terça-feira, 22 de outubro de 2013

O Grupo Baader Meinhof (Der Baader Meinhof Komplex)

Do rio que tudo arrasta se diz que é violento, mas ninguém diz violentas as margens que o oprimem.
Bertolt Brecht

Atualmente a Alemanha destaca-se como o país, economicamente, mais importante da Europa. Como sempre, a economia aquecida proporciona também o poder político na região, porém o caminho até essa condição não foi fácil. Na metade do séc. XX o país estava destruído, física e politicamente, tentando se recuperar e juntar os cacos espalhados pelo território dividido entre ideologias da guerra fria.

Diante de uma vertente imperialista do estado alemão, que consequentemente marginalizava ou apoiava a marginalização de minorias, muitas vezes dizimando as mesmas em conflitos armados, um pequeno grupo radical revoltou-se contra uma série de injustiças institucionalizadas. A opção foi o confronto direto através de atentados.

O grupo ficou conhecido como Baader-Meinhof, pois no começo eram liderados por Andreas Baader (Moritz Bleibtreu) e Ulrike Meinhof (Martina Gedeck). Sua história, pouco conhecida no Brasil, com exceção da intervenção nas Olimpíadas de Munique, marcou a segunda metade do século e influenciou toda a política alemã da época.

A violência das ações do grupo não chegou a resolver problemas ou sanar as reivindicações, pelo contrário. Conforme vemos no filme do diretor Uli Edel, inspirado no livro homônimo de Stefan Aust, vários membros da RAF (como o grupo ficou conhecido) sofreram consequências graves por seus atos.

O ponto central ao tentarmos entender as ações em questão é que nem a RAF nem nenhuma outra organização semelhante pretende utilizar a violência como um fim em si mesmo, mas como um meio para evidenciar problemas. Todo governo adota políticas que geram controvérsias, aqui o apoio (ou complacência) à guerra no Vietnã e a causa Palestina foram os principais alvos.

Quando a grande mídia é confluente com o governo, qualquer voz destoante que tente propor um diálogo ou ao menos questionar certas políticas será suprimida sem espaço ou direito à opinião. A reação violenta do oprimido, ou daquele que o defende, é como um grito de quem pede socorro, pois ainda que seus atos sejam noticiados como vandalismo, suas causas serão postas em evidência, sobretudo se as ações perdurarem.

O mais comum é que os atos de violência física sejam criticados, dado à barbárie intrínseca que possuem. Porém vale ressaltar que nem toda violência é física. A explosão de uma bomba pode ser resposta à violência simbólica, apenas se expressando em outra linguagem, como alguém que sofre uma tentativa de assalto e reage com socos e chutes contra o assaltante.

Se por um lado somos seres racionais, com potencial para abrir mão das agressões e solucionar desavenças mediante negociação, por outro muitas vezes a famigerada democracia se resume a uma fachada que oculta e, sobretudo manipula dados para que os conflitos sejam atenuados, a ponto de passarem despercebidos.

Até mesmo em virtude desta capacidade de negociação muitos rejeitam atos violentos alegando a existência de outros caminhos para protestos. De fato, em teoria esses caminhos existem, mas pensando pelo lado dos manifestantes, são cidadãos comuns que se arriscam, tanto pela própria violência dos atos que cometem quanto pela repressão estatal, que em nome da lei e da ordem chega a mobilizar o aparato militar do estado para neutralizar manifestações.

Os que estão dispostos a correr todos os riscos veem nas ações diretas a única forma de gritar contra as injustiças que vivenciam, e se gritar – metaforicamente – pode dar margem para uma falsa associação com imaturidade, vale lembrar que mesmo os bebês, cujo único recurso é o choro, conseguem o que querem com o grito.

Por fim, uma das funções do estado é a mediação de conflitos. Em último caso é o único a ter monopólio legítimo sobre a violência, o que daria o direito institucional de reprimir manifestações. Porém essas repressões não devem ser ilimitadas. Há, sim, um claro limite entre a autoridade e o abuso de autoridade.

Com a falácia de que em um conflito entre manifestantes e policiais os ânimos estão exaltados e ambos cometem excessos, passa despercebido o fato de que a polícia é exaustivamente treinada para agir em situações de tensão, enquanto por parte dos manifestantes, existe apenas um aglomerado de cidadãos civis, em um movimento horizontalizado, que não conta com ordens ou estratégias.

