhando o tema com dois homens (João Gabriel Vasconcellos como Francisco e Rafael Cardoso como Thomás) o enredo descontroi vários pontos das teorias sobre o incesto e inclui novas problematizações.

Antes mesmo de estrear a obra sofre críticas de estímulo à homossexualidade, como se estas fossem cabíveis, e diversas outras acusações retrógradas e naturais aos temas mais polêmicos. O interessante é olhar para o espírito inovador, com tema e cenas ousadas. Há ausência de conflitos, mas sobram pontos a serem desenvolvidos em obras posteriores, como em todo trabalho pioneiro. Cabe agora aos espectadores romperem a barreira das críticas moralistas e pensarem o cinema como uma forma de questionamento e inovação.


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