terça-feira, 30 de julho de 2013

Sociedade dos poetas mortos (Dead poets society)

A Welton School, retratada no filme do diretor Peter Weir, tem muitos aspectos típicos de instituições de ensino norte-americanas. O internato tem fortes bases religiosas e segue uma metodologia extremamente ortodoxa. Mesmo com algumas particularidades em seu funcionamento, muito do que é exposto no filme pode ser útil em uma análise sobre o sistema educacional, que costuma seguir alguns padrões nem sempre benéficos.

O foco unidirecional da escola em preparar seus alunos para a universidade é posto como virtude por seus diretores, entretanto esconde a supressão dos sonhos individuais, já que fica claro no filme a decisão dos pais sobre o futuro dos filhos. Os jovens não chegam a fazer grandes questionamentos em relação à interferência, nem revindicam liberdade de escolha. A rebeldia dos internos fica por conta de atitudes consideradas intransigentes, como fumar escondido nos quartos e fazer piadas com os religiosos da escola.

O que quebra a letargia do sistema de ensino da referida escola – que tem como um dos quatro pilares a tradição – é o professor de literatura inglesa, John Keating (Robin Williams), que instiga os estudantes a, pouco a pouco, usar a cabeça para pensar e criar, não apenas acumular conteúdo. A princípio mesmo as pequenas mudanças, como levar os estudantes para fora da sala de aula, já soavam estranhas àqueles acostumados ao estilo tradicional e ineficiente de aulas, em que os professores apenas falam e os estudantes apenas escutam.

Em pouco tempo, por apresentar alternativas muito mais atrativas, Keating cativou seus alunos e mostrou que o conteúdo escolar não precisava ser necessariamente um martírio. Os textos lidos poderiam ser inspiração para que eles escrevessem seus próprios poemas, expressassem as próprias emoções e sentimentos ao invés de simplesmente viverem a vida que seus pais escolhessem. Poderiam aproveitar os espaços físicos da escola, que apesar de serem extremamente atraentes, eram mal aproveitados por aqueles que utilizavam apenas a opressora sala de aula. Enfim, Keating ensinou na teoria e na prática o significado da expressão latina Carpe Diem.

Foi ao procurar sobre o passado do professor, que fora aluno da Welton School, que os estudantes conheceram a “Sociedade dos Poetas Mortos”, um grupo de estudantes que se encontravam fora do horário escolar para lerem poemas – clássicos e de autoria própria – simplesmente por gostar disso, não por serem obrigados para fazer uma prova.

O problema, ao menos para os religiosos que dirigem a escola, é que quem aprende a estudar por ver sentido naquilo que faz, ao invés de absorver conteúdo sem saber por que, também desenvolve senso crítico, que costuma ser tolhido em escolas e, sobretudo em igrejas. O professor, que já não era bem visto pelos diretores, por romper com o sistema ortodoxo de ensino, passou a ser muito mais questionado quando seus alunos começaram a reivindicar mudanças na escola – fato considerado uma afronta.

É interessante notar que as ações de Keating não vão além de estimular seus alunos. Ele intervém pouco no cotidiano da sala com a expectativa de estimular a criatividade sem limites, o que é bastante louvável, porém acabou abdicando dos benefícios da experiência, que poderia guiar os jovens, não como um limite para a potencialidade dos mesmos, mas como responsabilidade para negociar e expor suas opiniões críticas em relação à escola. Talvez essa tenha sido a falha do professor.

O estímulo à criação em sala de aula é fundamental para dar sentido ao conteúdo aprendido, transformando o mesmo em conhecimento, mas isso não dispensa a presença do professor, sobretudo na orientação sobre como lidar com adversidades dentro de uma hierarquia de poder que não se desfaz repentinamente.

Se em um extremo existe a intransigência de pais e diretores da escola, que não abrem mão de preparar os estudantes para um futuro bastante longínquo para os padrões dos adolescentes, no outro existe a grande liberdade jogada no colo de estudantes que não estavam acostumados a lidar com ela. É verdade que, conforme deixa claro o Prof. Keating, não há limites para as realizações dos jovens, mas a maturidade que pode partir do mestre auxilia no sentido de não apenas ensinar o conceito de Carpe Diem, mas mostrar que é mais válido estende-lo para toda a vida, sabendo recuar estrategicamente em determinadas situações, do que vivê-lo em sua plenitude por pouco tempo, por não compreender que as relações sociais existem e não mudam de uma hora para a outra.

A Sociedade dos poetas mortos pode ser bem mais que um filme inspirador e bonito. Abre espaço para muitas críticas ao sistema educacional e à forma como as pessoas interagem – ou deveriam interagir – no ambiente escolar. Entre tantos problemas que poderiam ser citados em relação à educação, a falta de diálogo entre os agentes ainda tem grande destaque.



terça-feira, 16 de julho de 2013

A experiência (Das Experiment)

Apesar de ser um filme alemão, com direção de Oliver Hirschbiegel, a experiência do longa foi realizada nos EUA. O fato de o filme ter se baseado em acontecimentos reais e, pelo que pude encontrar da experiência real, ter sido fiel em boa parte do tempo, o torna ainda mais inquietante e perturbador.

