terça-feira, 25 de outubro de 2011

O Palhaço

Selton Mello estreou como diretor com o longa “Feliz Natal”, mesmo com o bom trabalho a popularidade do ator não se refletiu no roteiro tenso e introspectivo, que ganhou status de filme cult e acabou pouco conhecido. Em seu segundo trabalho a direção de Selton está mais madura e o roteiro (mais uma vez em parceria com Marcelo Vindicatto) explora muito bem o universo lúdico e descontraído do circo para suavizar a melancolia proveniente tanto da dificuldade econômica que o circo encontra, quanto dos problemas pessoais de Benjamin, o palhaço Pangaré (Selton Mello), que acredita ter perdido a graça e não consegue mais encontrar nos risos do público a motivação para seu trabalho.

O filme serve muito bem como comédia descontraída, com ótima fotografia e que diverte não somente nos espetáculos dos palhaços Pangaré e Puro Sangue (Paulo José), mas no dia-a-dia sempre inusitado de toda a trupe. Porém o roteiro não abandona completamente a reflexão sobre problemas individuais, explorados mais explicitamente no primeiro filme do diretor. O palhaço triste, que acredita não ser engraçado e questiona sobre quem vai lhe fazer rir, da margem para muitas questões.

Benjamin demonstra tristeza, mas não sabemos qual o motivo. Na verdade nem ele sabe, já que esse sentimento não necessita de uma motivação clara e explícita, podendo surgir até mesmo pela presença de novos desejos, obscuros até mesmo para quem sente, que dirá para quem assiste. A identificação deste possível novo desejo é importante, e a partir disso o palhaço passa a buscar um sentido para sua vida e talvez este, sim, seja o grande problema a ser resolvido ao longo da trama, afinal não temos um desejo ou uma meta na vida. Somos multifacetados e uma realização, felizmente, não nos satisfaz – assim como uma frustração, felizmente, não nos destrói.

Perdendo o interesse pela profissão, Benjamin parece não tolerar mais os espetáculos de humor que oferece ao público, sendo que as apresentações no picadeiro soam para ele como uma grande farsa. Assim, o palhaço faz um elo entre o riso fácil e defensivo, que nos oferece uma fuga das dificuldades cotidianas – um dos lados já destacados do filme –, e o triste amor que o personagem busca, tentando concretizar a paixão platônica que sente por uma bela moça, logo a primeira vista. O tipo de amor que vai machucar, mas ensina a lidar com perdas inevitáveis, que não ocorrem apenas no plano amoroso, de forma inigualável.

Não por acaso o circo se chama Esperança, sentimento que permeia o palhaço triste em busca de um sentido maior para a vida; também o próprio circo, que lida diariamente com a falta de recursos; e por que não os espectadores, torcendo pelo simpático palhaço e pelo divertido circo, para que encontrarem seus caminhos. A esperança é um sentimento simbolizado pela jovem Guilhermina (Larissa Manoela), que encanta pela beleza, graça e inocência, mas que inevitavelmente passará por duras provas antes de se concretizar. É uma grande sorte que essas provas estejam permeadas pelo riso do universo circense, cabendo aqui ressaltar a importância do circo para pessoas que tem poucas experiências lúdicas ao longo da vida, dado que o pequeno circo apresenta seus espetáculos em cidadezinhas do interior, distantes dos pólos culturais.

Por fim, sem revelar como a trama termina, como solucionar o conflito do palhaço que busca o sentido para a própria vida? A indicação deste como sendo, talvez, o grande problema se dá devido à ofuscação do cotidiano criada pelas grandes buscas. Quando a trivialidade do dia a dia deixa de fazer sentido, ou seja, para um palhaço nada mais direto que a satisfação de seu respeitável público, a busca de algo maior, que justifique todas as ações mas que raramente existe, acaba por frustrar ainda mais, já que essa busca tem a tendência de roubar uma base do indivíduo (sua vida cotidiana) sem lhe oferecer algo em troca.

Tentar curar a tristeza, como se fosse uma patologia, buscando algo maior pelo qual a vida passa a valer a pena pode até funcionar, mas o mais provável é que isso afaste o indivíduo dos prazeres atingíveis. É importante ressaltar que a ideia não é acreditar que Benjamin, ou qualquer um que cedo ou tarde vai se deparar com os mesmos questionamentos, deva se contentar com pouco ou abrir mão de sonhos que podem surgir ao longo da vida, mas que manter um circo em situações precárias e ser competente o suficiente para entreter o público, apesar das dificuldades pessoais e profissionais, já constitui um sentido nada desprezível e afastar algumas dificuldades, valorizando a própria experiência de viver, é o ponto de partida para voos mais altos. É a partir desta valorização que o personagem terá bases para lutar pelo que deseja – estes sim, desejos sem limites. Talvez tudo o que o personagem precise é ligar seu ventilador para refrescar e deixar as ideias fluírem – como um possível sentido de metáfora para o ventilador tão desejado por Benjamin.