O grupo retratado no filme, que começou com Baader e Meinhof seguiu por várias gerações, de forma muito menos centrada do que pretendiam seus criadores, mas ainda assim com o mesmo espírito de luta, movido pela indignação perante injustiças sociais.

Não é por acaso que o conteúdo do filme se encaixa com o que o Brasil tem vivido graças aos Black Blocks. Aqui, na Alemanha e em qualquer outro lugar, sempre haverá pessoas que preferem a violência à letargia. Quando suas reivindicações são justas, resta pensar se o combate deve ser com mais violência ou com o bom senso de reivindicações atendidas.


terça-feira, 15 de outubro de 2013

Metallica: Through the Never

No começo dos anos 80 o Metallica era um grupo formado por quatro moleques, dispostos a beber o máximo possível e exteriorizar seus sentimentos através da música. Misturando power chords com influência do punk e do heavy metal, os garotos foram os precursores do thrash, estilo do qual foram se afastando ao longo da carreira.

Desde o início da década de 90, com o lançamento do black album, o Metallica não é mais somente uma banda, mas uma marca. Uma espécie de grife, que não vende apenas música, mas qualquer coisa que leve seu logo.

Inovadores desde sua origem, a nova empreitada é o lançamento do filme em 3D, que leva às telas de cinema um show da banda, recheado com uma história de ficção, que fica em segundo plano e não chega a atrapalhar a apresentação das músicas.

Uma característica da banda é a grande energia que transmitem ao público nos shows. É claro que em estúdio as músicas têm qualidade, mas a execução parece muito mais contida. O único que conseguiu reduzir um pouco essa diferença foi o produtor Bob Rock, depois de muito trabalho no black album.

Como era de se esperar, toda essa energia em uma tela de cinema, com recurso 3D e toda a edição de imagens, resulta em um espetáculo bem atrativo para os fãs da banda, que têm o desafio de se conter na cadeira do cinema aos sons dos clássicos que consolidaram a banda como uma das mais influentes do rock.

O trabalho do diretor Nimrod Antal não deve ter sido fácil. Com o objetivo de filmar uma história paralela para não lançar somente um show em 3D, Antal corria o risco de interferir muito no show, que independente de qual seja a expectativa de quem for ao cinema, vira prioridade logo na primeira música.

A ficção mostra o roadie Trip (Dane DeHaan) maravilhado no backstage do show, como qualquer fã ficaria se estivesse nessa situação, porém no fim da primeira música recebe a ordem de buscar uma encomenda na cidade e voltar antes do final da apresentação.

A partir disso a história começa a se desenvolver de forma linear, depois foge completamente da realidade, ficando mais interessante e prendendo a atenção, mesmo em meio às apresentações fantásticas das músicas. Logo dá para perceber que a jornada de Trip está encadeada com as músicas do show, portando tudo vai ganhar mais sentido se você conhecer pelo menos o tema da letra da música.

Dentro da história, que é curta por ter elementos somente entre as músicas do show, há um grande mistério (sem entrar em detalhes aqui, para não estragar a surpresa de quem ainda não viu) que torna ainda mais importante saber sobre o que a música em questão está falando. Ainda que não exista uma resposta exata para o tal mistério, o filme dá uma sugestão.

Em relação ao Metallica, as expectativas são correspondidas. Ótimos músicos que são, contam com a edição de imagens e as tomadas captadas em mais de uma apresentação que, associadas ao efeito 3D, oferecem uma ótima perspectiva de visão, que em nenhum ponto da plateia é possível conseguir.

Filmado no Canadá, em shows realizados especificamente para fornecer material ao filme, só o palco já é uma atração à parte. Tecnologia de ponta, trazendo uma coletânea de marcas importantes ao longo da história da banda, como a estátua da justiça se despedaçando, as cruzes de Master of Puppets (com direito a uma bandeira do Brasil de relance na plateia) e o acidente encenado durante Enter Sandman.

O filme cumpre bem seu papel. Oferece mais que um show e explora bem os recursos cinematográficos. O curioso é que o retorno não tem sido tão bom quanto o esperado e sem dúvida isso pode inibir bandas que tenham gostado da ideia. Difícil dizer qual o fator determinante para o filme não ir tão bem nas bilheterias, talvez a postura contida de uma cadeira de cinema que nunca vai substituir um show de verdade.

De qualquer forma, produzir um filme 3D foi caro e trabalhoso. Mesmo com a qualidade final e com a inovação da banda, é bem provável que sua produção fique apenas registrada como curiosidade na história da música.