Após um início impreciso e às vezes um pouco confuso, as peças começam a se encaixar e criamos afinidade com os personagens selecionados para a tal experiência. Os vinte selecionados não sabiam muito sobre o projeto, apenas que iam receber uma boa quantia em dinheiro, perderiam alguns direitos civis (o que gera o maior estranhamento por parecer estranho que alguém aceite isso, mesmo que por dinheiro) e que em nenhuma hipótese poderiam usar a violência, que acarretaria em expulsão.

Quando oito deles são escolhidos para serem os presos e os doze restantes os guardas de uma prisão fictícia, as instruções são para atuar com exatidão; o que não chega a acontecer no começo. O clima de amizade ainda imperava, mesmo que os presos fossem identificados por números, para que tudo ficasse mais impessoal, e os guardas tivessem autorização para agir com rigor (porém, sem violência).

Era de se esperar que sem o treinamento adequado, apenas com algumas instruções sobre manter a ordem, os guardas seriam os primeiros a incorporarem as características dos personagens em questão e utilizar a autoridade a eles atribuída.

Entre os presos, aproveitando o clima descontraído que havia no começo da experiência, as brincadeiras desencadearam uma pequena rebelião, que foi reprimida com rigidez pelos guardas. A partir disso o filme entra em uma tensão crescente, que prende a atenção ao mesmo tempo em que desperta sensações estranhas, sobretudo quando lembramos que muitas daquelas cenas de fato ocorreram.

Ciências humanas diferem das exatas por não abrirem espaço para experimentos em laboratório. Não dá para controlar as condições e repetir o teste para verificar os resultados já que há o comportamento humano, imprevisível. Apesar disso é possível verificar padrões de comportamento, como no caso em questão.

Das iniciais duas semanas previstas para a duração da pesquisa, após alguns dias tudo teve que ser interrompido. Sem entrar em detalhes sobre o enredo, é possível adiantar que o final foi a parte que mais sofreu alterações em relação ao experimento real, sem que isso promova grandes alterações de conteúdo, foi apenas uma transposição para a linguagem cinematográfica.

Rompendo os limites do filme e até mesmo da experiência que deu origem à obra, é possível pensarmos na relação de prisioneiros e guardas em uma prisão real, impossível de ser desfeita e com muito menos rigor em relação ao uso da força. Ainda que em um presídio os detentos tenham cometido crimes, portanto não estão em condição idêntica dos selecionados na experiência, a relação de poder continua questionável.

Mesmo que os agentes penitenciários tenham, na condição de representantes do estado, o monopólio legítimo da violência, os limites e até a necessidade desse direito é bastante restrito. No filme o uso de violência física é proibido, apesar disso há vista grossa para muitas atitudes dos guardas, e é notável que existem várias formas não física de ações violentas.

Imaginando que a experiência visava representar com a maior exatidão possível as condições reais de uma cadeia, é de se supor que entre os detentos houvesse motivos distintos para estarem presos. Delitos diferentes demandam penas diferentes e estas devem ser definidas por um juiz, sendo totalmente excluídos da punição os maus tratos, sobretudo quando é feito um nivelamento de todos os prisioneiros, com todos tratados da mesma forma agressiva, independente dos motivos que os levaram à prisão.

É comum quando se fala sobre o tratamento dispensado aos presos os questionamentos em relação ao merecimento, dado que se estão presos é porque algum delito foi cometido. O filme de Hirschbiegel evidencia o excesso por parte de guardas que perdem o controle e deixam o poder de uma farda dominar a própria personalidade, exteriorizando a revanche de sentimentos pessoais reprimidos.

A questão extrapola a forma como cada detento merece ser tratado, dado que, como já comentado, a pena para cada delito não deve ser pensada pelos agentes penitenciários, tão pouco deve ser acrescida de tortura. O fato é que o poder se manifesta em diferentes esferas, pois mesmo que os guardas sejam subordinados a uma série de superiores, diante de um detento ele é a autoridade e é fundamental que haja um treinamento extremamente eficiente para que essa autoridade não seja utilizada de uma forma que não pode ser chamada de animalesca, pois animais não torturam seus semelhantes.


*Não encontrei o trailer legendado, mas tem o filme dublado completo no Youtube.

terça-feira, 2 de julho de 2013

O dia que durou 21 anos

"Nós devemos amar a Deus e se não amarmos a Deus devemos temer a Deus. De modo que aqueles que não amam a revolução ou a situação que foi imposta, pelo menos devem temê-la, porque nós saberemos, se necessário, impô-la"
(General Carlos Guedes, 1964)

Com a recente efervescência política na sociedade brasileira e a onda de nacionalismo que aproveitou as revoltas populares para ganhar força, o espectro de um golpe militar voltou a rondar o país, mesmo depois de quase três décadas de latência.

