terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

As vantagens de ser invisível (The perks of being a wallflower)


Há uma infinidade de filmes americanos com roteiros semelhantes ao deste longa, dirigido por Stephen Chbosky. Um adolescente que não consegue se enturmar e sofre com o bullying no colégio, até conhecer alguns amigos, com uma magia que só existe no cinema. A diferença aqui está na profundidade e sensibilidade de abordagem do tema.

Charlie (Logan Lerman) é o adolescente problemático da vez, isolado e conformado com as particularidades de sua solidão. Talvez pelo filme ter sido inspirado no livro homônimo, e a literatura ter mais espaço para descrições desenvolvidas, a vida de Charlie é mais detalhada por flashes de seu passado que indicam o motivo de seu comportamento.

A princípio foram alguns problemas da vida do protagonista que chamaram a atenção de Sam (Emma Watson) e Patrick (Ezra Miller), mas esse é o tipo de filme que se destaca muito mais pelo que deixa implícito. O que vemos são os dois amigos preocupados com o novo aluno esquisito, o que sentimos é que, assim como qualquer outra pessoa, eles escolhem a amizade tanto pela identificação pessoal quanto pelo que se pode aprender com ela.

Entre todas as pessoas que passam por nossa vida, ficam, ou fazem falta, aquelas que nos são próximas pelos sentimentos, pelas experiências e até frustrações. A dor que nos incomoda é mais suportável quando encontramos um par, ou ao menos alguém que se esforça em aceitar os sentimentos sem pré-julgamentos. 

É comum, tanto nos filmes quanto na vida, um personagem com dificuldades de relacionamento – quem nunca teve que lidar com isso em algum momento – que depois de uma fase difícil atinge a famosa meta de “viveram felizes para sempre”. Ainda que a felicidade perene não exista, o mais comum é mesmo uma superação de traumas e a continuidade com os altos e baixos da vida.

As exceções existem. Algumas vezes geram boas obras, como este filme ou mesmo o livro que deu origem ao roteiro. Infelizmente a maioria das vezes aqueles que não conseguem lidar com seus traumas não tem a sorte de um desfecho cinematográfico.

Vemos a angústia dos jovens diante da responsabilidade de conseguir uma boa universidade. Apesar das diferenças entre Brasil e EUA no processo seletivo, a escolha em si já é bastante desgastante. Há pouco tempo atrás as escolhas eram muito mais restrita e a vida quase pré-determinada. A tendência de seguir os passos da classe social em que estava era bem mais forte. Embora a sociedade atual seja mais pluralizada e ofereça varias alternativas, ela desconsidera nuances da personalidade de cada um e exige a padronização de escolhas, independente do histórico.

Tão certo quanto a dificuldade das escolhas para os jovens, que mesmo sem muita maturidade devem tomar um rumo para a vida, é o agravamento da situação para pessoas como Charlie, que além de pensar no futuro ainda se sente amarrado ao passado e importunado pelo presente.

Será que apenas o protagonista é estranho, ou fechamos os olhos para o absurdo de esperar que todos tenham a capacidade de superar grandes problemas, padronizando o próprio comportamento com base em uma sociedade muitas vezes insana? Logo no início do filme Charlie escreve em seu diário – confidente acima de qualquer julgamento – que não falou com ninguém durante todo o verão. Resta saber se isso foi tão ruim quando parece ou se seria pior perder tempo com as pessoas que o cercavam.

Diferente do usual em temas semelhantes, em que o protagonista é simplesmente hostilizado ou ridicularizado, construindo a imagem de errado por não se adequar ao comportamento dominante, aqui vemos Charlie com um problema mais grave que o normal, portanto – ou ainda – com mais dificuldade de superação, o que o torna marginalizado.

Como espectadores apenas recebemos o que o filme nos oferece, porém quando vivemos uma situação semelhante, nos acostumamos com a ideia de discriminar, ou a discriminação serve como um consolo covarde para nossa própria dificuldade de superar traumas, preferindo jogá-los embaixo de algum tapete?

O extremismo dos sentimentos e das atitudes de Charlie, ou qualquer um que seja semelhante a ele, não precisam nem devem ser encarados como um grande impasse. Todos têm algumas raízes que incomodam, por vezes não há psicanálise que resolva. Se a solução é simples quando a reação é leve, é também um pouco mais complexa quando a reação é exacerbada, como no filme. Um pouco mais de atenção e respeito costuma ter bons resultados.



terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Quebrando o tabu


Com este documentário o diretor Fernando Grostein Andrade propõe um debate aprofundado sobre temas que costumam ser socialmente censurados e normalmente abordados de forma superficial. Mais do que uma bandeira em prol da legalização da maconha, o filme traz exemplos e personalidades renomadas que, mesmo com algumas opiniões divergentes, são unânimes ao afirmar que o atual modelo de abordagem de usuários de drogas não é eficiente – por mais que isso fique evidente em nosso cotidiano, é necessário sempre ressaltar.

