quinta-feira, 2 de junho de 2011

Estamos Juntos

Neste longa o diretor Toni Venturi costura diversas faces de uma grande cidade como São Paulo, mostrando a diversidade, que pode convergir para o isolamento das pessoas, expresso sob diversas formas. O paradoxo de Estamos Juntos é que a tal união que o título sugere vem pela solidão dos personagens de diversas ramificações do enredo.

A trama principal é de Carmem (Leandra Leal), jovem com futuro promissor, que vem do interior para estudar medicina em São Paulo. Além de ser residente em um hospital público ela presta serviços de orientação em um prédio ocupado no centro de São Paulo. Quem vem à capital buscando livrar-se das amarras das pequenas cidades acredita chegar vacinado contra os problemas que encontrará, e de fato algumas adversidades não são difíceis de driblar, mas é a partir do diagnóstico de um tumor que a vida de Carmem se mostra mais frágil do que ela mesma esperava. Vale ressaltar que as reações da personagem foram muito bem dosadas por Venturi, passando toda a angústia necessária, mas sem transformar o fato em um dramalhão de novela.

Como se não bastasse todos os problemas repentinos, Carmem ainda tem que suportar o peso da responsabilidade alheia, tanto do músico argentino Juan (Nazareno Casero), cujos galanteios desajeitados e o sotaque castelhano proporcionam os momentos mais engraçados do filme, quanto do amigo Murilo (Cauã Reymond), homossexual que sonhava em conquistar Juan, antes de seu affair com Carmem. Os três mostram a fragilidade das relações de amor e amizade, formando um triângulo solitário graças ao comportamento extremamente egoísta de negar a personalidade do outro, adotando a postura egocêntrica de atribuir às pessoas próximas o próprio fracasso. Posto desta forma pode parecer, e de fato é, um comportamento absurdo, porém bastante comum fora das telas. Novo mérito a ser ressaltado é a força da personagem de Carmem, pois mesmo sendo a que mais tem motivos pessoais para explodir e disparar contra todos que estão a sua volta, ela é a única a manter a sensatez, suportando calada e compreensiva muitos absurdos. É ela quem mostra a força real diante da fraqueza que os homens insistem em tentar, sem sucesso, esconder. Talvez por isso Juan vai minguando aos poucos até sumir da trama.

Longe da família e sem o apoio dos amigos (com exceção do enigmático amigo sem nome vivido por Lee Taylor), Carmem tenta uma espécie de fuga da dura realidade pela qual passa se entregando ao trabalho no hospital, onde é possível notar em cada personagem um pouco da referida solidão, que, ao meu modo de ver, indica que estão mesmo todos juntos, no mesmo barco – quase um “barco dos loucos”, sem rumo, de Hieronymus Bosch. A princípio parece justo que a personagem mantenha uma ocupação que lhe distraia, porém não é mesmo sensato que alguém em situação tão delicada – tanto física quanto psicologicamente – exerça a medicina.

Resta a Carmem o trabalho no edifício ocupado, onde a jovem enfrenta um grande choque de realidades. A mesma imposição de valores percebida entre Juan e Murilo é vista aqui, apenas com enfoques diferentes. Talvez a trama do MSTC (Movimento Sem-Teto do Centro) pareça um pouco deslocada do desenrolar do filme, mas remete a outro longa de Toni Venturi, “Dia de Festa”, que aborda diretamente a questão da ocupação de edifícios vazios e sem função social. A princípio os militantes do edifício ocupado dão uma lição de vida ao driblar os problemas da classe média, retratada pelos médicos e músicos, resta saber até que ponto resistirão antes da tal solidão mostrar as garras.

Sem adiantar o desfecho da trama, é possível dizer que a diversidade dos personagens faz com que seja difícil a quem assiste não se identificar ao menos um pouco com a trama, ainda que as dificuldades de Carmem pareçam intermináveis. Ao menos a solidão que uma cidade tão grande tem a oferecer é bem real, uma das funções históricas do cinema é a de alertar, com suas metáforas, para que possamos aprender com os erros fictícios e evitar, ao menos um pouco, os problemas reais.


2 comentários:

Anônimo disse...

Lagrimei quando assisti a cena que em ela diz que se não fosse o carinho dos amigos não teria conseguido, lembra uma aula em que o professor falou “que o homem não nasceu para ser sozinho”. Tentamos ocupar nossa vida com o trabalho, procurando um trabalho melhor, estudos, obrigações domésticas, mas chega um momento (pode ser segundos) a solidão predomina a nossa mente e parece sugar toda a sua força, e não estou falando de solidão física, mas sim daquela em estamos cercados de pessoas e mesmo assim sentimos sozinho.
Você tem razão quando diz sobre identificar com algum personagem do filme, particularmente me identifiquei com dois, mas acho que não é somente a cidade grande que proporciona a solidão, dependendo do perfil da pessoa ela consegue se isolar(prejudicialmente) em qualquer lugar.

Gostando cada vez mais do blog,

Jailena

Alexandre disse...

Que bom que está gostando do blog! De fato, a solidão não é exclusiva das cidades grandes (se fosse seria mais fácil nos livrarmos), mas morei a vida toda no interior e agora vim para São Paulo, pelo menos para mim, sinto que aqui a solidão soa mais absurda, talvez por ter mais gente, mais opções de lugares para frequentar... no interior eu tenho um certo conformismo com a solidão.
Obrigado pelas visitas e comentários =)

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