terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Redentor

O filme não chega a ser uma grande obra do cinema nacional, mas traz questões extremamente relevantes quanto ao crescimento desordenado das cidades e suas implicações. Uma pena que depois o diretor Claudio Torres cai em uma tentativa de realismo fantástico que não atinge grandes resultados.

A base da história é um edifício construído pelo pai de Otávio Sabóia (Miguel Falabella), na promissora região da Barra da Tijuca, que na década de 70 ainda não era o símbolo da ascensão social de hoje. Ao lado do condomínio, os mesmos operários que construíram o prédio construíram também uma favela para moradia própria.

Por problemas financeiros que levaram seu pai ao suicídio, Otávio não entregou os apartamentos, prejudicando o pai de Célio (Pedro Cardoso), que sonhava com o novo lar, já quitado. Este cenário, tão comum em qualquer grande cidade brasileira, costuma ser analisado como problemas distintos e as providências geralmente são tomadas contra os mais pobres.

Favelas ao lado de condomínios não é exclusividade da Barra da Tijuca, nem mesmo do Rio de Janeiro. Em grandes conglomerados urbanos, que escancaram a desigualdade social, as áreas mais ricas contratam o serviço dos trabalhadores mais pobres, para a realização de tarefas pesadas como a construção civil exibida no filme.

O problema mais evidente de manter esses trabalhadores distantes, imaginando uma divisão urbanística em que favelas e bairros pobres ficassem distantes dos condomínios, é o custo e o tempo que o trabalhador levaria para se deslocar diariamente. Com as tarifas elevadas e a malha viária mal planejada, as cidades sofrem com o transporte em horários de pico. Além disso, tem a questão da segregação social causada pela formação de guetos, com critérios econômicos.

A ponta da pirâmide social também sofre as consequências de um crescimento desordenado, com base na especulação. Uma metrópole deveria ter seu desenvolvimento guiado por critérios mais técnicos, de forma que novas áreas residenciais fossem planejadas, diferente de um aval conseguido com propinas.

Se tudo der certo, depois que os grandes condomínios forem construídos e habitados a região passa a lidar com o trânsito caótico e a falta de estrutura para acomodar tanta gente de repente. Mas toda essa estrutura de construção e venda de imóveis torna-se frágil quando a incorporação imobiliária não trabalha com margens de erro.

Na prática os empresários (como o pai de Otávio) começam a construir um prédio e a vender os imóveis na planta. O dinheiro das primeiras vendas financia a continuidade da obra e posteriormente serve de base para a construção de um novo edifício. Em pouco tempo são várias obras em andamento, uma financiando a outra com o dinheiro de apartamentos parcelados em vários anos.

Tudo anda muito bem, até que a taxa de inadimplência começa a subir e a corrente se rompe. Com a falta de dinheiro as construções param, quem já pagou fica sem o apartamento (como o pai de Célio), quem pagou parte das parcelas acaba perdendo o dinheiro investido e os trabalhadores que eram sustentados pela obra acabam sem emprego.

Nossa tendência é culpar somente os inadimplentes, por adquirirem uma dívida que não teriam condições de quitar, esquecendo assim dos corretores que na hora da venda transformam tudo em benefícios, convertem os problemas em virtudes e fazem promessas imperdíveis para quem sonha em fugir do aluguel, sem contar as frequentes propinas e ilegalidades cometidas pelas construtoras.

Entre as partes envolvidas, os empresários são os que apesar de ter ido à falência, costumam ou ter grandes reservas em contas no exterior ou condições de se reerguer, conforme Otávio tenta a todo custo, literalmente. Célio é um personagem bastante específico, pois ao mesmo tempo em que foi lesado ao não ter o apartamento entregue, é jornalista e tem acesso a um meio de comunicação, usando como chantagem sua possibilidade de publicar algo que pode salvar ou destruir definitivamente a vida de Otávio.

Quem não tem dinheiro, destaque ou poder são os trabalhadores, que além de ficarem sem salário ainda são criminalizados pela construção da favela, como se morar em um barraco ao lado de um prédio vazio fosse uma opção desejada. Para quem não tem alternativa, os operários fazem uso inconsciente da função social de um imóvel, ocupando os apartamentos que construíram.

Na vida real esse é o momento em que no meio de uma estrutura que já nasce fadada ao fracasso, a polícia apara uma das arestas com a violência física que recai sobre os mais fracos. No filme as tensões geram a intervenção do Redentor que batiza a obra e torna-se seu ponto fraco.


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