terça-feira, 26 de abril de 2016

Truman

Em Truman, o diretor Cesc Gay consegue abordar um tema tenso com extrema sensibilidade e leveza. Sem dúvida auxiliado pela qualidade do elenco, pois tanto o protagonista Julián (Ricardo Darín), quanto seu braço direito Tomás (Javier Cámara) conseguem transmitir muito bem as emoções mais intensas sem cair em um drama excessivo.

A dupla de amigos de longa data se encontra em Madri para um último contato. Isso abre espaço para um turbilhão de sentimentos. Superada a tristeza de todas as despedidas, sobretudo as definitivas, é possível pensarmos no privilégio de vivermos intensamente a despedida de uma longa amizade.

Nos recusamos a pensar que qualquer encontro pode ser o último, da mesma forma o impacto de uma despedida iminente encobre o fato de que toda partida é prematura aos olhos de quem fica. Ainda que soubéssemos a hora exata que uma pessoa próxima irá nos deixar, sempre faltará um tempinho para uma despedida mais cuidadosa e aquele segredo que não pode deixar de ser compartilhado será esquecido em meio às emoções, para ser lembrado segundos depois, quando já for tarde.

Esses sentimentos múltiplos são abordados ao longo do filme, quando Julián e Tomás aprendem a lidar com a situação única e inusitada que estão vivendo, sem abrir mão da cumplicidade que os anos de amizade proporcionam. Dois amigos que passaram a vida encaixando piadas em situações sérias não poderiam mudar a forma de agir sem que a mudança atrapalhasse aquela última vivência.

A maturidade faz com que Julián possa refletir sobre sua condição e tomar decisões serenas, ainda que desagrade e até assuste quem está próximo; da mesma forma Tomás tem a reação imediata de tentar fazer o amigo mudar de ideia, porém gastar o último encontro para se indispor com quem precisa de conforto seria completamente condenável. Fica implícito entre os amigos, que não precisam necessariamente expressar os sentimentos em palavras, que o melhor a fazer é viver intensamente essa chance ímpar de uma despedida.

Peça chave na história é o Truman, o cachorro de Julián. Quem tem um bicho de estimação, sobretudo se morar sozinho e ver no animal a companhia mais fiel, sabe que não se trata de um simples cachorro, mas uma relação de empatia extremamente forte e praticamente isenta de razão. A relação do animal com o dono é pautada pela emoção, o que justifica os cuidados extremos de Julián na tentativa de encontrar um novo lar ao amigo. De imediato os cuidados rendem humor, mas exercendo a incômoda tarefa de nos colocarmos no lugar do protagonista, vemos que não é um detalhe desprezível.

Uma aparente tentativa de racionalidade, porém longe de estar isenta de emoção, vem da prima de Julián, Paula (Dolores Fonzi), que não consegue se conformar com a passividade dos dois amigos diante de algo que ela sabe não ter remédio, mas segue a primeira reação de tentar prolongar ao máximo o contato com o primo.

Pode ser menos desconfortável para quem acompanha se agarrar à ilusão de que se tudo for feito na tentativa de adiar o fim, haverá ao menos o consolo de esgotar todos os recursos. Claro, isso pode ser indispensável para algumas pessoas, porém a palavra final, ao menos na história do filme, cabe inteiramente ao Julián, que tem o direito de escolher o caminho que deseja seguir.

Mais uma vez caímos em qual a reação mais conveniente, aproveitar a despedida para viver momentos inesquecíveis ou amargurar uma desavença não resolvida para sempre. Uma cena mais controversa entre os personagens é resolvida por Julián com apenas duas palavras: ‘faz sentido’. Sem spoilers, é possível imaginar que depois de algumas conversas sobre o tema desagradável, mas inevitável, os personagens, incluindo Paula, aprenderam que certas oportunidades são únicas.

Ainda que possamos viver tranquilamente reprimindo alguns desejos – o que em muitos casos é indispensável para a vida em sociedade –, muitas vezes uma vida excessivamente regrada não trará nada além da sensação de oportunidade desperdiçada. Não precisamos do fim batendo em nossa porta para começarmos a desconstruir algumas certezas até então inabaláveis.

Cesc Gay poderia tranquilamente fazer seu filme extremamente denso, com debates profundos sobre vida e morte. Talento nas mãos ele tinha de sobra. Porém tirar o peso e abordar tudo com nuances de humor aproxima a obra daqueles que a assistem, instigando reflexões que muitas vezes são censuradas pelos indivíduos logo que, involuntariamente, este tema lhes invade o pensamento.


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