(diferente do trailer, no filme as letras das músicas não são legendadas!)

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Capitães da Areia

Nunca pensei que um dia eu colocaria uma obra de Jorge Amado entre minhas favoritas. Meu gosto pela leitura começou tarde, já no final do ensino médio. Havia lido “Mar Morto” por imposição escolar e não me despertara grandes sentimentos; acho que eu não estava maduro para ele.

Depois, vi em algum lugar uma defesa à obra de Paulo Coelho dizendo que em sua época Jorge Amado também era alvo de críticas. A péssima fonte me rendeu uma péssima conclusão que durou muito tempo. Alguns anos mais tarde li "A morte e a morte de Quincas Berro d´Água", uma crítica bem humorada, que me agradou, mas não me revelara o verdadeiro escritor.

Cheguei, antes tarde do que nunca, ao “Capitães da Areia”. Finalmente entendi porque Jorge Amado era mal visto em seu tempo, ficou claro porque a Rede Globo, diante da impossibilidade de negar o valor de sua obra, ressalta apenas os aspectos da sensualidade de seus livros.

Cecília Amado se dispôs ao trabalho dificílimo de adaptar às telas o livro de seu avô. A dificuldade está exatamente na diversidade de personagens do livro, cuja história individual de cada um pesa muito no resultado final, mas não caberia no espaço de um filme. Uma alternativa muito viável seria a produção de uma série, com capítulos interligados e contando detalhadamente tanto as histórias diretas do livro, quando um pouco de suas descrições psicológicas e histórico dos personagens, mas sem dúvida o resultado incomodaria a muita gente.

Escrito em 1937, Capitães da Areia é assustadoramente atual. Jorge Amado usa a literatura para, da forma mais didática possível, explicar que o problema de menores infratores vai muito além da falta de punição ou má índole, blindando sua análise lúdica de críticas superficiais e antecipando argumentos que apesar de falhos continuam sendo usados amplamente até hoje.

A comparação entre literatura e suas adaptações ao cinema costuma ser muito injusta. São linguagens diferentes e, sobretudo, intenções bem distintas, portanto não cabe julgar qual é ‘melhor’, já que seria inviável colocar sob os mesmos critérios um livro que tem todo o espaço para desenvolvimento de personagens, divagações psicológicas e narrador onipresente, com um filme que deve condensar em menos de duas horas o conteúdo de origem, contando com atores mirins que não tinham experiência em atuação.

Superada a falácia de eleger qual a melhor obra, vemos no filme pontos importantes do livro, que em alguns planos podem ter ficado muito reduzidos ou simplificados, mas que ainda assim retratam dificuldades e artimanhas desenvolvidas pelos meninos de rua, que existem, independente da organização do grupo Capitães da Areia, e lutam para além de superar os percalços da vida, lidar com o preconceito de quem espera de adolescentes – por vezes crianças – maturidade e discernimento habitualmente ausentes até mesmo em adultos.

Infelizmente o filme deixa margem para críticas pouco instruídas, não sobre sua produção, mas sobre o próprio conteúdo exposto, já que é um prato cheio para aqueles que enxergam claramente os delitos dos jovens para com a sociedade em que vivem, fechando os olhos de forma muito conveniente para o caminho contrário e se negando a considerar que quando não há boas alternativas, o jeito criar algo que individualmente seja ‘menos pior’.

O que também não tem tanto destaque nas telas é a ética presente entre os meninos do grupo, ou seja, muitas atitudes podem ser consideradas imorais perante a uma sociedade habituada com a competitividade desenfreada, desta forma, àqueles acostumados a hostilidade de quem quer ser promovido no emprego, mesmo que às custas de, até então, colegas de trabalho, a lealdade dos meninos aos Capitães de Areia como um grupo é censurável. O argumento alegado é o de que não deve haver lealdade com o que está fora da lei, porém o que fica implícito nesse tipo de crítica é a vergonha de admitir que a ética entre os Capitães de Areia esta ausente em muitos ambientes corporativos.

Mais esperançoso que o livro, o filme termina indicando finais hipotéticos e de forma bastante otimista. Na verdade o que é narrado como um vislumbre é o que se concretiza no livro (sem detalhar para não estragar o final de quem ainda não viu), porém ao contrário do otimismo indicado no filme, o livro coloca as mesmas situações de forma mais melancólica, mais crua, mais triste por ser mais real.


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