terça-feira, 8 de novembro de 2011

Machuca

Dois anos antes do filme “O ano em que meus pais saíram de férias” ser lançado no Brasil, o chileno Andrés Wood lançava, em 2004, o filme Machuca, que também aborda um período da ditadura militar sob o ponto de vista de uma criança. Ambos são filmes bem simples e, voltados para o grande público, visam mostrar alguns impactos do período ditatorial sobre as crianças.

Apesar de a intervenção militar ter sido bastante dura nos países latino-americanos, algumas nuances fazem com que a história de cada país ressalte pontos específicos. Assim, em Machuca, o diretor reserva a primeira parte do filme para mostrar um pouco da sociedade chilena nas vésperas do dia 11 de setembro de 1973 – quando o presidente Salvador Allende, eleito por voto popular, foi covardemente derrubado do poder – para em seguida apresentar alguns resultados da ação militar sobre as pessoas.

Como a sociedade é muito multifacetada para ser representada em todos os seus aspectos dentro de um único filme, a opção aqui é polarizar os estereótipos entre a classe média alta, indignada com o governo de Allende, e a classe pobre, defensores do governo. A metáfora para essa ilustração é montada na escola particular, frequentada por Gonzalo Infante (Matías Quer), que passa a fornecer bolsa integral para alguns estudantes pobres, entre eles Pedro Machuca (Ariel Mateluna).

É a amizade entre Gonzalo e Machuca que guia o filme para uma série de referências que constroem um recorte da sociedade chilena da época. Muitas coisas passam despercebidas no Brasil, como a distinção de classe através do sotaque ou a diferença de nomes, pois o menino pobre é chamado pelo sobrenome (Machuca) estigmatizado por caracterizar pessoas pobres. Outras distinções são mais que claras, como a casa, roupas e hábitos dos dois amigos. Dentro do universo infantil os discursos dos adultos são ramificados para apontar as diferenças de classes.

Com estereótipos bem simples – por vezes até demais – vemos como os pais dos estudantes da escola particular rechaçam a presença de alunos bolsistas, alegando que os hábitos destes iriam influenciar seus filhos (evidentemente fechando os olhos para a falta de educação que já marcava alguns alunos vindos da classe média), um ponto que chama a atenção é a manifestação da burguesia contra o governo Allende, extremamente confluente com o patético movimento "Cansei", que surgiu meteoricamente no Brasil em 2007, quando um presidente ascendeu da camada popular – mesmo trabalhando muito mais para as classes altas que Allende.

A segunda parte do filme é para abordar o início dos quase vinte anos de regime ditatorial que seguiram o golpe militar chileno. É notável a mudança de ritmo do longa, que acompanha a mudança social ocorrida no país, como em qualquer estado que subitamente passa a ser tutelado pela intolerância. Enquanto a sociedade entrava em conflito para defender seus interesses e pontos de vista, os mais jovens, talvez com senso crítico menos viciado pelas opiniões que nos bombardeiam dia a dia, conseguem encontrar pontos em comum e perceber que o estranhamento causado pelo simples deslocamento de um para o ambiente do outro – seja o menino pobre na mansão do amigo, ou o menino rico no barraco de Machuca – não é aceitável, ou ainda natural.

É evidente que conflitos sociais, sobretudo em sociedades com grandes abismos entre as classes, sempre existirão. A forma de resolução dos conflitos é que deve ser discutida, pois no Chile e países vizinhos a solução foi a intervenção de uma instituição nascida e criada para a guerra, para o conflito armado onde o mais forte sufoca o mais fraco. Militares não servem para solucionar conflitos, para isso existe a política, e a intervenção militar se dá quando a minoria em número se recusa a dialogar com a minoria em poder bélico.

Alguns filmes vêm sendo lançados no cone sul abordando o período militar, mesmo tendo passado quinze ou vinte anos após o fim formal do totalitarismo. Talvez pareça anacronismo revisitar temas de décadas passadas com tantas questões sociais atuais a serem abordadas. O detalhe é que os anos de chumbo deixam raízes profundas. O ensino superior chileno atualmente é particular – semelhante ao colégio onde Gonzalo estudava – e isso vem excluindo boa parte da juventude chilena há muitos anos. Recentemente as antigas reivindicações do movimento estudantil, até então ignoradas, ganharam força e abandonaram os papéis a partir do momento em que estudantes foram para as ruas – semelhante às revoltas retratadas no filme. O resultado foi o mais previsível possível, com os mesmos militares, a mesma disparidade de força e a mesma ausência de diálogo.

No Brasil não é muito diferente. Nossa polícia militar se mantém entre as mais violentas do mundo, superando com folga a polícia norte-americana (mundialmente famosa pela sua truculência). Boa parte da sociedade, acostumada há décadas a acreditar que a “ordem” trará “progresso” chega a se orgulhar da instituição militar encarregada de sua segurança, ainda que a ação continue – assim como retratado por Andrés Wood – apenas perpetuando um status quo insatisfatório.

Machuca é exageradamente didático para mostrar que integrar classes sociais desde cedo, oferecendo educação igualitária para todos, não é isoladamente a solução de problemas, porém é um passo fundamental. Além disso, a intervenção militar na sociedade civil, sobretudo na educação, não soluciona problemas, porém é um passo fundamental para perpetuá-los.


5 comentários:

Claudemir disse...

Parabéns Alexandre Caetano.
Esses filmes permitem, mesmo de forma
limitada, a constituição de um olhar
crítico à história - que em grande parte nos foi negada - mas também despertar e contribuir com o processo de consciência de classe diante de uma sociabilidade regida pelo capital.
Claudemir - Santa Catarina.
Abraço

Anônimo disse...

-Nossa!!!!!!!
Fiquei encantada com a sua colocação, temos que ter visão clara do que se passam em nossas Américas, nossos continentes,intervenções políticas que desumanizam os direitos civis e as dores que causam nestes pequenos seres que estão em construção, as nossas crianças.Independentes de onde estejam,no começo serão apenas crianças.
Charlene Ribeiro- Vitória da Conquista, Bahia.

Alexandre disse...

Que bom que gostaram! Fico feliz com os comentários =)
Recomendo, além de "O ano em que meus pais saíram de férias" que foi citado no texto, o argentino "Kamchatka". Nome difícil, mas fala sobre o período da ditadura militar na Argentina.

Anônimo disse...

Unfortonly, u can't help me like i want :(

Alexandre disse...

What would you like, my anonymous friend?

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