terça-feira, 29 de julho de 2014

Nenhum a menos (Yi Ge Dou Bu Neng Shao)

O cinema de um país diz muito sobre sua cultura e seu momento histórico. Dependendo do estilo do filme é uma ferramenta importante para termos ao menos uma noção de costumes e hábitos. Com isso os filmes chineses podem ser interessantes para desvendar certos mistérios, desde que rompa com o controle estatal do país.

Neste sentido o diretor Zhang Yimou nos apresenta o retrato de uma China distante das megalópoles que sustentam um crescimento econômico de 10% ao ano. O enredo se desenvolve em uma escola da pequena província de Shuiquan. Região rural, com a escola caindo aos pedaços, é possível lembrar o Brasil em vários pontos do filme.

A protagonista é a professora Wei (Wei Minzhi), uma menina de apenas 13 anos, pouco mais velha que os alunos da escola primária, mas que é a única opção para substituir o professor titular durante o mês em que ele ficará fora para cuidar da mãe.

Não dá para encontrar pontos positivos ou atrativos na escola. O chão de terra batida, carteiras quebradas, quadro negro precário, etc. Não é difícil achar problemas naquele local em particular, mas aquela escola escondida no interior da China abre espaço para uma crítica ao sistema educacional como um todo.

Pelo pouco conteúdo das aulas, notamos que há influência do estilo de governo. A bandeira hasteada, as crianças marchando com formação semelhante à militar, a canção com metáfora para o regime. Porém essa é mais uma crítica que serve às escolas de qualquer país. A educação serve ao capital, de uma forma ou de outra.

A escola é uma das mais homogêneas instituições. Do interior chinês à mais desenvolvida cidade, é possível notar semelhanças. Formar mão de obra vem à frente de formar cidadãos, seja em uma escola de fachada, onde os alunos mal aprenderão a ler e sairão para um mercado de trabalho simples e desqualificado, até uma escola de ponta, que visa formar empreendedores voltados ao mercado, não à sociedade.

A diferença é que em uma escola com todos os recursos necessários é mais fácil motivar os alunos esquematizando um futuro – e mesmo assim aparecem dificuldades dado ao caráter disperso natural da infância –, mas em uma escola em que o único recurso é um giz branco, racionado, manter a atenção de crianças concorrendo com as brincadeiras infantis é totalmente impossível.

Somado a essa dificuldade existe a problema econômico. A realidade social de uma criança cujos pais são formados e com bons salários não se compara com a situação rural, onde é mais comum a necessidade das crianças trabalharem para ajudar financeiramente em casa. Essa é a história de Zhang Huike (Zhang Huike), que abandona a escola para tentar ganhar dinheiro na cidade grande. Entre os problemas que essa decisão implica, aqui há a particularidade de que a professora receberia mais dinheiro caso não faltasse nenhum aluno depois do mês de ausência do professor titular. Com isso existe o esforço desmedido da professora para resgatar o aluno.

Depois de muito esforço para viajar até a cidade, de imediato há o choque cultural, com estereótipo de morador do campo chegando à cidade grande. É notável o despreparo em relação a tudo o que a jovem encontra. Seria ótimo se de acordo com a realidade do estudante, o conteúdo lecionado fosse útil ao seu cotidiano e ao mesmo tempo o preparasse para a vida fora de seu círculo social.

O que normalmente acontece, sobretudo na zona rural que tem a grade curricular baseada na que é formulada para as cidades, é que os alunos aprendem matérias distantes de seu cotidiano e não têm formação que os prepare para qualquer quebra de rotina de um cotidiano quase pré-estabelecido.

É evidente que a questão educacional é complexa em todo o mundo, de forma que não é um filme, tão pouco um texto de blog, que irá solucioná-lo, mas é bom notar que a precariedade do espaço físico é apenas um ponto e talvez até o mais fácil de solucionar.

Supomos que haja investimento na parte física, seja na escola do filme, seja em qualquer outra escola semelhante mundo a fora, melhorando as instalações e oferecendo mais que um toco de giz e um quadro negro. Como será a formação dos professores, já que tanto Wei quanto o professor titular não são bem preparados? E pior, como resolver o problema do jovem Zhang, sem pai, com a mãe doente e sem dinheiro?


terça-feira, 15 de julho de 2014

Hoje eu quero voltar sozinho

Em 2010 o curta-metragem ‘Eu não quero voltar sozinho’, do diretor Daniel Ribeiro, chamou a atenção pela qualidade e pelos temas abordados. Deixou também espaço para que a história fosse desenvolvida e a trama fosse aprofundada. Felizmente o material foi complementado por este longa-metragem, que não apenas chama a atenção para o cotidiano de um adolescente cego como ainda mistura a descoberta da sexualidade nesta conturbada fase da vida.

