terça-feira, 20 de julho de 2010

Uma noite em 67

Renato Terra e Ricardo Calil dirigem o documentário que nos leva para a noite de 21 de outubro de 1967. Época da televisão sem cores e sem o domínio das novelas e patrocinadores. Os grandes festivais eram o ponto forte da TV Record, que ainda não tinha nenhum vínculo com a igreja e diferente dos concursos de talentos promovidos atualmente, visava conquistar o público pelo conteúdo das atrações, mais que por exibições de quem busca os quinze minutos de fama.

Deste celeiro de talentos temos desde nomes mais que populares como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque, até músicos igualmente competentes, apesar de não tão famosos. O filme é uma ótima oportunidade para lembrar – ou conhecer – aqueles que se tornaram ícones da música brasileira, os criadores do tropicalismo e, um ponto não muito explorado por não ser o objetivo do documentário, pessoas que usaram sua arte para expressar o engajamento político que os colocava contra a ditadura de um período bastante conturbado do país.

Após ver o filme fiquei instigado a procurar as letras e lê-las com mais atenção – principalmente depois de ver que Caetano e Chico não se lembram das letras inteiras, não preciso me envergonhar por não me lembrar de todas. É interessante o fato de em uma única noite terem sido apresentadas tantas canções que marcam até hoje a carreira dos compositores, e como deve ter sido difícil o trabalho dos jurados para hierarquizar os trabalhos até chegarem a uma única música vencedora (Ponteiro, de Edu Lobo). Apesar da letra não ser a única análise dos jurados, o equilíbrio era mantido em todos os aspectos com a inovação de ritmos, a mistura de Gilberto Gil com os Mutantes, Chico Buarque com o MPB-4, Caetano Veloso e Beat Boys e a parceria de Edu Lobo e Marília Medalha com o Quarteto Novo.

Em tempos de “Créu”, “Rebolation” e afins, é inevitável lançar um olhar saudosista sobre aquela época. É evidente que a qualidade da música pode ser encarada como fator subjetivo e que obras com letras fúteis foram lançadas inclusive ao longo do período dos festivais, não sendo lembradas hoje por terem sido suprimidas pelas obras primas, cantadas até hoje, mesmo contra a vontade de alguns dos interpretes.

O que acaba chamando muita atenção no filme são os depoimentos nos quais os músicos dizem não sentir saudades daquela época, sendo este sentimento referente apenas ao vigor da juventude. A princípio isso seria quase impensável, por se tratar de um evento com participação popular tão efusiva e que até hoje praticamente não recebe críticas negativas, entretanto não é demais lembrar que apesar da ênfase do filme não ser o período conturbado pelo qual o país passava, a ditadura militar – quando excluído o romantismo da luta contra o opressor, que muitas vezes seduz alguns jovens a dizer que prefeririam ter vivido naquela época do que na apatia atual – foi muito duro aos que estiveram dispostos a utilizar sua arte como resistência. Muitos daqueles jovens músicos foram presos e exilados por militares que permaneceram impunes no decorrer da história.

Os diretores retrataram uma única noite de nossa história. O resultado é pontual e apesar do período curtíssimo, a importância é enorme para nossa cultura, que até hoje colhe frutos do tropicalismo e os benefícios de ter artistas engajados, que expandem as fronteiras da arte para além do entretenimento.


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