terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Fim

Depois de quase dez anos, é hora de parar de atualizar esse blog. Talvez eu volte um dia, mas por enquanto é melhor investir em novos projetos.

Esse espaço nasceu por acaso, cheio de erros e tropeços (da escolha do Blogspot ao invés do Wordpress até o nome do blog, que assumo ser bem bobinho). Ainda assim cresceu de forma inesperada e acabou fazendo parte da minha vida.

São textos sobre 308 filmes de diversos países, ultimamente com foco na América Latina, que me ajudaram a escrever melhor, a ter contato com outras culturas e a conhecer pessoas que chegaram até o blog de alguma forma.

Acredito ter extraído tudo o que esse projeto poderia me oferecer. Claro que existe uma infinidade de filmes interessantes para assistir e comentar, mas estou em uma nova fase. Investir em outros tipos de textos parece ser um desafio maior e que pode me trazer mais benefícios.

Termino agradecendo aos comentários, aos contatos e às visitas! Meus contatos seguem ativos, quem quiser bater um papo sobre cinema ou jogar conversa fora, mande mensagem! =)

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Libertador

Com a ascensão de Hugo Chávez na Venezuela em 2002 tornou-se recorrente o termo ‘bolivarianismo’, uma referência a Simón Bolívar. Mais de dez anos depois Chávez já se foi e referências ao bolivarianismo são usadas indiscriminadamente para adjetivar situações sem nenhuma relação com Bolívar, por pessoas que provavelmente não fazem ideia de quem foi historicamente conhecido como Libertador.

Daí uma das funções do cinema, que vai além de entreter. Longe de ser uma aula completa de história e sem a pretensão de esgotar as abordagens sobre o personagem, o diretor Alberto Arvelo apresenta um recorte da vida do venezuelano Simón Bolívar (Edgar Ramírez), com um resumo sobre sua ascensão e suas lutas.

Tendo atuado politicamente no início do séc. XIX, Bolívar foi peça chave para a independência da América espanhola, que não por acaso tem um desdobramento bem semelhante à história brasileira.

Depois de passar séculos enviando riquezas naturais para a metrópole, as colônias passaram a buscar a liberdade. Com o apoio da Inglaterra, que visava muito mais o mercado consumidor em potencial do que a benevolência de ajudar a libertação das nações, começaram a surgir insurreições pela América, das quais se destacaram personagens históricos como Bolívar, que liderou diversas batalhas e chegou à presidência da Venezuela, Bolívia e Peru.

As figuras históricas são construídas ao longo do tempo conforme a necessidade. Se personalidades contemporâneas, com vida e obra fartamente documentadas, geram extrema divergência entre apoiadores e críticos, que dizer de pessoas que viveram há mais de cem anos, com feitos documentados apenas com base em relatos e registros históricos nem sempre confiáveis.

Desta forma Chávez tentou resgatar o espírito libertador de Bolívar para uma espécie de nova independência, na qual a Venezuela se libertasse das amarras do capital e passasse a gerir suas riquezas, transformando-as em benefícios para a população – concordem ou não, esse era seu discurso.

No lado oposto a direita associa – quando não iguala – o bolivarianismo ao comunismo e à ditadura. Como curiosidade histórica, vale lembrar que quando Bolívar morreu, em 1830, Marx tinha 12 anos. Como fato histórico é imprescindível lembrar que Bolívar morreu lutando exatamente pela liberdade e contra um regime autoritário, que seria anacrônico chamarmos de ditadura.

Na guerra entre versões e apropriações, a principal arma deve ser o conhecimento. A história não é uma religião regida por dogmas indiscutíveis, mas uma ciência regida por paradigmas sujeitos a provas e questionamentos. A construção de heróis como a figura histórica de Simón Bolívar pode e deve ser debatida, porém aceitar passivamente que o bolivarianismo se resume a um golpe político para tomar o poder e implementar uma ditadura sanguinária chega a ser um desrespeito com a memória de nações que lutaram duramente pelo oposto.

Em uma América (espanhola ou portuguesa) que passou por séculos de exploração, escravidão institucionalizada e matança de seus habitantes nativos, reivindicar hoje uma autonomia real e que possa reverter riquezas naturais em um pouco de conforto para a população deveria ser um grito uníssono, mas infelizmente segue sendo sedutor unir-se ao opressor na esperança de ascender socialmente.

Um dos episódios marcantes na trajetória de Hugo Chávez foi a entrega de um exemplar do livro “As veias abertas da América Latina”, do uruguaio Eduardo Galeano, para o presidente dos EUA, Barack Obama. Entre o uso divergente do bolivarianismo Chávez ao menos tem argumentos mais sólidos. O livro resume a história de exploração do continente, da qual ainda não nos livramos.

Assim como a exploração é histórica, a tática dos exploradores também é contínua, oscilando muito pouco ao longo do tempo. A principal sedução é através da ilusão do oprimido de se tornar opressor. É assim que conflitos internos são criados e a sociedade fica fragmentada, frágil e muito mais fácil de ser dominada.