Algumas partes deixam latente a falta de estudos consistentes sobre as drogas, não apenas em relação ao efeito delas no organismo, mas dos impactos sociais e políticos dos usuários e das políticas voltadas ao tema. Para tentar driblar essa dificuldade e dar credibilidade às abordagens, o diretor utilizou várias vedetes como o médico Drauzio Varela, o ator Gael Garcia Bernal e, talvez o principal para os brasileiros, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

O político brasileiro é um dos que aparecem no filme assumindo que errou no combate às drogas quando estava no poder e que agora mudou de opinião a respeito do assunto. É possível, porém analisando sua formação e história, é bem mais provável que quando estava no poder optou pelo caminho mais seguro quanto à própria imagem frente aos eleitores: tentar agradar a maioria apoiando a opinião majoritária.

Para qualquer político, propor grandes mudanças em relação a temas obscuros significa mexer em um vespeiro, que pode sepultar definitivamente sua vida política. O que alimenta isso é o preconceito criado pela ignorância em relação ao tema. Não há debates sobre o uso de drogas e o efeito de cada uma no organismo. O que mais se vê é o legalismo, que por um lado tolera álcool e cigarros e por outro coloca todas as outras drogas dentro do mesmo bojo, condenando com veemência qualquer atitude de esclarecimento, geralmente taxada de apologia inconsequente.

Um desdobramento desse preconceito é a criminalização do usuário, viciado ou não, e as políticas públicas desastrosas em se tratando da presença de substâncias proibidas na sociedade. Uma das arestas que veio à tona recentemente e é pouco explorada no filme é a internação compulsória de dos dependentes.

De um lado quem defende a internação, mesmo contra a vontade do dependente, argumenta que em casos extremos o viciado – sobretudo em crack, que está em maior evidência – perde a capacidade de decisão; o que de fato ocorre. De outro quem é contra argumenta que essa decisão pode ser arbitrária, política e inevitavelmente atropela o livre-arbítrio; o que de fato também ocorre.

Um agravante da internação contra a vontade é que mesmo os dependentes que querem se livrar do vício e têm para isso todo o apoio de amigos e familiares, apresentam taxa de recuperação muito baixa em longo prazo, que dirá os que não fazem a menor questão de deixar o vício, internados em clínicas com o padrão “estado brasileiro” de qualidade – podemos comparar com os antigos manicômios públicos, para não dizer os próprios hospitais, para termos uma ideia de como funcionarão tais clínicas.

A desvantagem de quem é contra a internação compulsória é que poucos se arriscam a propor uma alternativa. De fato, a solução em larga escala é dificílima, não basta criminalizar os usuários que se espalham por calçadas de cracolândias pelo país, tão pouco expulsá-los com truculência policial, ou criar leis, visto que se isso fosse suficiente ninguém sequer iniciaria o consumo.

Mais uma vez a falta de pesquisas específicas prejudica, mas muitas vezes quem procura uma droga, de cigarro a krokodil (eu não digitaria isso no google imagens, se fosse você), busca preencher um buraco. Angústia, medo, raiva, ansiedade e uma infinidade de outros sentimentos acabam oferecendo um vazio que muita gente tenta preencher com alguma droga. Muitos conseguem dosar bem a quantidade necessária, mas outros fazem com que esse buraco transborde – os dependentes crônicos.

Tratar um dependente deixando livre das drogas é relativamente fácil, mas o buraco metafórico volta a ficar vazio e precisa ser preenchido. Muitos conseguem com religião, daí a atuação de igrejas em cracolândias e afins, mas não existe fórmula mágica para o tratamento em massa. Cada indivíduo precisa achar sua forma de preencher o vazio antes ocupado pelo vício, caso não consiga controla-lo, e isso é um cuidado que uma clínica estatal, para internação compulsória, dificilmente conseguirá ter.

Criminalizar o diferente costuma ser o caminho mais cômodo, mas o aspecto legal é amplamente abordado no filme. Acreditar que uma lei fará alguém se livrar de um vício é no mínimo inocente. Já que o tradicional modelo repressivo tem se mostrado falho, torna-se pertinente a tentativa do diálogo e esclarecimento, no lugar do preconceito e obscurantismo.


terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

As quatro voltas (Le quattro volte)


O filme de Michelangelo Frammartino nos proporciona uma viagem no tempo. Em meio ao cinema hollywoodiano, cada vez mais preso aos efeitos especiais megalomaníacos, que parecem ter a obrigação de criar uma hiper-realidade dinâmica e frenética, acompanhamos aqui a vida mais que pacata em uma aldeia com origens medievais, que parece ter parado naquela época.

