A educação em Cuba consegue competir em condições de igualdade com qualquer país de primeiro mundo. Diferente dos vizinhos caribenhos ou sul-americanos, a ilha tem índice de analfabetismo perto de zero, além de atingir metas da Unesco (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura) que nem sempre são batidas por países desenvolvidos.
Entretanto o papel da escola na sociedade não se restringe a números. Talvez essa restrição seja até mesmo um dos grandes problemas da educação, independente do país. O que o diretor Ernesto Daranas mostra em seu longa é uma relação mais aprofundada e complexa, que não olha somente para as tabelas de resultado, mas para a escola inserida em um contexto social, relacionando os professores, alunos e familiares.
O protagonista é o jovem Chala (Armando Valdes Freire), o típico ‘aluno problema’, presente em todas as escolas. Estamos tão condicionados a pensar na escola como alunos sentados, em silêncio, ouvindo um professor ou copiando matéria, que o estereótipo do problema evidentemente são os alunos como Chala, que arruma brigas e promove desordem.
O que notamos com o desenrolar da história deveria ser bastante óbvio quando pensamos nos problemas da educação, ou seja, o comportamento humano não ocorre de forma puramente instintiva, estando diretamente ligado aos estímulos que recebemos, principalmente durante a infância.
É muito simplista olhar para uma sala de aula esperando que todos tenham o mesmo comportamento. Na verdade essa expectativa, que é generalizada, é tão absurda quanto a metodologia de lecionar o mesmo conteúdo, da mesma forma, esperando que todos aprendam de maneira homogênea. Somos seres distintos, compostos por inúmeras particularidades, que diferencia também a forma como cada um trabalha internamente os conteúdos apresentados.
No filme um pequeno contraponto do olhar incriminador lançado a Chala é a professora Carmela (Alina Rodriguez). Uma senhora que já formou diversas gerações de alunos e não restringe sua atuação à transmissão de conteúdo. Carmela tem uma relação muito mais próxima dos alunos, sendo para alguns quase um membro da família.
Do ponto de vista pedagógico poderíamos indicar alguns comportamentos questionáveis de Carmela, porém ela é a única que tenta compreender as atitudes de Chala a partir de sua história. Isso não quer dizer que ela permita qualquer atitude do menino, mas que compreende suas dificuldades.
Quem abstrai a vida familiar de Chala em sua escola ignora o fato do menino ter que lidar com a mãe dependente química, ter que adestrar cães para rinhas que renderão algum dinheiro e ter que lidar com a violência doméstica de um homem que ele nem sabe se é seu pai ou não. Seria no mínimo incoerente desprezar os problemas pessoais de uma criança se até na vida adulta, quando supostamente temos mais maturidade para lidar com dificuldades, levamos em conta aspectos pessoais ao avaliar o desempenho profissional.
Se a função da escola é formar cidadãos ela não deve se restringir ao conteúdo curricular e fechar os olhos para problemas externos quando um aluno não tem nenhuma outra fonte de ajuda. Isso seria a postura de uma instituição voltada para a formação de mão-de-obra para o mercado de trabalho.
Sob este prisma o fato de ser um filme cubano cria uma diferença fundamental na história. Até aqui poderíamos substituir Chala por uma infinidade de crianças ao redor do mundo, que também precisam enfrentar problemas desproporcionais à idade, além de serem cobradas por um bom comportamento e desempenho na escola.
A diferença é que em Cuba, sobretudo no primeiro período da revolução, a ideia era justamente formar cidadãos críticos, emancipados de um mundo voltado para o trabalho que enriquece patrões e aliena empregados. Não por acaso Carmela já tem idade avançada e está prestes a se aposentar.
Com comportamento bem distinto, os professores mais novos da escola não mostram a mesma empatia nem a mesma paciência com Chala. Mesmo que tenham tido aula com Carmela em seus tempos de criança, os novos profissionais tem a tendência de apoiar a transferência de Chala para um internato. Uma atitude muito mais próxima de quem quer formar mão-de-obra, mesmo que para isso seja necessário excluir os que não conseguem se adequar a essa ideia.
É claro que a escola não deve ser a única instituição responsável pela formação do indivíduo. É possível dizer que não é sequer a principal instituição, já que a maioria das crianças chega à escola com uma base familiar, que segue se desenvolvendo ao longo de todo o período escolar. Entretanto quando essa regra falha, como no caso de Chala e de tantos outros, não há nada melhor que a escola para a transmissão de valores e para a formação de um indivíduo.
Restringir a vida à mão-de-obra já é uma ideia terrível, quando essa restrição é imposta a alguém que dificilmente poderá contar com alternativas externas, é quase uma condenação inapelável.
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