O filme mostra como muitos se aproximam de Bolívar oferecendo ajuda, porém visando mais a tomada do poder para exercer domínio sobre o povo no lugar da metrópole, ao invés de almejar uma sociedade livre e soberana. A situação política de hoje é diferente, contamos com os logros daqueles que lutaram por direitos básicos, pelos fim da escravidão e desvinculação da metrópole, mas infelizmente vemos muitos problemas com alicerces em explorações históricas, que já eram combatidas por Bolívar.

O Libertador é uma referência histórica importante, personifica a ideia de soberania e não deveria ter seus ideais distorcidos pelos que são contrários à autonomia dos povos. Ao invés de criar associações malucas e significados vazios para o termo bolivarianismo, deveríamos nos ater à luta por países latino-americanos verdadeiramente livres.


terça-feira, 23 de janeiro de 2018

A jaula de ouro (La jaula de oro)

Periferia da Guatemala. O trabalho é pesado, a remuneração é baixa e os casebres mal construídos são permeados pela violência do tráfico – de drogas e de pessoas. Nessa realidade, replicada por toda a América Latina, não é difícil sonhar com um Éden em que a vida seja, se não fácil, ao menos justa.

É esse sonho que motiva os jovens guatemaltecos do filme a atravessar o país, cruzar o México e chegar aos Estados Unidos. As caronas clandestinas nos trens repletos de conterrâneos dispostos a realizar o mesmo sonho são a parte mais fácil dessa odisseia latina.

Os jovens têm consciência dos perigos que enfrentarão. O pouco dinheiro vai costurado em bolsos secretos. Sara (Karen Martínez) sabe que no mundo machista nenhuma situação é tão difícil que não possa ser ainda pior para as mulheres. É necessário cortar o cabelo e amarrar os seios para se passar por homem.

O diretor Diego Quemada-Diez dá ênfase nas ações e opta por poucas falas. Os amigos conversam pouco. Não há o que falar, para quem falar ou para quê falar. Seguem todos calados em uma mistura de ansiedade, insegurança e medo. Uma série de sentimentos que fazem com que a viagem só seja viável graças à realidade deplorável que fica para trás.

No caminho os amigos encontram o personagem mais emblemático do filme. Chauk (Rodolfo Domínguez) é um índio que não fala espanhol e se junta ao grupo rumo a uma vida melhor, independente do que isso signifique. É o elemento que não se compreende pelas palavras.

Entre os amigos a fala é desnecessária. Todos têm os mesmos sentimentos e objetivos, qualquer palavra seria uma redundância. Em relação a Chauk, não é preciso a compreensão do idioma para que Sara expresse solidariedade e companheirismo. Também não precisam palavras para que Juan (Brandon López) deixe claro sua antipatia pelo índio.

Com o comportamento agravado pelo ciúme de Sara, Juan reproduz em outra escala a visão de xenofobia de muitos norte-americanos em relação aos latinos. Para um supremacista branco, pouco importa se o imigrante vem da periferia da Guatemala falando espanhol ou de uma tribo indígena falando uma língua igualmente incompreensível. A xenofobia que ambos enfrentarão é a mesma.

Já para um guarda de fronteira, a conhecida ‘la migra’, também pouco importam as nuances que diferenciam os indivíduos que abarrotam os trens rumo ao norte. O dever é barrar os imigrantes. Contrariados ou condescendentes, os guardas também formam uma massa homogênea, da mesma etnia da maioria dos imigrantes, e não poupam esforços para impedir a viagem. Do lixão de onde alguns imigrantes tiravam o sustento, disputando restos com os urubus, a diferença mais marcante é que os urubus ao menos podem sobrevoar a fiscalização e têm livre acesso aos territórios.

Aos humanos que conseguirem cruzar o México, resta entregar a vida aos coiotes, aos quais pouco importa qualquer individualidade por trás da massa de seres humanos que visam cruzar a fronteira. Imersos em um sistema cruel de baixa remuneração e poucas vagas de emprego, os coiotes encontram a forma ilegal e extremamente rentável de trabalho, cobrando por uma travessia sem qualquer garantia de sucesso.

O filme ilustra bem a presença de um funil entre a América Central e os Estados Unidos. Uma grande quantidade de imigrantes latinos seguem por um caminho repleto de filtros e provações rumo ao norte. Com barreiras - físicas e emocionais - cada vez mais complexas, uma quantidade ínfima comparada ao todo consegue ingressar no éden idealizado.

Toda a provação se converte em carne barata no mercado norte americano. O sistema excludente do capital garante que o bem estar social dos Estados Unidos, alcançado e sustentado pela exploração do trabalho estrangeiro, seja restrito aos habitantes do país.