Como a história tem muito a ensinar sobre o presente, esse documentário dirigido por Camilo Tavares mostra uma semelhança que chega a ser assustadora entre os meses predecessores ao golpe militar de 1964 e o período que estamos vivendo atualmente.

O longa dividido em três partes começa com “A Conspiração”, mostrando como o presidente João Goulart vinha conquistando o apoio popular através de promessas que sempre desagradaram às classes dominantes. Falando claramente em realizar uma reforma agrária, que solucionaria os confrontos no campo, e começando a indicar as ilegalidades nas concessões para empresas estrangeiras, o presidente obteve em pouco tempo o repúdio da elite.

Começa a entrar em cena o embaixador dos EUA, Lincoln Gordon, que de acordo com o material apresentado pelo filme, teve papel decisivo para o apoio dos norte americanos ao golpe. Muitos estudiosos negam esse apoio, ou mesmo qualquer influência dos EUA, mediante provas contundentes, entretanto história não é uma ciência exata e as gravações apresentadas no documentário são bastante convincentes.

Com o capitalismo em franca expansão e no ápice da guerra fria, tendo o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática), uma organização anticomunista financiada por vários empresários brasileiros e norte americanos, voltado a bombardear políticos como Goulart, Brizola e as ideias de reforma agrária ou a desapropriação de concessionárias que não cumprissem seu dever, não foi muito difícil conseguir o apoio da população, sobretudo a classe média.

Cabe salientar aqui que os problemas que o presidente visava combater se estendem claramente até hoje, com o país tendo vários latifúndios improdutivos, fazendas que empregam trabalho escravo, desmatamento predatório de mata nativa, mas intocáveis enquanto muitos pequenos agricultores lutam no MST por um pedaço de terra para cultivar. Concessionárias privadas que lucram muito e oferecem pouco tomariam todo o espaço deste texto. As teles, as empresas de ônibus, concessionárias de rodovias cobrando pedágios absurdos, etc. Todas intocáveis, geralmente até mesmo pelos protestos populares, cujas lideranças se escondem.

Com o engodo do comunismo, que aterroriza a classe média mesmo que esta não saiba do que se trata, a oposição ao governo teve terreno livre para implementar a ditadura. O curioso é que o termo “comunismo”, da forma como vem sendo utilizado, em nada se assemelha à teoria que o desenvolveu. Por tratar-se originalmente de uma sociedade extremamente evoluída, na qual o povo governa diretamente, dispensando assim um governo centralizado, com um pouco de rigor torna-se cômico, desde aquela época, falarmos em Cuba, China ou União Soviética comunista.

Este símbolo, que até hoje aterroriza alguns setores da sociedade brasileira, já não funciona nos EUA. Com o capitalismo tão enraizado e o fantasma da União Soviética desfeito, o país encontrou uma nova fonte de pânico com o terrorismo. Assim como aqui tudo parece ser justificado quando é feito contra o comunismo, lá tudo é válido na fictícia luta contra o terror.

A segunda parte do filme aborda “O golpe de estado” e como a tomada de poder pelos militares sequer sofreu a rejeição por eles esperada. Com o discurso de Jango baseado em reforma agrária, reforma tributária, reforma eleitoral e justiça social, houve prontamente a “marcha da família com Deus pela liberdade”, evocada como uma comemoração pelo fim da ameaça comunista. Ainda que na época as igrejas evangélicas não tivessem a força de hoje, o conservadorismo clerical tinha grande poder sobre as massas, convencendo os fiéis de que as reformas de base, prometidas pelo presidente, eram maléficas.

O filme termina com a terceira parte, “O escolhido”, mostrando o desdobramento do golpe e as tentativas patéticas de justificá-lo. O principal argumento dos militares é o de que só tomaram o poder depois de informações seguras de que o presidente não convocaria eleições em 1965, conforme previa a constituição. No mínimo sem sentido o combate a esse medo deixar o país sem eleições diretas até 1989.

A atual situação do Brasil torna-se preocupante, não por uma comparação direta entre a atual Presidenta e João Goulart, mas pelos argumentos conservadores, os ataques aos movimentos sociais e a manipulação da população em torno de um movimento supostamente sem partido (mas que ataca nominalmente apenas o que está na situação), clamando, difusamente, por ideais integralistas e travestindo-se de uma necessidade de um grande salvador da pátria.

Dificilmente tudo isso culminaria em um novo golpe nos moldes de 1964, com a escória de nossa sociedade tomando o poder por tanto tempo, mas pela proximidade física, social, econômica e política, tivemos recentemente no Paraguai e Honduras os presidentes depostos e um governo transitório que chamou eleições, o mesmo foi tentado sem sucesso na Venezuela. Vamos torcer para que não passem de coincidências.


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