terça-feira, 24 de outubro de 2017

La Playa D.C

O protagonista Tomás (Luis Carlos Guevara) é um jovem negro, que vive em uma favela de Bogotá. Poderia ser do Rio, de São Paulo ou de qualquer outra grande cidade da América Latina. É um ícone que relega o discurso da meritocracia à teoria. Na prática as condições de vida são bem mais restritivas do que o esforço individual tem capacidade de mudar.

A opção, geralmente considerada como de uma vida digna, é trabalhada pelo diretor Juan Andrés Arango Garcia. O jovem protagonista prefere recusar o trabalho de vigia. Não se trata de uma rebeldia ou atitude deliberada de fugir do mercado de trabalho formal. Tomás simplesmente se recusa a ser mais um puxa-saco, igual ao padrasto.

Com uma relação familiar sempre tensa, Tomás é testemunha constante das agressões sofridas por sua mãe, o que faz com que a repulsa pelo padrasto cresça a cada dia. Se um emprego formal que garanta um salário baixo, insuficiente para as necessidades mais básicas, já não é muito atraente, tendo como exemplo uma pessoa que o adolescente repudia torna tudo ainda mais difícil.

Um problema inevitável ao retratar a vida nas favelas de grandes cidades é o envolvimento com drogas. Tomás não se envolve diretamente com o consumo ou tráfico, mas seu irmão mais novo, Jairo (Andrés Murillo), precisa fugir dos traficantes. O menino pegou drogas para vender em consignação e consumiu tudo sem pagar. No tráfico não há negociação. Essa atitude é punida com a morte.

Com menos de vinte anos Tomás já parece carregar o mundo nos ombros. Saiu de casa devido às divergências com o padrasto, procura pelo irmão desaparecido para tentar ajuda-lo e precisa encontrar alguma forma de se sustentar. Se o esforço pessoal fosse de alguma serventia, o jovem teria que ser generosamente recompensado.

O caminho que acabou seguindo, menos por opção e mais pela conjuntura, foi apresentado por Chaco (Jamés Solís), um amigo que pensava em sair do país. Na situação em que estava, parecia que nada poderia piorar. A Colômbia – ou como já mencionado, outros países vizinhos – não oferece nenhum atrativo para jovens negros da periferia.

Na tentativa de conseguir dinheiro, Tomás começa a trabalhar cortando cabelo, também por indicação de Chaco. Não é um grande emprego e provavelmente rende menos do que o trabalho recusado como vigia, porém a diferença fundamental é que agora o protagonista se sente muito mais integrado ao trabalho que realiza.

Não é um salão de beleza onde ele mal conhece o proprietário, mas um local especializado nos cortes artísticos, presentes nas cabeças dos jovens, que ostentam cortes desenhados com esmero como uma identidade social. Ali, mesmo que a remuneração seja baixa, existe a identificação com o local e com os clientes.

Os cortes de cabelo que fogem do padrão acabam marginalizados, entretanto é uma afirmação pessoal. Assim como a recusa de Tomás de trabalhar como vigia, os jovens também se recusam em adotar um visual padronizado e imposto pela sociedade, que seguirá marginalizando os moradores das periferias.

A segregação fica evidente em uma tentativa de visita a um shopping. De errado os personagens não fizeram nada além de tentar visitar um local que não é destinado a eles. Tiveram que acatar ao pedido feito por um jovem negro, igual a eles, que não recusou o trabalho de vigia, a exemplo de Tomás.

Cercando as alternativas do personagem, o diretor mostra como a vida de Tomás é intrinsecamente limitada. Não basta o esforço de ficar livre das drogas ou de arrumar um emprego no qual se sinta confortável. A realidade que cerca os personagens obriga que todos tenham uma força muito grande por uma recompensa quase restrita à sobrevivência.

Tomás, seu irmão, seus amigos, todos nasceram e cresceram em um local onde a violência é internalizada desde a infância. Os meninos brincam de atirar com armas de brinquedo ou mesmo imaginárias, até conseguirem uma arma real. A polícia está presente para matar, os traficantes são os exemplos práticos de conduta violenta. As mulheres, mães, irmãs, namoradas, rezam pelos mortos em uma realidade quase paralela, onde existe céu, paraíso, deus.

Dessa forma os moradores da favela de Bogotá seguem seu destino quase predefinido. As escolhas se restringem ao subemprego, ao tráfico, à exploração. A crítica da classe média insiste em falar na meritocracia, rasa e insuficiente para um problema social tão profundo.


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