Enquanto milhares de imigrantes visam uma ou outra exceção de latino bem sucedido no norte do continente, o roteiro mais comum segue sendo o da massa de pessoas indistintas, filtrada por guardas, por traficantes, por coiotes, todos como parte de um complexo sistema que perpetua a exploração em diversos níveis.

Olhando para toda a violência que envolve a migração notamos que além do estilo de vida americano, que serve de norte àqueles que se aventuram pelo continente, o papel de opressor seduz os que buscam uma vida melhor. Ainda que nivelados por baixo, qualquer mínima diferenciação por meio da violência costuma ser aceita em um universo voraz e agressivo.


terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Bingo - o rei das manhãs

Uma grossa camada de maquiagem, a roupa espalhafatosa e uma peruca engomada. Essa é a parte fácil para criar um palhaço, o problema é em quem colocar todos esses adereços.

Nos anos 1980 o desafio era ainda maior. Não bastava ser um palhaço, mas era necessário corresponder às expectativas da marca Bozo, que devido aos direitos autorais foi retratado no filme do diretor Daniel Rezende como Bingo.

Entre tantos atores que exerceram o papel, o filme retrata seu precursor e principal responsável pela consolidação do personagem, o ator Augusto Mendes, interpretado por Vladimir Brichta. Não é um documentário, mas mostra a ascensão do programa que chegou a liderar a audiência da TV durante as manhãs.

Diante da hegemônica Rede Globo, com a tradicional obsessão monárquica que criou a ‘rainha dos baixinhos’, a meta do maior investimento do SBT era bem mais modesta que a liderança.

Contrariando as expectativas, o fenômeno do palhaço norte-americano, adaptado à realidade brasileira, competiu pela liderança de igual para igual em uma época que a hegemonia da Globo era ainda maior do que hoje. A concorrência mais justa seria muito benéfica para a televisão brasileira, porém nem tudo foi positivo nessa atração infantil.

Com muito menos rigor em relação ao controle de conteúdo apresentado às crianças, as emissoras não poupavam esforços para garantir a audiência, apelando sem escrúpulos à sensualidade ou a qualquer outro recurso que garantisse alguns pontos a mais na disputa com outros canais.

Em pouco tempo ficou evidente que o palhaço era apenas uma peça do capital. Levado a acreditar que estava no controle, Augusto Mendes fez a parte mais difícil do trabalho, emplacando uma atração nova e desconhecida, cativando pequenos telespectadores e sendo responsável pela venda de incontáveis produtos que levavam a estampa do personagem que ele representou com maestria.

Dentro da lógica do lucro, Augusto foi substituído quando já não trazia apenas benefícios. Na guerra por audiência, o palhaço foi reduzido à maquiagem e roupa. Já não importava quem dava suporte aos adereços. Era mais lucrativo substituir uma engrenagem do sistema, que resultaria em números mais elevados aos patrocinadores, aos fabricantes de produtos com estampas do palhaço, ao caixa da emissora.

Levar um palhaço ao palco da televisão pode ter sido um sucesso televisivo e, consequentemente, econômico, mas a arte milenar de atuar como palhaço acaba desviada e até desvirtuada nas telas.

Enquanto nos circos o palhaço é um falso coadjuvante, que atua à margem das atrações e acaba roubando o brilho para si, o programa de televisão o colocava como protagonista, com todas as implicações de ser apresentado em rede nacional.

No picadeiro do circo o palhaço atrai as crianças para um evento lúdico, que já teve seu auge como principal entretenimento das cidades por onde a trupe passava. Na televisão a ideia é quase oposta.

Não há mais o programa familiar de sair de casa e acompanhar um espetáculo. O palhaço passa a cumprir seu papel evitando que as crianças saiam de casa e mantendo todas em frente ao televisor, com toda a comodidade e exposição ao marketing televisivo.

Com o tempo o próprio personagem passou a ser descartável. Não bastava substituir o ator por trás da máscara, mas o palhaço, explorado ao limite, estava desgastado. Seu custo era muito alto e não era viável manter o programa no ar.

Restrito ao ator Augusto Mendes e as ambiguidades trazidas pelo sucesso de seu principal personagem, o filme retrata as dificuldades pessoais somadas aos obstáculos existentes na carreira de um ator. Salvo exceções que conseguem consolidar uma carreira, a grande maioria precisa batalhar cotidianamente em busca de um papel com destaque suficiente para render um salário digno.

O que o tempo mostrou ao ator é que a realização de um sonho não corresponde ao que idealizamos. Entre toda a megalomania que cercava o palhaço, o aparente conforto acumulava problemas em uma bolha prestes a explodir.

Sendo ator, parece que o real desejo de Augusto Mendes, despido do fetichismo do sucesso, era o palco. Um local onde pudesse expressar sua arte de forma livre, real e intensa, sem a necessidade de um ponto no ouvido transmitindo ordens e sem a obrigação de interromper sua apresentação para fazer propaganda dos produtos que financiam o programa de televisão.


Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...