terça-feira, 6 de agosto de 2013

Melaza

Melaza retrata um pouco da vida de camponeses em Cuba. A migração de boa parte da população mundial do campo para as cidades, depois da revolução industrial, tem criado em todos os países identidades distintas entre a população. Aqui o diretor Carlos Lechuga deixa claro que tais identidades demandam políticas também distintas.

Em todo o mundo a vida acaba sendo mais difícil para os camponeses, que por vezes acabam passando necessidades. Parece difícil a quem sempre viveu na cidade compreender que o cotidiano rural é bem distinto de uma vida urbana.

Em Melaza, cidade fictícia que como o nome indica vive do cultivo da cana, Monica (Yuliet Cruz) vive com sua filha (Carolina Márquez), o marido Aldo (Armando Miguel Gómez) e a mãe (Ana Gloria Buduén) em uma cadeira de rodas. Às dificuldades comuns dos camponeses a família deve incluir também o delicado período da economia cubana com o declínio do mercado de açúcar, e o empenho do governo para impedir a concentração de renda, que por vezes acaba prejudicando os pequenos produtores.

A tradição de práticas esportivas da ilha mantém forças, mas a falta extrema de recursos faz com que Aldo tenha que lecionar natação em uma piscina sem água, apenas treinando o movimento ideal. A indústria que Monica trabalha já faliu, mas deve manter as aparências como se estivesse funcionando para manter os recursos que recebe.

Se a especulação imobiliária é um grande problema em grandes cidades, concentrando a renda nas mãos de quem possui muitos imóveis – muitas vezes herdados ao longo de várias gerações da família – e excluindo de algumas partes da cidade quem não tem dinheiro para pagar o aluguel das casas, o extremo controle estatal para evitar tal prática pode implicar em tirar a fonte de renda de uma família como a do filme, que tenta alugar um quarto apenas para aumentar um pouco a renda.

O mesmo ocorre com o comércio. Não é muito difícil perceber que o livre comércio não é tão livre nas cidades brasileiras, se pensarmos que, sobretudo em determinados ramos, há poucos comerciantes controlando preços e ofertas. Para barrar esse tipo de exclusão foi imposta a necessidade de uma autorização estatal para a venda.

O problema é que muitas vezes tudo fica tão burocrático que um pequeno produtor quer apenas vender mercadoria para sobreviver, ou, no caso de Aldo, gostaria de pegar carne com um amigo para vendê-la, pagando por isso depois, mas não pode devido à falta de autorização.

Ao contrário dos pequenos produtores rurais brasileiros, Monica e sua família não são absorvidos por grandes latifundiários em conluio com empresas, todavia à quem passa necessidades não faz grande diferença quem é o agente causador dos problemas.

Um estado que intervenha com o intuito de não permitir a concentração extrema de renda não só é benéfico como necessário, porém é impossível prever de um gabinete todas as implicações das intervenções postas em prática. O que vemos em Melaza é a distância entre estado e moradores, talvez bem próxima da distância entre essas mesmas partes no Brasil, porém sem a presença de latifundiários.

Diante de necessidades sociais o desenvolvimento das ações pessoais é praticamente um roteiro pré-escrito, por se repetir com frequência. As pessoas tentam burlar as leis, arriscam quebrá-las e evitam até a última esperança romper com os valores morais. Essas ações, que não deixam de ser imorais a quem as praticam, são postas em prática pela necessidade, e podem ser representadas desde uma inocente ação de criança, que rouba um doce que havia sido deixado como oferenda, até adultos que precisam sustentar a família, mais que sustentar a moral.

O dever básico de um estado é ouvir a população sob sua tutela, e isso deve ser feito de forma contínua, para que as demandas sociais, essencialmente dinâmicas, não caiam na ilusória pretensão dos governantes de sanar problemas com medidas anacrônicas.

Igualmente importante é que todas as pessoas sejam ouvidas, pois só assim a desigualdade pode ser combatida de forma eficiente. Ainda que as leis devam ser aplicadas de forma igualitária, é impossível planificar a sociedade ao ponto das mesmas medidas para zonas urbanas serem adequadas também às zonas rurais.

O poder estatal com influência direta do capital privado é extremamente nocivo – fato que pode ser comprovado folheando qualquer jornal brasileiro – porém o estado deve, a qualquer custo, servir a população, o que não deve ser restrito a um pacote esporádico lançado de um avião aos moradores, como mostrado no filme.


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