A ilustração botânica acompanhou desde cedo a história do Brasil. A natureza exuberante, primeiramente relatada em longos textos à corte portuguesa, passou a ser retratada por autores como Frans Post e Albert Eckhout. Não são poucos os pintores inspirados pela beleza das paisagens naturais brasileiras, mas com o tempo o viés científico ganhou espaço entre as pinturas.
Já na metade do século XX recebemos a visita da britânica Margaret Mee, artista plástica que realizou mais de 400 ilustrações de nossa flora. Homenageada pela escola de samba Beija-flor, em 1994, agora Margaret Mee ganha as telas através da obra da diretora Malu de Martino.
As duas artistas têm em comum o fato de não se aterem ao caráter técnico da ilustração, estendendo o potencial da obra para o alerta aos impactos ambientais que flora vem sofrendo, sobretudo na região amazônica por conta da criação de gado e plantação de soja.
Alguns trabalhos da britânica foram muito bem documentados na época, com fotos e filmagens, além de entrevistas nas quais ela relata um pouco de seu trabalho na selva, incluindo alguns riscos como a intimidação de grileiros. Esse material enriquece o documentário, que é complementado por filmagens contemporâneas coletadas na Amazônia e Rio de Janeiro, onde a artista morou. Tanto as entrevistas com pessoas que trabalharam diretamente com Margaret quanto as paisagens amazônicas são muito reveladoras.
É através dos relatos dos amigos que confirmamos a impressão geral de que pouco mudou desde a década de 50, sendo que muitas situações se agravaram com o avanço do agronegócio. A região que tem potencial para ser o maior centro de pesquisas biológicas do mundo, além de um gigantesco polo turístico que beneficiaria toda a população, mas acaba gerando capital para poucos latifundiários, que exploram a região de forma predatória, comprometendo o equilíbrio ecológico.
E as imagens encantadoras da região amazônica, sobretudo com a alta resolução das filmagens atuais, confirmam o que diz um dos britânicos entrevistados: muitas vezes os trabalhos que retratam a Amazônia não são esclarecedores apenas para estrangeiros, mas também para os próprios brasileiros, que nem sempre conhecem a região como deveriam.
O isolamento da região mesmo entre os brasileiros é benéfico aos exploradores, já que quanto menor a notoriedade, maior a liberdade para desmatar impunemente. Desta forma o trabalho de Margaret Mee divulga um pouco da riqueza desconhecida que ocupa boa parte de nosso território, e o documentário de Malu de Martino resgata tanto a obra quanto a ideologia da britânica.
Ao refazer os passos do último trabalho de Mee, que fazia questão de pintar a Flor da Lua, quando seu corpo já estava debilitado, mas a obstinação continuava intacta, vemos as dificuldades do trabalho, advindas de todos os lugares. O acesso difícil, a precisão de uma flor que desabrocha por apenas uma noite e as adversidades climáticas são apenas algumas dificuldades agravadas pela ação do homem, intervindo diretamente, como a intimidação de posseiros, já citada, ou indiretamente com ações ilegais que causam desequilíbrio ambiental.
Os esforços, tanto da pintora quanto da cineasta, valeram a pena por produzirem trabalhos indispensáveis. Podem ser admirados por leigos, pela beleza intrínseca às obras que envolvem a floresta amazônica, contemplados pela riqueza técnica contida em cada passo e ainda servirem de exemplo por levantarem uma bandeira que fica cada vez mais urgente em todo o planeta, já que os impactos ambientais têm efeitos gritantes.
O corpo franzino e a aparência frágil de Margaret Mee guardavam a iniciativa e a coragem que muitas vezes falta diante de algo que não está certo. Claro que enfrentar posseiros armados e outras situações narradas no filme podem ser encaradas como imprudências que deve ser evitadas, mas como já previa a pintora, sua obra ultrapassa sua própria existência, e ainda servirá de exemplo durante muito tempo.
A Flor da Lua, que já encanta pelo nome, guiou a última expedição de Margaret pela Amazônia, assim como o documentário sobre seu trabalho, mas toda a beleza da flor ainda é apenas uma parte da importância de sua obra. Vale a pena conferir o filme, que torna irresistível a vontade de saber um pouco mais sobre essa britânica que parece ter encontrado no Brasil uma ótima forma de canalizar seu talento.
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