terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Primavera, Verão, Outono, Inverno e... Primavera (Bom Yeoreum Gaeul Gyeoul Geurigo Bom)

Com este filme o diretor Kim Ki-duk nos apresenta uma alternativa à cultura ocidental que prevalece nos longas que estamos habituados a assistir. O drama conta com partes de humor que quebram a tensão e não impedem nossa reflexão sobre alguns pontos.

A base do enredo é uma cabana isolada entre as montanhas, no centro de um lago, onde vivem um velho monge (Yeong-su Oh) e seu aprendiz (Ki-duk Kim). O cenário deslumbrante, característica marcante de vários filmes orientais, ganha destaque com a pouca, porém destacada, intervenção do homem na natureza.

Muitos elementos da cultura e religião local permeiam a vida dos dois monges, cujos hábitos os mantêm em grande harmonia com a natureza. Mesmo sem ter grande familiaridade com os costumes, vemos que o culto à divindade não é parte das atividades diárias, mas uma prática constante e indissociável do cotidiano, marcando presença de forma contínua na vida de ambos, desde a infância até a velhice.

Como elo entre as fases da vida, unindo homem e natureza, temos as estações do ano, bem distintas naquela região. Associando as características das estações com as fases da vida – sobretudo do jovem monge – o diretor consegue deixar bem clara a ideia de ciclos que se alternam, dos quais fazemos parte.

Na primavera, como sinônimo de florescência, vemos a infância do jovem monge, brincando e descobrindo detalhes da vida como qualquer criança, mas distante de qualquer contato com a sociedade. Sua única referência é o velho sábio, que passa conhecimento de forma prática e por vezes bastante dura.

Corroborando a ideia do verão como ápice da vida, uma fase posterior às flores desabrochadas, na qual o calor aquece e também estimula, é de se esperar que a vida do monge ganhe elementos que traduzam esse esplendor associado ao verão. Isso é expresso através de uma mãe que, devido à sabedoria do velho monge, traz sua filha (Yeo-jin Há) para ser curada de uma apatia que nossa cultura nos induz a diagnosticar como depressão.

O roteiro se desenvolve de forma previsível. É evidente que haverá algum tipo de atração entre os dois jovens. O monge e a nova hóspede têm mais ou menos a mesma idade e apesar de não sabermos nada sobre a vida dela, em relação ao jovem é provável que tenha sido seu primeiro contato com o sexo oposto.

Essa previsibilidade prática não impede a riqueza das metáforas e de análises possíveis. O velho sábio tem seus hábitos bastante rígidos; é curiosa a presença de portas, cuja passagem é respeitada mesmo com a ausência de paredes, que do ponto de vista prático inutiliza a existência. A presença da moça é o que desestabiliza o dia-a-dia dos monges, fazendo com que pela primeira vez o mais novo passe a questionar e desrespeitar as tradições que ele nunca havia pensado em mudar, desequilibrando assim a relação com o tradicionalismo de seu mestre.

Entre as poucas falas do filme, destaca-se uma afirmação do velho monge: "A luxúria desperta o desejo de possuir. E isso desperta a vontade de matar." Pensando no estilo de vida que temos não nos resta alternativa senão acreditar que há formas distintas de lidar com a posse e com as vontades, embora não faltem exemplos que corroborem a afirmação.

As ações do filme se restringem à cabana isolada, com a interação de poucos personagens, ou seja, é provável que o jovem monge tenha recebido ensinamentos valiosos de sem mestre, mas não foi socializado. Alguns de nossos valores e sentimentos são tão enraizados que não percebemos tê-los devido à proximidade com a vida em sociedade, da qual absorvemos características.

Geralmente nos deparamos com uma interpretação romantizada de um velho sábio que vive à margem da sociedade, mas com muita sutileza o filme nos mostra que esse isolamento exacerbado pode ser trágico quando de alguma forma esse contato social precisa existir. Na melhor das hipóteses o jovem monge ainda não atingiu um estágio suficiente de maturidade para lidar com os fatos inusitados provenientes de contatos insólitos.

O simples fato de viver em sociedade não implica em desenvolver certas habilidades, afinal a relação entre luxúria, posse e morte é muito mais frequente do que deveria em qualquer cidade, mas tentar resolver esse determinismo trágico simplesmente se afastando do contato social não parece ser de fato uma solução, mas uma frágil aparência de paz interior.

Mais eficiente seria tirar proveito do conhecimento do velho sábio, aplicando seus ensinamentos para suavizar certos sentimentos e tornar a vida em sociedade menos hostil ao invés de exacerbar a hostilidade por conta do estranhamento que a distância proporciona.


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