Esse é o primeiro longa-metragem do diretor Beto Brant. Também a primeira parceria com o escritor Marçal Aquino, que acabou virando um prenúncio das boas obras de adaptação que viriam posteriormente.
Neste caso o conto homônimo do escritor é mais conciso e direto. Um bom exemplo de como o cinema pode complementar uma obra, ressaltando aspectos distintos e desenvolvendo temas cuja linguagem não é tão eficiente na literatura, superando a desnecessária comparação entre livro e filme, sobre qual seria supostamente melhor.
Os elementos do enredo são aqueles tão frequentes e bem descritos na obra de Aquino, com acertos de contas, matadores de aluguel, conflitos em regiões remotas, prostituição e nuances de um submundo real, porém oculto e geralmente distante da mídia.
Com o cerne da história desenvolvido na região de fronteira entre Brasil e Paraguai, vemos uma realidade bastante característica, com elementos que até podem estar presentes em cidades, mas com a clivagem entre urbano e rural preservada. O coronelismo, a naturalidade com que conflitos são resolvidos com assassinatos e a hierarquia de poder estabelecida – entre outros detalhes – podem ser percebidos nas cidades, como bem indicam alguns outros contos de Aquino.
Porém é notável como Toninho (Murilo Benício), que vem do Rio, destoa tanto do local quanto das pessoas, enquanto a velha dupla de matadores formada por Alfredão (Wolney de Assis) e Múcio (Chico Diaz, em ótima interpretação como paraguaio) estão em consonância, ainda que não escapem de percalços.
Esta divisão do Brasil entre o leste, litorâneo e mais urbanizado, em contraposição ao oeste, fronteiriço e predominantemente rural, ganhou força e legitimidade alguns anos depois do filme, com o referendo de 2005, sobre a proibição da comercialização de armas de fogo e munições, cujo resultado revelou apoio bem maior às armas em regiões de fronteiras, além de outros fatores culturais.
Evidentemente que a resolução de problemas através da eliminação do inimigo tem raízes antigas. Fomos colonizados por grandes senhores de terra, onipotentes, com poder econômico e social suficiente para pagar pelo assassinato de quem estivesse no caminho, saindo não somente impunes, mas também fortalecidos pelo medo que espalhavam nas proximidades.
Esta herança está presente em nosso território apresentando-se de forma mais fiel à origem em áreas rurais e distantes, conforme vemos no filme, mas prática semelhante também é notada em centros urbanos. As execuções ligadas ao tráfico de drogas ou a grupos de extermínio, muitas vezes formados por policiais, agem cotidianamente e quando o acerto velado entre policiais e traficantes é abalado as chacinas passam a ser fato cotidiano.
É curiosa a incoerência formada pela cultura de massa frente ao comportamento violento relacionado ao acerto de contas. As ondas de violência geradas por essa cultura da vingança são, felizmente, repudiadas pela população – talvez mais por temer pela segurança pessoal do que pela barbárie em si –, porém a resolução do problema através de assassinato de criminosos nem sempre é mal vista.
Caindo no engodo da dicotomia entre bem e mal, parte da população apoia que criminosos sejam mortos sem julgamento, por policiais que agem de forma arbitrária e onipotente, como os antigos coronéis. Há nesse apoio a omissão dos crimes praticados pelas autoridades, pois assim como vem sendo praticado por poderosos há séculos, o assassinato que se esconde sob a falsa atribuição de justiça acaba fornecendo poder ilegítimo ao assassino – seja ele matador de aluguel, policial, traficante ou qualquer outro.
Ao abrir concessão para certas ilegalidades a sociedade cai em um desdobramento de estado sem lei, conforme podemos notar no filme, onde os próprios códigos de conduta são criados e quem tem mais armas, ou mais dinheiro para contratar matadores, corrobora o próprio poder e permanece acima da lei – postura que pode ser apoiada por parte da sociedade, até que algum erro grosseiro (além da ilegalidade em si) seja cometido.
A viabilidade de um filme como Os Matadores assusta pela realidade com que as cenas são apresentadas, de forma crua e direta. Seria ótimo que se tratasse de um filme de ficção, no máximo um retrato de passado longínquo, entretanto a trama é um registro atual, de uma sociedade que reluta em abandonar costumes arcaicos.
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