Com a carreira de ator mais que consolidada Selton Mello já mostra ser capaz de reunir um elenco de peso para um roteiro que condensa grande conteúdo, expresso de forma leve e simples. Um trabalho para poucos, que deixa grande expectativa em relação ao que vem por aí.


terça-feira, 18 de outubro de 2011

Habanastation

O longa do diretor cubano Ian Padrón é um registro interessante de alguns aspectos da sociedade da ilha. Diante de tantas opiniões tão seguras quanto infundadas sobre um país que poucos conhecem, tanto defendendo fervorosamente quanto rechaçando qualquer qualidade que possa existir, o cinema é historicamente uma ferramenta que pode nos dar uma noção sobre países desconhecidos. O que vemos através de Habanastation é algo aparentemente evidente, mas ao falarmos da lendária Cuba nada chega a ser exatamente óbvio.

A base do enredo é a desigualdade social, pois sim, ela existe em Cuba, entre o jovem Carlos (Andy Fornaris), que vive em um bairro pobre da Havana velha, e Mayito (Ernesto Escalona), cujo pai é músico e por isso viaja o mundo, traz presentes para o filho e mantém a família em um bairro rico. O título Habanastation é um trocadilho com o videogame Playstation, que Mayito ganha do pai.

No simbólico primeiro de maio, em meio à grande comemoração na Praça da Revolução, trabalhadores e estudantes celebram a data e Mayito se perde da excursão de sua escola, indo acidentalmente até o bairro pobre de Carlos. A partir daí vemos uma sequência bem humorada de uma história cubana, mas que em sua essência poderia acontecer em qualquer outro país. Com o humor característico notado em vários filmes cubanos, Habanastation é permeado por críticas sociais e metáforas que geralmente são utilizadas tanto para apoiar quanto para criticar o regime de governo, variando conforme a opinião política de quem assiste.

Se por um lado é notável a diferença entre os padrões de vida dos dois jovens – discrepância presente em qualquer país latino, porém em destaque aqui por se tratar de Cuba – por outro vemos que os dois estudam na mesma escola, ou seja, contam com a mesma formação e não há privilégios estruturais para um deles apenas por conta da família rica. Ainda que seja pouco para obter maior igualdade social, a formação igualitária é um primeiro passo indispensável, que o Brasil está longe de dar. Digo que é pouco, pois as condições de vida além da escola também pesam, por exemplo, no filme Mayito tem as aulas como única preocupação, enquanto Carlos foi forçado a ter uma vida adulta e cercada de responsabilidades logo cedo, pois a mãe morreu quando ainda era muito pequeno e o pai está preso. Nessas condições, apenas frequentar a mesma escola é pouco para garantir igualdade de oportunidades.

Outro aspecto que chama a atenção – este talvez mais próximo do cinema brasileiro – é a diferença de valores perceptível entre Carlos e Mayito. A juventude cercada de bens materiais não garante ao garoto rico detalhes extremamente relevantes como brincadeiras com os amigos e o valor dado à importância de bons relacionamentos entre as pessoas. O abismo retratado entre os dois personagens não possui grande diferenças das obras de outros países que abordam o tema, afinal em um mundo globalizado, onde impera um padrão de sociedade, é de se esperar pouca variação na forma geral de tratamento entre as classes.

O que enriquece o discurso em Habanastation é a metáfora que cerca o tema, relacionando o conflito com o futuro da ilha. Mais de cinquenta anos depois da revolução que implementou o atual regime, Cuba vive uma transição que extrapola a família Castro, já que a geração dos guerrilheiros da década de 60 em breve dará lugar para jovens que não viveram sob outra forma de governo e, salvo a educação que recebem nas escolas, terão que fazer escolhas sem muitas referências de política externa. A dúvida é se optam por um caminho mais próximo ao estilo de vida de Mayito, materialmente muito sedutor, ainda que para poucos, ou se resgatam os princípios da revolução, que os levaram a superar muitas dificuldades para obter grandes conquistas.

