Guerra, quando tem um propósito, é uma operação que remove, em um período específico, um câncer específico. O câncer reaparece em diferentes formas, em diferentes partes da raça humana; nós não aprendemos nenhum tipo de medicina preventiva para os corpos das nações. Nós voltamos, repetidamente, para uma cirurgia de alto risco... Quem somos nós, que temos a pretensão de acabar com tudo?
(Martha Gellhorn)
(Martha Gellhorn)
Neste longa acompanhamos um recorte da vida de dois personagens intrigantes de nossa história. Distante de um documentário, o diretor Philip Kaufman apresenta uma ficção de duas horas e meia, que começa um tanto morosa, mas ganha ritmo e cativa ao longo da narrativa.
Ernest Hemingway é interpretado por Clive Owen, que fica bem abaixo de Corey Stoll, no mesmo papel em “Meia-noite em Paris”, e Martha Gellhorn ganha vida através de Nicole Kidman. Filmar a vida de um casal, sobretudo em um filme longo, poderia ser maçante e desnecessário, porém Hemingway teve outros três casamentos, sendo que apenas este é digno de ganhar as telas, não por mostrar a vida de uma celebridade, mas pelo fato da vida em casal ter influenciado diretamente a obra de ambos, de forma a agregar aos fãs de seus textos.
Eu conhecia pouco da obra de Hemingway. Foi através do filme de Woody Allen que meu interesse pelo autor e suas obras explodiu. Da mesma forma, com este filme descobri Martha Gellhorn e seu crescimento profissional mútuo com o escritor. É curioso que, da mesma forma que os dois se aproximam lentamente, de forma um tanto confusa e receosa, até se entregarem um ao outro, o filme de Kaufman também começa descompromissado, um pouco confuso até que passa a convencer quem assiste.
Alguns cortes de imagem para tons de cinza ou imagens mais granuladas acabam não tendo um resultado muito positivo, mas é compreensível que com tanta diversidade de cenários e períodos históricos, certos recursos tenham que ser utilizados em prol de uma produção satisfatória, mas sem custos exorbitantes.
A história do filme ganha fidelidade com a participação de personagens como o cineasta Joris Ivens (Lars Ulrich, baterista do Metallica), coletando material para o filme “A terra espanhola” (1937). Com isso temos mais uma referência cultural a ser conferida, juntamente com as obras de Hemingway e os escritos de Gellhorn.
Foi durante essas filmagens que o famoso casal foi consolidado. A atração mútua ficou latente diante dos interesses em comum e o resultado foi benéfico não apenas para os dois, mas para a história como um todo, uma vez que ambos perceberam que os textos produzidos poderiam extrapolar os limites da ficção, servindo também como denúncia, alerta e expressão dos sentimentos mais diversos que uma situação de conflito possa proporcionar.
A paixão do casal complementada pelo amor dos dois pela escrita influenciou nas produções que proporcionaram ao mundo lindos romances de Hemingway, que mesmo tendo abordado temas historicamente distantes, o fez de forma que seu conteúdo permanece extremamente contemporâneo e necessário, além das coberturas de guerra feitas por Gellhorn, documento histórico incomparável e também tristemente atual, dado a constância dos temas fúteis e incabíveis de um conflito armado.
Ainda que o filme não tenha o caráter de documentário, portanto o enredo pode surpreender a quem assiste, seu desfecho não foge da dureza da realidade que encerrou a vida dos protagonistas. Pelo estilo direto, cru e objetivo, tanto das obras de Hemingway quanto de sua própria vida, ninguém poderia esperar um desfecho romântico e animador para o que quer que tenha passado pela vida do autor.
Por vezes citado como estereótipo de virilidade, outras criticado por machismo, vemos aqui um Hemingway com tantas virtudes e tantos defeitos quanto qualquer outra pessoa e mesmo já famoso ao iniciar seu relacionamento com Gellhron, é possível notar que o relacionamento inspirava e complementava o trabalho de ambos, não havendo disparidade ou dependência de um em relação ao outro.
Talvez para atenuar a ideia de machismo que ronda o escritor, Kaufman enfatiza Gellhorn como uma mulher independente e extremamente profissional, que aprendeu muito com o escritor – até por ser quase dez anos mais nova – mas que também contribuiu com seu lado profissional, suportou seus comportamentos que muitas vezes beiravam a infantilidade e teve personalidade para reconhecer que o relacionamento já não contribuía ao casal, pelo contrário, desgastava a ambos, que não compartilhavam mais os mesmos interesses.
Difícil dizer o quanto ambos sofreram com o fim do relacionamento, mas aqui entra a fabulação enfatizando o sofrimento romântico. É até bastante compreensível que duas pessoas que conheceram tão de perto os horrores de diversas guerras acumulem angústias e sofrimentos. Somam-se a isso os sentimentos conturbados de Hemingway, chegando ao extremo de ter que lidar com o suicídio do pai, e a dificuldade intrínseca de escrever alertando ao mundo sobre as dificuldades da vida.
A história de Hemingway e Gellhorn está longe de caber em um filme, mas esta obra é válida pelas referências culturais e mesmo por apresentar-nos um pouco dessas duas personalidades bem atrativas.
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