quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Eles não usam black-tie

Este é um dos maiores clássicos do cinema nacional. Baseada na peça do final da década de cinquenta, o filme homônimo dirigido por Leon Hirszman estreou em 1981 mostrando um pouco das grandes greves que tanto influenciaram o país no fim da ditadura militar. Entretanto o foco principal é o movimento grevista visto por dentro, mais que suas implicações.

Depois de quase trinta anos, podemos notar que muitos problemas infelizmente continuam idênticos para os trabalhadores brasileiros. A desigualdade de renda persiste e muitos empregados precisam trabalhar muito, em lugares distantes, para ganhar um salário nem sempre suficiente para sustentar a família; o que os leva a cortar gastos com lazer e conforto, mantendo o mínimo necessário para sobreviver.

O interessante é notar as mudanças estruturais ocorridas durante os anos. Atualmente a modernização das indústrias reduziu drasticamente a quantidade de trabalhadores necessária na produção, a onda de terceirização diminuiu ainda mais o vínculo entre os que vendem sua força de trabalho e os que as compram e, por fim, o terceiro setor cresceu muito, aumentando vertiginosamente os empregos informais no país e desfazendo a força de uma classe unida, como a dos operários do início da década de 80.

Somado às mudanças citadas há nas entrelinhas a marginalização do movimento grevista como um todo. Setores da imprensa, desde que ficou evidente a força que o movimento grevista pode ter, trabalham para criar uma imagem de baderneiros e vagabundos que aos poucos foi comprada por boa parte da população. Além disso, empresários procuram driblar o direito constitucional de greve e punir as lideranças, coibindo assim futuras ações, como é claramente mostrado no filme.

Com os esforços para marginalização das greves e as mudanças estruturais no mercado de trabalho, um dos poucos setores que continua combativo, porém cada vez mais desgastado, é formado pelos estudantes universitários, que lutam continuamente contra a degradação que as universidades brasileiras vêm sofrendo. Neste ponto é possível notar a atualidade do tema do filme e como suas cenas retratam com fidelidade os elementos envolvidos em um movimento de greve.

Podemos separar muito claramente no longa as opiniões divergentes sobre o mesmo assunto, encontrando os que estão dispostos a dialogar ao máximo; os mais radicais, aos quais a única linguagem compreendida pelos patrões são as máquinas paradas; os chamados “pelegos”, que no caso é um termo que generaliza todos que querem furar a greve; e ganha destaque o personagem de Tião (Carlos Alberto Riccelli) que não é exatamente contra a greve, mas por medo da intimidação dos patrões prefere colocar os interesses individuais em primeiro plano, para a decepção de Otávio (Gianfrancesco Guarnieri), seu pai, que ficou preso três anos por liderar uma greve.

Esta obra prima ainda nos mostra Romana (Fernanda Montenegro, que mesmo com quase trinta anos de experiência a menos, já era genial) no papel da mulher que cuidava da casa com pulso firme, quando o movimento feminista já estava em ascensão, porém a quantidade de mulheres no mercado de trabalho ainda não era tão grande. Em contrapartida Maria (Bete Mendes) já dava sinais de mudança trabalhando na fábrica, lutando pelos seus direitos através da greve e recusando a submissão ao homem.

Um filme claro e objetivo, que apesar de ter marcado a história do cinema nacional, atualmente não tem a evidência que merece. Naturalmente ninguém espera que um dia este filme possa ser exibido na Rede Globo.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

O Céu de Suely

Esta obra do diretor Karim Aïnouz se mantém longe do romantismo tão frequente na história do cinema. Logo nos primeiros minutos o filme se aproxima do realismo, por vezes bastante ácido, que surpreende e deixa a expectativa em quem assiste. Até a última cena ficamos em dúvida se o final voltará ao romantismo habitual, ou se o realismo será mantido.

A protagonista é Hermila (Hermila Guedes) que após as juras de amor eterno da juventude viaja com Mateus para São Paulo e tem um filho, Mateus Jr. A narrativa tem início com mãe e filho chegando de volta na pequena Iguatu, sertão do Ceará, onde passam algumas semanas esperando por Mateus que chegaria mais tarde. Ao descobrir que foi abandonada pelo marido Hermila deve seguir sua vida, mas já não se reconhece na pequena cidade e almeja viajar de novo, desta vez para a região sul.

Não faltam filmes nacionais com a saga dos retirantes que tentam a vida em grandes cidades, porém aqui Aïnouz nos mostra a cidade de origem, a vida de seus habitantes – dos que querem ficar e dos que querem sair – e as influências culturais presentes no cotidiano das pessoas. A trilha sonora contribui muito para essa percepção, pois a música principal é “Tudo que eu tenho”, uma versão nacional de “Everything I Own” que ao longo do filme é seguida por várias outras versões para clássicos internacionais. As pessoas não abandonam suas raízes, o tradicional forró é a trilha sonora das festas, porém o estrangeirismo foi incorporado à cultura local.

Além das músicas podemos notar nas vestimentas, comportamentos e detalhes sutis as influências culturais externas que colocam o tradicionalismo e o provincialismo de uma pequena cidade do interior cearense contra o modernismo que chega até os habitantes através dos meios de comunicação, ou dos retirantes que voltam à terra natal, como Hermila que regressa com uma mecha loira nos cabelos, caracterizado por uma moradora local como um cabelo “meio loiro, meio ruim”, ou seja, a tendência é ver elementos exógenos como superiores. A protagonista, juntamente com uma amiga, experimenta drogas e cheira acetona buscando uma fuga da dura realidade na cena em que as duas jovens parecem duas crianças de rua inalando entorpecentes. A maturidade que a idade poderia oferecer é limitada pela falta de cultura que deveria ser adquirida ao longo da adolescência.

Decidida a deixar novamente a cidade, Hermila precisa de dinheiro para a passagem. A solução encontrada foi fazer uma rifa, na qual o prêmio seria seu próprio corpo por uma noite. Aqui entra o heterônimo da personagem, Suely, que promete uma noite no paraíso para o vencedor. A personagem deixa claro para sua tia que não estava se prostituindo, e é interessante frisar este ponto, pois aos que estão distante desta realidade várias atividades poderiam ser descrita simplesmente como prostituição, mas aos que nela estão envolvidos há diferenciações claras, como já exploradas no filme Baixio das Bestas de Cláudio Assis.

Evidentemente a decisão de rifar o próprio corpo altera o cotidiano da pacata cidade, onde as notícias correm rápido. A oposição do tradicionalismo é forte e Hermila sofre ameaças, preconceitos, além da dificuldade de lidar com o problema dentro de sua própria casa. Entretanto qual a alternativa para ganhar todo o dinheiro necessário para comprar a passagem e deixar a cidade, se esta, apesar de valorizar o consumo, não oferece infra-estrutura para que seus habitantes acumulem capital?

As contradições sociais, o choque cultural e as técnicas de filmagem que exploram o improviso e talento dos atores (valorizando ainda mais o gênero realista) chamam a atenção para este filme que, entre vários outros sobre retirantes, destaca-se com muita competência.
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