quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Meninas


Neste documentário a diretora Sandra Werneck acompanhou por quase um ano a vida de três adolescentes cariocas. Recém-saídas da infância, já encaram a responsabilidade de uma gravidez, com poucos recursos financeiros e todas as dificuldades que a pouca experiência de vida tende deixar ainda piores.

Apesar das três meninas morarem em favelas cariocas, essa é uma situação recorrente no país, representando assim um problema social grave, que o filme tenta expor sem preconceito e com um cuidado talvez excessivo.

Até meados do século passado, com a população rural maior que a urbana, a estrutura familiar era bem diferente. Com menos anos de estudo e a exigência de menos qualificação profissional, era muito mais comum a gravidez ainda na adolescência, que seria seguida de várias outras ao longo da vida. O problema é que atualmente essa característica não condiz com a vida em uma cidade.

Com a necessidade de estudo, qualificação e estabilidade, uma gravidez não impede, mas dificulta enormemente, como pode ser conferido no documentário, a formação da mulher, que em geral ainda deve enfrentar o peso do machismo que isenta o homem de praticamente todas as responsabilidades que deveriam ser partilhadas.

É interessante notar nas entrevistas com os familiares das três meninas forte moralismo, mesmo ao assumir certa responsabilidade pela gravidez. Ninguém fala em prevenção ou esclarecimento das consequências de ter que criar um filho, mas somente de uma suposta promiscuidade, que deveria ter sido evitada por parte da família.

Esse detalhe escancara o embate existente na nossa sociedade entre o moralismo, sobretudo em relação ao comportamento feminino, e a exacerbação da vida sexual, cada vez mais mercantilizada de forma irresponsável, pois seu estímulo (não necessariamente censurável) deveria vir fortemente acompanhado de esclarecimento, tristemente barrado pelo moralismo ignorante.

Vemos no trabalho de Sandra Werneck meninas que mal deixaram a infância, que se envolveram com homens mais velhos, porém inconsequentes e irresponsáveis – comportamento fortemente amparado pela característica machista da sociedade, que relega ao pai, quando muito, o pagamento de uma pensão –, sofrendo as consequências que irão perdurar ao longo de suas vidas.

Diante deste cenário é comum esbarrarmos na ignorância popular que relega às meninas uma suposta culpa por ignorar a evidência dos problemas e dificuldades resultantes de uma gravidez precoce. Entretanto o planejamento familiar e a prevenção da gravidez e de doenças sexualmente transmissíveis não têm nada de natural. É fácil para quem sempre recebeu orientação neste sentido alegar que os desdobramentos da gravidez são óbvios e a prevenção bastante simples, mas no filme vemos Luana, com quinze anos, afirmando que o bebê foi planejado, já que sempre cuidou do irmão mais novo e agora queria um somente dela.

A mãe de Luana passa o dia trabalhando, tanto que deve deixar a filha mais velha cuidando dos irmãos mais novos, passa pouco tempo em casa, tem pouco contato com os filhos e esbarra no moralismo, já citado, em relação à educação sexual. Do outro lado Luana vê o irmão mais novo como uma espécie de “boneca viva” e resolve ter um filho. O que pode beirar o surrealismo para quem sempre foi instruído a primeiro dar valor para uma formação escolar e estabilidade profissional antes de pensar em filhos é extremamente plausível para uma adolescente no contexto social em que Luana vive.

Antes de julgarmos as atitudes das três meninas retratadas, ou qualquer outra em situação semelhante, devemos lembrar que um olhar adulto é construído ao longo da vida. Não dá para esperar que crianças ou adolescentes tenham a noção de responsabilidade que muitas vezes até os adultos só têm de forma idealizada. Certas atitudes inconsequentes da adolescência, como fugir de casa, brigar com os pais, sair escondido, etc., são reversíveis, outras são permanentes.

Cabe ainda lembrar que, do título ao enredo, Sandra Werneck deu foco às meninas, tangenciando o papel masculino, que também é fundamental. Já mais velhos que as meninas retratadas, era de se esperar que os namorados tivessem mais responsabilidade, porém, ainda que o filme não tenha a intenção de mostrar a vida dos pais, fica claro que a mesma falta de informação faz parte também de suas vidas, com o agravante de que o machismo da sociedade estimula fortemente o comportamento irresponsável retratado.

Alguns anos depois a diretora lançou o longa “Sonhos roubados”, que acaba sendo quase um complemento deste documentário, por mostrar a vida de meninas em condições socioeconômicas semelhantes, porém sem focar a gravidez, mas abrangendo as dificuldades e problemas das jovens. Duas obras que devem ser conferidas.


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