O protagonista Leonardo (Guilherme Lobo) é cego desde que nasceu. Sem memória visual, o adolescente frequenta uma escola comum e precisa apenas de algumas adaptações para que sua vida seja bastante próxima à de seus colegas. Claro, ele sempre precisará da máquina para escrever em braile, além de uma ou outra ajuda cotidiana, mas no filme o maior obstáculo para Leonardo acaba sendo sua própria mãe.

É compreensível que a proteção materna, que frequentemente ultrapassa os limites do necessário, ganhe corpo quando o único filho chega à adolescência – fase naturalmente contestadora e conflituosa – demandando liberdade e autonomia, independente de sua deficiência. O problema é quando o pretenso cuidado materno se transforma em empecilho.

Em seu dia-a-dia Leonardo conta com a ajuda de Giovana (Tess Amorim) para as atividades na escola. A amizade faz com que essa relação de ajuda seja reduzia a atos cotidianos, que parecem não estigmatizar a deficiência visual. Essa naturalidade é quebrada pela presença do bullying, praga escolar que apesar de antiga, frequente e grave, ainda conta com a condescendência de professores e diretores.

A chegada de Gabriel (Fabio Audi), novo aluno na sala, é a inclusão de um elemento diferente na amizade entre Leonardo e Giovana. O primeiro ponto que chama a atenção no personagem são as gafes bastante comuns por parte daqueles que não costumam ter contato com determinada deficiência. Muitos desses deslizes parecem absurdos quando vistos de fora, mas são inevitáveis em um primeiro contato.

Construindo aos poucos uma relação de empatia entre personagens e telespectador, nos envolvemos com a história a ponto de compreender um pouco melhor o descontentamento que algumas vezes os deficientes visuais demonstram diante de uma tentativa de ajuda. Costuma ser muito evidente que a intenção de ajudar é uma atitude bastante nobre, o que nem sempre percebemos são os sentimentos do indivíduo que não rejeita a ajuda por arrogância ou algo do tipo, mas simplesmente por buscar sua autonomia. Quantas vezes não temos que nos esforçar para manter a diplomacia diante de uma situação social que nos desagrada?

Finalmente, o que faz com que o filme salte do cotidiano de um adolescente cego – que já não seria pouca coisa – para uma obra bem desenvolvida e trabalhada com muita sensibilidade, é o desenvolvimento dos sentimentos ao longo da adolescência. A ausência da visão acaba obrigando a apuração dos outros sentidos para suprir uma deficiência, assim Leonardo está exposto a todas as dúvidas, angústias e problemas de todos os seus amigos; a deficiência visual acaba nos mostrando caminhos diferentes dos que estamos habituados a seguir, mas que talvez levem aos mesmos locais.

Relacionamentos nunca chegam a ser fáceis. Por mais evidente que seja o sentimento entre duas pessoas, dúvidas e hesitações sempre vêm à tona, sobretudo quando a imaturidade ainda dá as cartas. Com a falta da visão somos estimulados a pensar: o que faz com que nos sintamos atraídos por outra pessoa?

Indo além, o fato de Leonardo ser cego elimina o aspecto visual da atração. A partir disso, o que faz com que uma atração seja reprimida? Como costuma ser feito no cinema e em outras formas de expressão artística, aqui a visão é suprimida para que o amor ganhe uma forma mais intensa e sublime. É como se a forma fosse uma barreira para o conteúdo, de maneira que sua ausência reduzisse o sentimento a sua expressão mais pura.

Saindo um pouco da parte sentimental e abordando o filme com um viés mais sociológico, fica notável como a pressão social influencia sobre as relações, tanto de amizade quanto amorosas. Com tanta gente preocupada em definir o que pode e o que não pode acontecer em relacionamentos – como se tal absurdo fosse possível –, Leonardo nos mostra de uma forma carregada de simbolismos que a vida já nos rende problemas suficientes, a parte disso nos resta encontrar algum alento, independente de opiniões execráveis.


quarta-feira, 2 de julho de 2014

Uma Noite (Una Noche)

O filme da diretora Lucy Mulloy é resultado de uma parceria inusitada entre Cuba e Estados Unidos. Na guerra ideológica que os dois países travam há décadas, o cinema sempre foi uma ferramenta importante para a defesa do ponto de vista de cada um. Rodado em Cuba, por uma diretora norte-americana, Uma Noite tem um viés crítico pouco explorado, voltado mais para a corroboração de estereótipos.

