terça-feira, 20 de junho de 2017

A demora (La demora)

Como reagir diante de um grande problema, do qual não podemos fugir, mas para o qual não há saída fácil? Esse é o impasse da protagonista María (Roxana Blanco), com o agravante de ter que decidir sozinha o futuro de seu pai, Agustín (Carlos Vallarino), que com idade avançada já apresenta sinais da falta de memória.

O diretor Rodrigo Plá constrói sua história deixando claro que as dificuldades de María têm vários fundamentos relacionados com sua vida. Não se trata de uma mulher mimada que, sem o hábito de enfrentar problemas, opta por abrir mão de suas responsabilidades de forma imprudente e egoísta.

Mãe de duas crianças pequenas e afeitas ao avô, a protagonista não conta com a ajuda de nenhum outro familiar para cuidar de seu pai, que demanda cada vez mais atenção. É angustiante ver que o idoso começa a não reconhecer a própria filha, sabendo que a medicina ainda não tem nenhum tratamento eficaz contra a perda de memória.

Não bastassem as dificuldades pessoais de lidar com esse problema, a condição econômica é sempre um fator decisivo. María não tem como pagar por um bom asilo, muito menos arcar com os custos de uma cuidadora. Os personagens chegam ao ponto em que o ciclo da vida parece invertido.

É inevitável, sobretudo para as famílias de baixa renda, que crianças queiram coisas completamente fora do poder aquisitivo dos pais. Por mais que possam surgir lições pedagógicas sobre como lidar com o dinheiro e abrir mão de desejos inalcançáveis, é sempre incômodo aos pais frustrar o desejo dos filhos.

No filme a restrição econômica da personagem, que passa a ser responsável pelos cuidados ao pai, tem o agravante de não ser um luxo dispensável, mas uma demanda cada vez mais inadiável. Não há lição possível ao idoso que dá cada vez mais trabalho, ainda que sem a menor responsabilidade sobre isso.

Cabe à filha uma culpa psicológica, ainda que falsa, por não conseguir lidar com os problemas. Suas crianças acabam tendo a infância afetada pelas necessidades cotidianas. A menina, um pouco mais velha, mas ainda longe da adolescência, é incumbida de cuidar do irmão caçula e todos na casa acabam tendo que se desdobrar para que uma vida minimamente aceitável siga em frente.

Somos tentados a pensar que Agustín não ajuda no pouco que lhe cabe. O idoso se recusa a aceitar sua condição e se apega à consciência, ou ao menos à lucidez que ele acredita manter, para recusar as tentativas da filha de uma internação em alguma casa de repouso.

Na verdade ainda que a memória de Agustín esteja prejudicada, a ponto de esquecer o próprio endereço e começar a não reconhecer as pessoas mais próximas, é possível notar que ainda existem momentos de consciência que o fazem lamentar a atual condição.

Ter noção da própria decadência física e psicológica, sem poder fazer nada para reverter os sinais da idade, também é um grande peso para a própria pessoa, que tenta lutar contra o tempo e contra o próprio corpo para manter os mínimos resquícios de sanidade e até mesmo de dignidade.

Quando pensada de forma isolada, sobretudo diante das consequências exibidas pelo filme, a decisão tomada por María para tentar resolver o problema de uma forma menos sofrida beira a monstruosidade. Contando com a falta de memória recente do pai, ela o abandona requisitando o resgate de um albergue público – nada que o trailer não revele.

É evidente que entre todas as saídas que a protagonista poderia escolher, o diretor opta por colocá-la em uma condição criticável. Mesmo que sua fragilidade seja construída durante o filme, é inevitável nos colocarmos na mesma situação para depositarmos toda nossa empatia no velho Agustín.

Apesar disso, María não se mostra fria ou vingativa por uma vida de privações por parte do pai. Ainda que nada a livre totalmente do peso de uma decisão controversa e cruel, cabe a reflexão quanto aos limites psicológicos de cada indivíduo, levado a extremos tanto no campo afetivo quanto no aspecto econômico.

Independente de qual seja sua conduta, María é vítima de um sistema cruel, que a coloca entre a cruz e a espada, fazendo com que a opção por continuar mantendo o pai prive seus filhos de cuidados e atenção; enquanto tentar interná-lo, à revelia do idoso, provoque o próprio julgamento moral que irá acompanhá-la por toda a vida.


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