Grande sucesso em seu país de origem o filme instiga debates, sobretudo na sociedade cubana, não apenas por ser o alvo do diretor, mas também pelo hábito cultivado há décadas de opinar sobre assuntos gerais e buscar através da troca de ideias as melhores alternativas. Fora da ilha as opiniões controversas a respeito de sua forma de governo continuarão por um bom tempo, mas obras com conteúdo tão rico quanto Habanastation lançam um pouco de luz sobre as críticas, tanto negativas quanto positivas, para que estas se tornem mais bem fundadas.


Está completo, mas sem legenda.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Medianeras

Conforme revelado no filme ‘medianeras’ são as paredes laterais de um edifício, aquelas enormes e sem janelas, por isso mesmo muito visadas para expor grandes anúncios. Dentro da proposta do filme, de abordar o cotidiano de uma grande cidade onde, apesar de cercados de gente, seus cidadãos vivem isolados entre si – condição bastante favorecida pela arquitetura desordenada, que quando pensada é para favorecer o individualismo, ao invés da integração – as medianeras formam um ótimo signo, sendo uma grande parede intransponível, que isola, separa, esconde e priva moradores de experiências que poderiam ser bastante ricas.

Apesar de toda a história acontecer em Buenos Aires, grandes cidades costumam ter algumas características semelhantes, sobretudo quando se desenvolvem de forma parecida, portando o enredo deixa qualquer morador de São Paulo bastante familiarizado. Para apresentar esse aspecto de Buenos Aires e como é a vida de seus moradores, o diretor Gustavo Taretto nos apresenta um recorte da vida de Martín (Javier Drolas) e Mariana (Pilar López de Ayala), vizinhos desconhecidos que seguem sempre por perto um do outro, com desejos parecidos, carências parecidas, porém sem cruzar seus caminhos.

As peculiaridades dos personagens, que deixam suas vidas muito engraçadas para quem assiste, não são exclusivas de uma cidade cosmopolita, mas são características cujo estilo de vida dos moradores das grandes cidades facilita. Martín pouco sai de casa, faz praticamente tudo pelo computador, além de ser fóbico e hipocondríaco. Mariana é vitrinista, exprime seus sentimentos tentando colocar um pouco de arte no dia-a-dia e, assim como Martín, sofre com a solidão após terminar um relacionamento.

É de se esperar que ambos devem se encontrar, mas mesmo com tantas opções de lazer, muitas vezes a disposição dos prédios e vários outros fatores de uma cidade não colaboram muito para facilitar o encontro de seus moradores. Martín comenta que Buenos Aires dá as costas para o rio. O que dizer de São Paulo, que dá seu esgoto para os rios, asfaltando suas margens ao invés de aproveitá-las para estimular o convívio dos moradores?

A história bem humorada e encantadora do casal que busca um ao outro, ainda que sem saber, não abandona a crítica a alguns aspectos arquitetônicos da cidade e mesmo ao comportamento de alguns de seus moradores, porém essa crítica não deve ser compreendida como sendo à cidade em si. A impressão que fica é a de que um crescimento planejado, ordenado e que favorecesse o convívio social, em detrimento do individualismo, somente facilitaria e deixaria mais prazerosa a vida de quem aprende a desfrutar de um grande centro urbano.

A prova de que a vida retratada não precisa ser necessariamente ruim ou mesmo difícil é o humor com que as situações do filme são retratadas e, principalmente, a beleza encontrada em meio aos infinitos prédios da capital argentina. Se por um lado a vida é corrida e grandes obstáculos – muitos graças à falta de planejamento urbano – devem ser enfrentados diariamente, por outro, é nessas cidades que a vida cultural explode e a diversidade de opções, em todos os sentidos, aflora em quantidade inimaginável para uma pequena cidade do interior – de qualquer país. Em meio a tudo isso fica muito mais fácil para uma personagem como Mariana encontrar um ‘Wally’.

Como a posição de vítimas da falta de planejamento não resolve muita coisa, tão pouco conforta quem se sente solitário em meio a multidão das cidades, cabe lembrar que tanto Martín quanto Mariana vivem com foco em um único e grande objetivo, uma busca retroalimentada pela angústia da solidão, que parece isolar os personagens de todo resto que os cercam (e que em uma cidade como Buenos Aires, não é pouca coisa). Grandes metas são válidas, podem ser bem trabalhadas, servir de inspiração, motivação, etc. Mas nunca devem ofuscar o encanto que o cotidiano da vida em um grande centro urbano pode propiciar. A vida nos cerca; podemos contemplá-la pela janela, ou sair para participar.


Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...