terça-feira, 7 de agosto de 2012

À beira do caminho


Do título ao enredo, o novo longa de Breno Silveira é estruturado com o apoio de músicas de Roberto Carlos. Questões musicais a parte, o fato é que toda a atmosfera do filme, as características dos personagens e o desenrolar da trama combinaram muito bem com a trilha sonora, sendo que, com a quantidade de fãs de Roberto Carlos, o público potencial do filme irá se emocionar bastante com a junção de letras e cenas.

O roteiro nos remete ao filme Central do Brasil (1998), já que ambos apresentam um menino sem família que quer cruzar o país em busca do pai. A diferença é que aqui o roadmovie faz o caminho inverso, do nordeste ao sudeste, evidenciando a migração forçada, entre outros fatores, pelo desenvolvimento econômico desigual, que tantas vezes auxilia na separação involuntária de famílias cujos membros não entram em consenso diante da difícil decisão sobre onde tentar a vida.

Outra diferença entre os filmes é que em Central do Brasil o menino é guiado por uma personagem feminina (Fernanda Montenegro), criando uma relação mais maternal entre os dois. Aqui o pequeno Duda (Vinicius Nascimento) cruza o caminho de João (João Miguel, com atuações cada vez mais encantadoras), um caminhoneiro misterioso, mal humorado e que parece fugir de seu passado, uma história paralela, desvendada aos poucos com cenas entrecortadas.

Duda e João têm uma relação complexa desde o início. O menino não tem muitas alternativas além de confiar no estranho, geralmente rude e fechado, de quem tenta arrancar algum tipo de amizade e contato. O caminhoneiro, ao mesmo tempo em que mantém sua rotina na estrada, sem distrações e pensando no passado que o atormenta, encarando o menino como um estorvo do qual deve se livrar, também assume aos poucos uma atitude mais paternal, com preocupações e cuidados.

A primeira metade do filme é permeada por cenas engraçadas, que quebram um pouco o drama da história pesada. Daí para o fim o drama do menino, que mantém a esperança infantil de encontrar o herói na figura do pai, que supostamente resolverá seus problemas, soma-se ao passado de João, que aos poucos é apresentado como uma história triste e repleta de remorsos. De forma intencional o diretor opta por deixar seu filme cada vez mais emotivo até o desfecho.

A esperança, simbolizada por um menino esperto, porém ainda bastante inocente, é conflitada a todo tempo com a desilusão, simbolizada pela amargura de alguém que parece ter desistido da vida, desleixado e sozinho. Não é por acaso, nem é somente para emocionar, que por vezes os papeis se invertem e o menino toma conta do caminhoneiro. É o elemento novo que vem para quebrar uma rotina apática e tentar resgatar o brilho que existe, mas anda ofuscado pelos anos de solidão e sofrimento.

Portanto, conforme indicado, o filme lida com perdas, abandonos, amores não correspondidos e foca o tempo todo no laço de amizade construído pouco a pouco entre os dois personagens, ao longo da viagem que cruza o país. Assim, as cenas que usam as músicas de Roberto Carlos são muito bem complementadas pelas letras, até pelo estilo brega de algumas canções, que embalam uma festa de beira de estrada melhor que qualquer outro estilo.

Chama a atenção ao longo do filme a vida sem rumo que Duda leva, sendo que de todas as opções para o futuro do menino, a grande maioria não garantiria um futuro promissor, tendo sido um grande acaso o encontro com João. Da mesma forma que algumas vezes o menino se viu perdido, essa situação é vivida diversas vezes por vários menores, que não têm o caminho cruzado por alguém que pode se tornar uma referência. A emotividade do filme tem caráter didático quando vemos que uma criança não tem condições de viver completamente sozinha – feito complicado até para um adulto. É um fato um tanto óbvio, mas sua demonstração é sempre pertinente. Não é demais lembrar que somos socializados ao longo da vida e nosso comportamento é moldado de acordo com os exemplos e oportunidades que temos ao longo da vida, sobretudo durante a infância.

Ainda que possa ser criticado pelo excesso de drama, o filme de Breno Silveira trabalha bem com elementos de nossa sociedade e nossa história. A desigualdade social entre regiões, o trabalho difícil dos caminhoneiros, a falta de cuidado com menores sem família, as músicas que fazem tanto sucesso há anos, tudo isso guiado pelos sentimentos reprimidos de João, que mesmo sem perceber busca as pazes com sua própria vida.


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