O velho pastor de cabras, já no fim da vida, aparenta ter exercido as poucas atividades retratadas no filme durante toda a vida, tendo provavelmente aprendido seu ofício com os antepassados. Não fossem os poucos elementos urbanos, como um caminhão e uma motosserra, o filme poderia ser um retrato épocas remotas, sem nenhum prejuízo ao seu enredo.

Sem diálogos ou atuações marcantes, o filme torna-se bastante original em um universo cinematográfico geralmente padronizado. Evidentemente contamos com particularidades e exceções, sobretudo considerando características de cada país, mas “As quatro voltas” é o tipo de filme que dificilmente ganha espaço nas salas de exibições. Sem dúvida a maior parte do público frequentador das grandes salas classificaria este longa como, na melhor das hipóteses, parado.

De fato, principalmente para uma geração acostumada ao dinamismo de redes sociais e linguagem iconográfica, que deve dizer muito de forma concisa, sem dúvida o filme será arrastado, mas cabe o questionamento da massificação da obra cinematográfica. Os filmes devem de fato apenas entreter e criar falsas realidades, com efeitos especiais dando vida a super-heróis, ou podem também oferecer algo mais?

Nunca fui à Itália. Poucas vezes fui a uma cidade tão pequena quanto uma aldeia da Calábria. Porém o cinema é extremamente eficiente na reprodução de um pequeno recorte da realidade. Apesar de um enredo simples, tal qual o estilo de vida dos moradores locais, o filme apresenta rico material histórico, que suscita muitas reflexões sobre o comportamento em sociedade e a relação do homem com o ambiente em que vive. Seria absurdo pensar em um retorno em massa para aquele estilo de vida, mas diante do comportamento tão predatório dos recursos naturais, um pouco do que vemos é extremamente válido.

Repleto de simbologia, o filme não se esgota em um texto de análise, principalmente pelo fato de que cada metáfora pode ser compreendida de uma forma diferente. Apesar disso podemos ver o corte direto indicando o ciclo da vida, da morte ao nascimento. Porém esse corte vai da morte de um homem ao nascimento de uma cabra, é direta a indicação de horizontalidade entre ambos. Não há domínio, mas sim continuidade entre homem e natureza, um complemento mútuo entre as espécies.

Além desta aproximação por parte dos humanos vemos também o inverso, o filhote recém-nascido se perde do rebanho e grita como uma criança que se perde dos pais em meio à multidão, vagando sozinho pela imensidão da mata nativa. O elo se fecha com o corte para uma grande árvore, também solitária como o pastor ou o filhote de cabra.

Esta solidão, presente entre os humanos, entre os animais e até entre as árvores, sentimento tão angustiante na sociedade moderna, é quebrada na aldeia com a intervenção da pequena sociedade local. A encenação de uma peregrinação do período romano – indispensável para a transmissão da cultura local, assim como o cinema tem a capacidade de ser – nos remete à união dos habitantes, assim como o ritual que se dá em torno da derrubada de uma árvore, utilizada em uma festa – a Pita.

Apesar de retratar uma aldeia encravada entre as montanas, que aparentemente não tem nenhuma relação com as grandes cidades, notamos a presença de elementos comuns fundamentais, apenas expressos de forma mais rústica, ou seja, qualquer sociedade tem suas datas comemorativas e festividades locais, marcando uma identidade e fortalecendo as relações entre os moradores. Esta característica pode ser notada desde a aldeia italiana, com bases medievais, até uma festa junina de um bairro de qualquer metrópole.

O extrativismo local pode ter certo tom predatório para os padrões que estamos acostumados, contudo a carvoaria da aldeia – que diferente do que estamos acostumados a ver em nossos noticiários, não conta com trabalho infantil – é uma atividade alternativa à dos pastores.

Existe a possibilidade de uma substituição da fonte de renda, já que o velho pastor não aparece ensinando seu ofício, o que indicaria uma corrupção dos hábitos locais, mas ainda assim é uma hipótese remota, pois a carvoaria permaneceria distante da diversidade de elementos fornecidos pela criação de cabras.

A beleza deste longa nos oferece uma alternativa sedutora ao cinema de massa, que repete a mesma fórmula à exaustão. Não temos super-heróis, nem efeitos especiais, explosões ou atitudes megalomaníacas, mas temos a vida, como vem sendo vivida há tanto tempo.


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