Por se tratar de uma ilha, a ligação de Cuba com outros países é facilmente controlada. Isso somado aos mais de cinquenta anos de embargo ajuda a distorcer tanto a visão que o mundo tem de Cuba, quanto a que os cubanos têm de outras culturas, sobretudo o vizinho inimigo.

Após um longo período de prosperidade econômica, graças aos laços políticos e econômicos com a União Soviética, Cuba teve que pagar o preço de não ter se industrializado. Atualmente, com a economia baseada no turismo, o país vive o dilema de manter os ideais da revolução – com o país voltado ao seu povo – valorizando os turistas que injetam dinheiro na economia.

Este cenário abre espaço para a história do protagonista Elio (Javier Nuñez Florian), que trabalha no restaurante do Hotel Nacional, ganha pouco e sonha com a hipótese de ir para Miami. O que poderia ser um devaneio adolescente ganha urgência quando seu amigo Raul (Dariel Arrechaga) agride um turista e coloca a fuga para os Estados Unidos como única saída para não ser preso.

O sonho de ambos é baseado na idealização do desconhecido. Economicamente Cuba enfrenta muitas dificuldades, assim como seus vizinhos caribenhos, com a peculiaridade de um estado forte, tentado alocar poucos recursos em áreas que tragam benefícios à população. O que seduz Elio e Raul é a riqueza material que Miami pode oferecer.

A única personagem que tenta, timidamente, trazer as esperanças para a realidade é Lila (Anailín de la Rúa de la Torre), irmã de Elio. Em uma fala pouco explorada, já que poderia ser mais bem desenvolvida mesmo sendo feita por uma adolescente, ela indica que a exploração do trabalho também ocorrerá em Miami, com o agravante de não ter certos benefícios existentes na ilha, como saúde gratuita.

Fica a cargo de quem assiste perceber que, da mesma forma que os adolescentes idealizam uma realidade ignorando o que não é conveniente aos sonhos, nós também somos guiados ao longo da maior parte do filme para um viés exagerado.

Sem cometer a inocência de achar que Cuba vive hoje da mesma forma que no ápice econômico da década de 80, não podemos esquecer que a comparação direta entre Cuba e Estados Unidos é completamente descabida. Muito mais plausível, apesar de incomum, seria uma comparação entre realidades e histórias semelhantes. Há cubanos dispostos a tentar cruzar noventa milhas em uma balsa precária e isso é um sério problema a ser evitado, entretanto é uma realidade que chama a atenção – além do fator político – devido a Cuba ser uma ilha.

Pensando que latinos de todos os países, inclusive do Brasil, juntam todas as suas economias para viajar ao México e de lá tentar cruzar a fronteira terrestre para os Estados Unidos, muitos morrendo devido ao calor extremo dentro da cabine de um caminhão, ou fuzilados pelos guardas da fronteira, notamos que o problema da imigração extrapola a guerra de aparências entre Cuba e Estados Unidos.

Pinçando exemplos de sucesso econômico em meio ao mar de latinos explorados nos Estados Unidos, ratifica-se a imagem de uma terra de prosperidade e modelo a ser seguido pelos demais países, desconsiderando que do ponto de vista do indivíduo, para cada exemplo de sucesso há uma massa de compatriotas em situação oposta; e do ponto de vista do estado, a economia americana é sustentada – entre outras coisas – por juros de dívidas de países pobres.

Uma Noite é um filme interessante, porém como primeiro trabalho da diretora, deixa claro a inexperiência e o potencial subaproveitado, que deve ser suprido por quem assiste ao filme para que este não se transforme em um panfleto de doutrinação, como tantos exemplos hollywoodianos.

Cabe ressaltar um detalhe do filme. Os personagens caminhando pela orla de Havana, onde o mar quebra no chamado malecón, um muro onde se pode sentar e ouvir o barulho do mar, por vezes sentindo o respingo da água salgada que espirra na calçada. Lugar único, extremamente atrativo e emblemático.


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