Uma mulher que confessa o assassinato do patrão é julgada e condenada à morte nos EUA – não é um spoiler, esse desfecho já é apresentado no trailer ou na sinopse. A princípio essa sentença deve ganhar muitos adeptos. Com sede de vingança, parte considerável da população tem se achado no direito de julgar e condenar, geralmente de forma bastante impiedosa.
Assim foi com Lena Baker (Tichina Arnold) em 1945. Se hoje, mais de um século após seu nascimento, a sociedade ainda conta com o ranço do preconceito racial e com o machismo, ambos teoricamente inexistentes em sociedades ditas democráticas, mas que por vezes aparecem de forma escancarada na sociedade, podemos imaginar no início do séc. XX, no sul dos EUA.
Este é o cenário do filme do diretor Ralph Wilcox, que nos apresenta a protagonista desde a infância, passando por várias dificuldades devido ao preconceito em relação à cor de sua pele. Semelhante à vida dos negros no Brasil, mesmo após o fim da escravidão institucionalizada os EUA não davam muitas alternativas aos descendentes de uma imigração forçada.
Os negros daquela região acabavam forçados a trabalharem nas fazendas de algodão, de uma forma ou outra subjugados aos brancos. Essa obrigação não era direta, ou seja, teoricamente os negros já estavam livres para ganharem a vida como quisessem, porém o trabalho pesado da lavoura era o único que aceitava os ex-escravos, que evidentemente tinham o acesso à educação proibido.
Sem estudo e sem alternativa de trabalho para o próprio sustento, Lena começa a se prostituir ainda jovem. Como sempre este é um campo aberto para a união de machismo, moralismo e preconceito racial. Quem frequenta os prostíbulos e procura os serviços das prostitutas negras são os homens brancos, muitas vezes casados e frequentadores de igrejas aos domingos. Apesar disso a culpa sempre cai sobre as mulheres, que supostamente levam os homens para o chamado mau caminho – pobrezinhos.
O desenrolar da vida de Lena indicava mais uma negra dentro do padrão de vida imposto, ou seja, explorada para conseguir uma vida minimamente aceitável, com filhos que muito provavelmente seguirão os mesmos passos por falta de alternativa. A particularidade se dá por nuances do destino.
Como tantas outras, Lena foi abusada várias vezes pelo patrão. Lutando contra a violência física e contra a pressão psicológica por parte da família branca que, como sempre, tentava colocar a culpa na vítima, em uma tentativa de omitir o alcoolismo de seu patrão. O subterfúgio de culpar o agredido não é muito criativo, porém infelizmente é tão convincente que até hoje é frequente, em casos de estupro, a menção às roupas curtas ou comportamento da vítima.
Se optasse por tentar enfrentar a opressão e lutar por direitos que na época nem eram reconhecidos, Lena esbarraria na repressão que seria direcionada não só a ela, mas também à família. A mulher que tolerou até o limite extremo a falta de liberdade e os abusos teve que enfrentar um júri composto exclusivamente de homens brancos – que representavam exclusivamente a classe que a oprimiu durante toda sua vida. Alguma dúvida de que o julgamento tinha cartas marcadas?
As nuances de um julgamento, como a composição do júri, influencia julgamentos em todos os casos. Não são raras as lutas feministas para que estupradores sejam julgados por mulheres, que não querem vingança, mas justiça; juízes compostos pela elite econômica, que têm condições de dedicar a vida toda à carreira de direito, julgam criminosos que muitas vezes sequer sabem ler, com a arrogância da meritocracia, típica daqueles que herdaram tudo o que têm dos pais.
Diante de um caso como o relatado no filme, as pessoas tendem a se esconder com o falso argumento de que os crimes não devem ser impunes. De fato não devem, mas o direito não é uma ciência exata. Quem quer justiça com as próprias mãos ou exige uma pena draconiana para qualquer delito, deveria pensar só um pouco no contexto histórico dos crimes.
Assim como o julgamento de Lena Baker foi baseado em preconceitos históricos, no Brasil, há poucas décadas havia, por exemplo, o crime de honra. Um estupro era considerado crime contra o marido da vítima, não contra a mulher abusada. Hoje isso é absurdo, mas como soarão os julgamentos tão enfáticos que a população dispensa a crimes cotidianos neste início de séc. XXI?
3 comentários:
Seu blog é bom pena que você incentiva o roubo de filmes pela internet.
Oi! Obrigado pelo comentário, que bom que gostou do blog. Bom, em linhas gerais sou a favor dos filmes na internet, sim. Claro que é um assunto mais complexo do que um post permite abordar. Aliás, conhece algum filme que aborde o tema? Seria uma boa escrever algo um pouco mais aprofundado sobre isso!
Este assunto é realmente complexo. Segundo um advogado que conheço, o que é ilegal é baixar o filme e comercializar.
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